sábado, 25 de dezembro de 2010
Feliz Natal
Luzes, doces, música, alegria, amor, muito amor. Não sei que nome dar a isto... mas cheira a Natal!
sábado, 11 de dezembro de 2010
natal
A casa estava cheia, mais que o habitual. Cheia de luzes, cheia de enfeites, cheia de bonecos de neve e Pais Natal. E cheia de pessoas. Estaria mesmo cheia, ou vazia como mais não podia estar? A pequena Leonor, sem o saber, achava que sim. Ela gostava muito de toda aquela alegria, mas algo não estava bem; primeiro, não percebia o motivo de todo aquele aparato. Sabia que era noite de Natal, sabia que se trocavam prendas e se comia a Ceia, mas não sabia porquê. Tudo tem uma razão de ser, mas ela ainda não tinha descoberto qual era.
Nesse ano em particular estavam lá em casa uma segunda família que segundo ela percebeu eram amigos de trabalho do pai. E isso mudou muita coisa também, o que contribuiu para aquela sensação de estranheza que Leonor sentia. Estava habituada a, no Natal, estar à vontade, só com os pais e o irmão, mas como aqueles senhores eram muito importantes, de nariz empinado, tinha que se portar muito bem e até teve que vestir um vestido muito bonito mas muito pouco cómodo. Às tantas tinha até receio de se rir sem pedir autorização primeiro... Tinha ouvido na escola que o Natal se passava em família, e agora percebia a importância disso.
A dada altura, quis perguntar ao irmão mais velho o que era o Natal. O irmão, que estava mais interessado numa conversa com o filho do casal amigo sobre os jogos e consolas que iam ou não receber, disse-lhe que não sabia, o que aliás não era mentira nenhuma. Depois perguntou à Mãe; também ela estava a trocar receitas e sabe-se lá mais o quê com a outra senhora, e disse-lhe, apressadamente, que o Natal era uma altura do ano em que as pessoas andavam mais felizes porque se preocupavam mais uns com os outros e ofereciam prendas aos amigos. Leonor perguntou à Mãe porque é que então havia pessoas na rua que pareciam muito tristes e cheias de frio, e perguntou-lhe que prendas recebiam elas; a Mãe, já sem paciência, disse-lhe que ela não tinha idade para se preocupar com isso. Por último tentou o Pai, fez-lhe a mesma pergunta, mas este estava a ter uma discussão tão acesa com o colega que nem lhe respondeu, disse-lhe só que depois explicava.
Leonor ficou um pouco triste. Passado algum tempo chegou a meia-noite e com ela a tão esperada abertura de prendas. Relógios caros, consolas, roupa, cd’s e sapatos, tudo se desembrulhou. Leonor recebeu tudo aquilo que pedira, bonecas e roupas bonitas. Pensou que tinha sido muito pateta por ter tido todas aquelas dúvidas. O Natal era aquilo, eram as prendas, e agora estava bem contente. Começou então a brincar com os novos jogos, despreocupada. Começou o Natal sem saber o que ele significava, e acabou a pensar que sabia.
domingo, 5 de dezembro de 2010
Livro Branco
Um famosíssimo escritor anunciou o lançamento de uma nova obra. Muito antes de se saber o conteúdo ou sequer o título, houve logo uma grande onda de entusiasmo, daquele autor só podia ser coisa boa! Eis que saiu o Livro Branco e todas as suas páginas rimavam precisamente com título: em branco, mais de cem folhas vazias do que fosse. E o livro do autor famoso trazia uma recomendação, lançada como que um slogan promocional: este livro possui truque para ser lido. Ora, saberia bem o escritor, tão bem quanto eu sei, que o Homem adora o que não conhece e sonha com o que pode descobrir, e logo milhares de pessoas acorreram a comprar aquela misteriosa obra. Cada um experimentou mil e um ensaios; aqueceram o livro, puseram-no dentro do congelador,
expuseram-no à humidade e ao vento. Olhavam com ânsia para as linhas que teimavam em não surgir, fosse feito o que fosse. Não tardou a que surgissem reclamações. Foi confrontado o autor com recibos do preço da obra, que para eles não devia ser o custo para aquilo que se revelou ser um mísero bloco de notas. E nem tinha sido assim tão caro... O escritor a tudo sorria, com ar de criança divertida. É que o truque que o leitor deveria ter usado para ler aquele livro, era tê-lo preenchido com os próprios dedos.
expuseram-no à humidade e ao vento. Olhavam com ânsia para as linhas que teimavam em não surgir, fosse feito o que fosse. Não tardou a que surgissem reclamações. Foi confrontado o autor com recibos do preço da obra, que para eles não devia ser o custo para aquilo que se revelou ser um mísero bloco de notas. E nem tinha sido assim tão caro... O escritor a tudo sorria, com ar de criança divertida. É que o truque que o leitor deveria ter usado para ler aquele livro, era tê-lo preenchido com os próprios dedos.
sábado, 4 de dezembro de 2010
Abandono
A multidão gritava
Havia movimento por todo o lado .
O prédio ardia
Havia gente que fugia
Choro, enorme, desconsolado.
Nos meus olhos reflectia
Ardente, o fogo intenso
Não devia ele ser quente?
Em mim queimava diferente
Era de um frio cortante imenso.
Fecharam-se, pesados
De tragédia não de sono
Em cinzas sonhos, uma vida
Parece que foi ontem já esquecida
E eu companheiro do abandono.
Havia movimento por todo o lado .
O prédio ardia
Havia gente que fugia
Choro, enorme, desconsolado.
Nos meus olhos reflectia
Ardente, o fogo intenso
Não devia ele ser quente?
Em mim queimava diferente
Era de um frio cortante imenso.
Fecharam-se, pesados
De tragédia não de sono
Em cinzas sonhos, uma vida
Parece que foi ontem já esquecida
E eu companheiro do abandono.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Desamparo
Crescemos com os braços dela encostados nas nossas costas, bem quentinhos, de repente olhamos para trás e ela não está. Sim, claro que ela nos avisou, mas por muito escuras e densas que sejam as nuvens, se nunca olhámos para elas, quem não se surpreende por começar a chover?
Viver
Sonhei no sono
Que tudo era um sonho.
E enquanto sonhos sonhava
A vontade em mim acabava
Não de viver;
Mas de acordar.
Que tudo era um sonho.
E enquanto sonhos sonhava
A vontade em mim acabava
Não de viver;
Mas de acordar.
Guerra e Paz
A planície podia até ser bonita, não estivesse recheada de metal e sangue e carne, crateras de explosões, elevados montes sem-vida. O Sol rompia o horizonte e, se iluminar não fosse uma obrigação sua quem sabe encomendada por Deus, provavelmente levaria a sua aurora para outros locais merecedores de serem beijados pelos seus raios.
Aconteceu neste cenário que dois sobreviventes, dos poucos que poderão ter havido e mesmo estes por pouco tempo, que a morte já aí vinha, definhassem perto um do outro. Um deles, falou, e foi esta expressão que chamou à atenção do segundo:
-É isto o Céu?
-Ainda não, e espero que não seja assim... - respondeu o segundo soldado, com a voz a fugir-lhe - De qualquer modo... não creio que seja o Céu a nossa próxima e derradeira paragem.
A estas palavras seguiu-se um momento de silêncio; ambos as digeriam e cada um mais que o outro as sabia verdadeiras, fatais, trágicas. O primeiro olhou em volta, a toda a largura do campo de batalha, e disse:
-Quantas vidas tirei esta noite?
-Quem tentou tirar a minha já veio tarde, que vida é para quem a merece viver.
-Eu não queria vir... eu não queria... eu fui obrigado! - as lágrimas inundaram-lhe os olhos, mas vinham frias, como se para aquele corpo o calor tivesse sido algo de outros tempos, outra vida.
-És meu inimigo ou defendes as minhas cores? - perguntou o segundo homem. De facto, por mais que olhasse a farda do soldado, a sujeira imunda de sangue e terra e fuligem escondia quaisquer pistas do lado da barricada dele.
-Que interessa isso? Matas-me, agora? Olha para nós, cobertos de sangue e suor. Foram só nossos e, ah!, morreria feliz. Mas não, levo para a morte sangue de mortos, mortos por mim, mortos enquanto me tentavam matar... Morte, morte, morte, pensava que os seres humanos nasceram para viver e dar vida...?
-Não, não te vou matar. Faltam-me forças e vontade, bem, essa sempre me faltou. Acho que é uma boa altura para perdoar os pecados do teu país para com a minha nação...
-Que pecados? Hum?
-Então... eu... os pecados... eu... não sei.
-Porque lutávamos, quem defendíamos? Pedaços de papel e ouro, era quem defendíamos.
O pouco sangue que o segundo homem teria ainda no corpo subiu-lhe às faces, rosando-as; sentia-se envergonhado, usado. Olhou para si mesmo, como se esperasse ver sair dos braços cordas gigantes.
-Eu tenho um lar... terei? Foi há pouco tempo que me despedi da minha mulher e da minha filha, mas parece que passaram anos. Parece que sempre vivi aqui, e que essa vida que tive foi um sonho do qual acabei de acordar...
-Não! - o grito do segundo soldado ecoou pela planície sem vida - Não, agarra-te a isso. Se foi um sonho, pois que seja ele o teu redentor. Se acreditas em Deus, dá-lhe a conhecer, quando fechares os olhos, esse teu lado.
-Acreditas em Deus?
-Quero acreditar, se não houver nada para a frente, então que terei deixado eu para trás? Muito pouca vida, e muito mal vivida, e acabada a tirar outras que muito poderiam ainda viver. Quero conhecer Deus, pedir-lhe perdão, perdoar-me a mim próprio. E tu...?
-O meu Deus ficou em casa, junto com a minha família. Ao vir para aqui, ao servir fatos e gravatas que agora bebem sobre os nossos corpos, renunciei ao único Deus que alguma vez servi. E matei-o aos poucos, com cada bala que saiu da minha arma. Ah, sim, acredito em Deus, mas ele há muito que deixou de acreditar em mim.
-Para onde achas que vamos, então? - A pergunta não era de desafio, era da mais pura necessidade de conforto.
-Se não formos para sítio nenhum, estaremos melhor que aqui.
Se houveram mais palavras trocadas, estas foram inaudíveis. Talvez trocadas pelo olhar, que as bocas perderam forças. Não tardou a que os olhos a ambos pesassem, sucumbindo sob um sono imenso. Adormeceram, e tal como milhares de outros, não mais acordaram.
Aconteceu neste cenário que dois sobreviventes, dos poucos que poderão ter havido e mesmo estes por pouco tempo, que a morte já aí vinha, definhassem perto um do outro. Um deles, falou, e foi esta expressão que chamou à atenção do segundo:
-É isto o Céu?
-Ainda não, e espero que não seja assim... - respondeu o segundo soldado, com a voz a fugir-lhe - De qualquer modo... não creio que seja o Céu a nossa próxima e derradeira paragem.
A estas palavras seguiu-se um momento de silêncio; ambos as digeriam e cada um mais que o outro as sabia verdadeiras, fatais, trágicas. O primeiro olhou em volta, a toda a largura do campo de batalha, e disse:
-Quantas vidas tirei esta noite?
-Quem tentou tirar a minha já veio tarde, que vida é para quem a merece viver.
-Eu não queria vir... eu não queria... eu fui obrigado! - as lágrimas inundaram-lhe os olhos, mas vinham frias, como se para aquele corpo o calor tivesse sido algo de outros tempos, outra vida.
-És meu inimigo ou defendes as minhas cores? - perguntou o segundo homem. De facto, por mais que olhasse a farda do soldado, a sujeira imunda de sangue e terra e fuligem escondia quaisquer pistas do lado da barricada dele.
-Que interessa isso? Matas-me, agora? Olha para nós, cobertos de sangue e suor. Foram só nossos e, ah!, morreria feliz. Mas não, levo para a morte sangue de mortos, mortos por mim, mortos enquanto me tentavam matar... Morte, morte, morte, pensava que os seres humanos nasceram para viver e dar vida...?
-Não, não te vou matar. Faltam-me forças e vontade, bem, essa sempre me faltou. Acho que é uma boa altura para perdoar os pecados do teu país para com a minha nação...
-Que pecados? Hum?
-Então... eu... os pecados... eu... não sei.
-Porque lutávamos, quem defendíamos? Pedaços de papel e ouro, era quem defendíamos.
O pouco sangue que o segundo homem teria ainda no corpo subiu-lhe às faces, rosando-as; sentia-se envergonhado, usado. Olhou para si mesmo, como se esperasse ver sair dos braços cordas gigantes.
-Eu tenho um lar... terei? Foi há pouco tempo que me despedi da minha mulher e da minha filha, mas parece que passaram anos. Parece que sempre vivi aqui, e que essa vida que tive foi um sonho do qual acabei de acordar...
-Não! - o grito do segundo soldado ecoou pela planície sem vida - Não, agarra-te a isso. Se foi um sonho, pois que seja ele o teu redentor. Se acreditas em Deus, dá-lhe a conhecer, quando fechares os olhos, esse teu lado.
-Acreditas em Deus?
-Quero acreditar, se não houver nada para a frente, então que terei deixado eu para trás? Muito pouca vida, e muito mal vivida, e acabada a tirar outras que muito poderiam ainda viver. Quero conhecer Deus, pedir-lhe perdão, perdoar-me a mim próprio. E tu...?
-O meu Deus ficou em casa, junto com a minha família. Ao vir para aqui, ao servir fatos e gravatas que agora bebem sobre os nossos corpos, renunciei ao único Deus que alguma vez servi. E matei-o aos poucos, com cada bala que saiu da minha arma. Ah, sim, acredito em Deus, mas ele há muito que deixou de acreditar em mim.
-Para onde achas que vamos, então? - A pergunta não era de desafio, era da mais pura necessidade de conforto.
-Se não formos para sítio nenhum, estaremos melhor que aqui.
Se houveram mais palavras trocadas, estas foram inaudíveis. Talvez trocadas pelo olhar, que as bocas perderam forças. Não tardou a que os olhos a ambos pesassem, sucumbindo sob um sono imenso. Adormeceram, e tal como milhares de outros, não mais acordaram.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
domingo, 28 de novembro de 2010
A maior força
A chuva fustigava as janelas geladas, a rua estava escura e mesmo os candeeiros amarelos só pareciam realçar o breu da noite. Ao longe os pontinhos brilhantes da cidade traziam possibilidades de vida, de sonho, mais nostálgicos que promissores. Pareciam entrar na sala trocistas, com quem mostra um saboroso osso a um cão que, preso pela trela, nunca lhe conseguirá chegar. Dentro da divisão não havia qualquer luz própria, só o jogo de sombras e reflexos mortiços vindos de fora. A um canto do sofá estavam duas crianças, as únicas pessoas da casa, abraçadas; os irmãos, ela mais velhinha e ele muito pequenito, procuravam um no outro uma companhia que pareciam esperar em vão ver aparecer ao fundo da rua que descia, da qual não tiravam o olhar. O menino tremia ligeiramente nos braços da irmã, que se fazia protectora em idade de ser protegida. Uma pequena lágrima morava no canto do seu olho, uma parente quente das frias que lá fora caíam. De repente trovejou e um lampejo de luz e som inundou a rua e a sala, qual grito de gigante enfurecido. Os irmãos deram um pequeno salto, mas maior que o susto foi o sentimento de medo e inferioridade e encurralamento. A lágrima parada caiu e puxou outras. Mana, tenho medo, vamos ficar sozinhos muito tempo? Não estamos sozinhos, tens-me a mim e eu tenho-te a ti... e não há nada para teres medo! Mas está a chover tanto mana, e aqueles barulhos grandes... Olha bem, a chuva não passa de água, e a água não é boa? Vê, quando cai no alcatrão e nos carros, é como se lhes passassem um pouco de verniz, e as luzes tornam-se bonitas quando lá batem. Se cai na terra, então, dá de beber às árvores e às flores, para elas crescerem fortes e frescas. Levantou-se e abriu um pouquinho da janela; e sentes o cheirinho? É a mistura do cheiro do ar com o cheiro da terra, trazido pela água que nos aquece como se fosse fogo. Fechou-a de novo. Olhou para o rosto do irmão e dos lábios começara a brotar um sorriso. Ouve bem, só terás que ter medo do que quer que seja se estiveres sozinho. E tu nunca vais estar sozinho, porque eu vou estar sempre aqui. Se estiver frio abraço-te, se estiver calor dar-te-ei de beber. Se estiver escuro dar-te-ei a mão, se a luz te ofuscar a vista eu serei então sombra. Venha quem vier, estarei contigo, seja onde for. Abraçou de novo o irmão depois de lhe ter abraçado o coração. Olharam juntos rua e as luzes já lhes pareciam bonitos enfeites de um Natal já não assim tão distante; a nostalgia deu lugar à esperança e até a chuva fria caía como gotas de calor. Celebravam a trovoada e deixaram-se encantar com o seu espectáculo.
Entretanto, a porta da rua abriu-se a luz da sala acendeu-se. Estava tudo bem, agora.
Entretanto, a porta da rua abriu-se a luz da sala acendeu-se. Estava tudo bem, agora.
Abrigo
Não quero ficar seco se não tencionas de facto abrigar-me. Vá, finjamos só mais um pouco que brilha quente o Sol... Depois, voltarei para a o conforto da chuva fria.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Loucura
Não há vergonha em ser-se louco
Rubras faces por rubro o peito
A virtude está em ser defeito
Não é capricho, mas ser-se são...
É ser-se tão...
Pouco.
Quem nunca amou que a fome deixara?
Quem, pergunto, foi sempre racional?
Até o ódio pode não fazer mal
Se manter vivo e insano a bater
Como o sangue sempre a correr
De uma ferida que nunca sara.
Ah, nos filmes de branco e preto
É o cinzento, rebelde, a diferença
É minha forte a crença
Que se fora o mundo de justiça entupido
Bom era ser-se bandido
E assaltar o que é parado, certo.
Há-de ser a morte a curva da direita estrada
O fogo no imenso gelo duro
Derreterá água como cairá o muro
E depois, a vida eterna que já teve início.
Há quem pense que seja precipício
Voarei eu na minha diferença alada.
Rubras faces por rubro o peito
A virtude está em ser defeito
Não é capricho, mas ser-se são...
É ser-se tão...
Pouco.
Quem nunca amou que a fome deixara?
Quem, pergunto, foi sempre racional?
Até o ódio pode não fazer mal
Se manter vivo e insano a bater
Como o sangue sempre a correr
De uma ferida que nunca sara.
Ah, nos filmes de branco e preto
É o cinzento, rebelde, a diferença
É minha forte a crença
Que se fora o mundo de justiça entupido
Bom era ser-se bandido
E assaltar o que é parado, certo.
Há-de ser a morte a curva da direita estrada
O fogo no imenso gelo duro
Derreterá água como cairá o muro
E depois, a vida eterna que já teve início.
Há quem pense que seja precipício
Voarei eu na minha diferença alada.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Da madrugada para a noite
Avózinha, não sei bem para onde vais, e estou agora um bocado triste porque a mãe não me deixa ir despedir-me de ti. Ela vai! Só me disse que eu podia escrever-te qualquer coisinha e prometeu-me que te ia entregar, só não jurou que ias ler, mas isso sei eu que vais.
A mãe disse que ias fazer uma grande viagem. Para onde vais avó? E quem me vai contar as minhas histórias preferidas? A mãe já tentou, mas falta-lhe qualquer coisa na voz, talvez tenhas andado numa escola melhor, ou talvez tenhas andado lá mais tempo. E quem vai ajudar-me a vestir as minhas bonecas? Bem sei que começo a não ter idade para isso, mas isso é o que dizem, e sempre me ensinaste que nunca haverá idade para deixarmos de ser crianças e que tu mesma ainda eras uma menina como eu. É isso avó, vais ter uma visita de estudo? Deve ser muito longe, para nunca mais voltares, pelo menos deves ir aprender muitas coisas e muito bonitas. Talvez um dia mas possas contar avózinha, de certeza que também vais encontrar princesas e bruxas más.
Vou ter muitas saudades avó. Agora que me lembro, disseste-me uma vez que o avô tinha ido fazer uma viagem muito grande mesmo antes de eu nascer, mas que onde quer que estivesse sempre me amara também. Será que vais ter com ele? Espero que sim, eu bem via o brilhozinho que tinhas nos olhos quando falavas dele, como ficavas contente e orgulhosa. Se fores, dá-lhe um beijinho meu, ou melhor, dá muitos, que para sempre é muito tempo por isso tempo não te faltará. Ele foi o teu único namorado não foi? E eu a tua única neta. Acho que isso quer dizer que não precisamos de conhecer muitas pessoas para amarmos muito. Ainda bem...
Não sei que te possa dizer mais, a verdade é que me conheces como ninguém e tudo o que eu possa dizer e sentir tu já podes adivinhar. Sabes que tudo isto é verdade, e mais do que isso, sabes que muito mais fica por dizer e que poderia ser dito se ao menos eu te pudesse e dar um abraço e sorrir para ti, só isto. Vais de barco ou de avião avó? Ou de carro? Como vais não sei, nem sei para onde, mas sei como e onde ficas, ficas no meu coração. Adeus avó, gosto muito de ti.
A mãe disse que ias fazer uma grande viagem. Para onde vais avó? E quem me vai contar as minhas histórias preferidas? A mãe já tentou, mas falta-lhe qualquer coisa na voz, talvez tenhas andado numa escola melhor, ou talvez tenhas andado lá mais tempo. E quem vai ajudar-me a vestir as minhas bonecas? Bem sei que começo a não ter idade para isso, mas isso é o que dizem, e sempre me ensinaste que nunca haverá idade para deixarmos de ser crianças e que tu mesma ainda eras uma menina como eu. É isso avó, vais ter uma visita de estudo? Deve ser muito longe, para nunca mais voltares, pelo menos deves ir aprender muitas coisas e muito bonitas. Talvez um dia mas possas contar avózinha, de certeza que também vais encontrar princesas e bruxas más.
Vou ter muitas saudades avó. Agora que me lembro, disseste-me uma vez que o avô tinha ido fazer uma viagem muito grande mesmo antes de eu nascer, mas que onde quer que estivesse sempre me amara também. Será que vais ter com ele? Espero que sim, eu bem via o brilhozinho que tinhas nos olhos quando falavas dele, como ficavas contente e orgulhosa. Se fores, dá-lhe um beijinho meu, ou melhor, dá muitos, que para sempre é muito tempo por isso tempo não te faltará. Ele foi o teu único namorado não foi? E eu a tua única neta. Acho que isso quer dizer que não precisamos de conhecer muitas pessoas para amarmos muito. Ainda bem...
Não sei que te possa dizer mais, a verdade é que me conheces como ninguém e tudo o que eu possa dizer e sentir tu já podes adivinhar. Sabes que tudo isto é verdade, e mais do que isso, sabes que muito mais fica por dizer e que poderia ser dito se ao menos eu te pudesse e dar um abraço e sorrir para ti, só isto. Vais de barco ou de avião avó? Ou de carro? Como vais não sei, nem sei para onde, mas sei como e onde ficas, ficas no meu coração. Adeus avó, gosto muito de ti.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Teria sido tudo um sonho? III
- Afonso?! É a tua cena agora, entra em palco. Já!
O responsável pela peça empurra-o para o palco e, nervoso, assiste ao final da cena:
- Oh forte homem, quem sou eu sem ti? Mulher forte.. Mulher fraca! Vivo enganada, pensando que esperas por mim!
- Minha querida amada, já te disse hoje que te encontras maravilhosa? Não penses que não te quero, o amor é muito mas o tempo é zero..!
O responsável interrompe:
- Corta! Corta! Corta! Está péssimo! Já estou cansado destes fracassos! Por hoje terminamos, amanha quero-vos melhor, bem melhor!
A actriz que acompanhava Afonso no palco mostrou-se desiludida, olhou para ele e fez um ar de derrotada. Ele encolheu os ombros como resposta e foi para perto dela.
- Clara, acompanhas-me num chá?
Afonso há muito que desejava a sua companhia, nunca tivera coragem para lhe dizer o que lhe ia no coração mas sempre que via uma oportunidade, aproveitava. Clara era a mulher perfeita para ele. Cabelo ruivo, olhos esverdeados, pele de porcelana, bem pálida e juvenil sem um único defeito, uns lábios tão bem delineados que lhe dava vontade de a beijar loucamente! Será que Clara sentiria o mesmo? Será que também ela o achava atraente, charmoso? Seria possível uma mulher tão simples gostar de um homem portador de extrema arrogância como muitos dizem que ele possuía?
Clara ao ouvir o convite de Afonso sentiu um nervoso miudinho. Há muito que desejava a sua companhia mas a vergonha falava sempre mais alto, o medo do amor tomava posse da sua boca e sempre que ele a convidava para algo, recusava sempre. Mas, oh, como ela o achava um homem único, raro, inconfundível, belo..! De cabelos pretos, olhos extremamente profundos e sinceros, uma pele atraente, morena e suave, e uma boca.. Uma boca que incontrolavelmente levava os olhos de Clara fixar nos seus lábios! Que desejo!
- Sim, acompanho, com todo o prazer.
Hoje é o dia, pensou ela. Hoje é o dia que me vou entregar ao amor!
Hoje é o dia, pensou Afonso. Hoje é o dia que me vou declarar a ela! Que lhe vou mostrar todo o meu amor! Sem medos!
Ambos saíram do teatro e dirigiram-se até ao café do centro da cidade. Quando chegaram, Afonso puxou a cadeira para Clara se sentar. Enquanto ele fazia de seguida o mesmo o empregado apareceu e perguntou o que desejavam. Afonso pediu um chá, para os dois, acompanhado de uns scones.
Depois do empregado ter saído Clara fixou-se em Afonso, estava perdida nele, completamente aluada.
Afonso apercebendo-se disso fixa também os seus olhos nos dela. Clara ao reparar deixa-se levar pelo ambiente e os dois ali ficam, com os olhos penetrados um no outro. Não era preciso dizer nada, ambos sabiam perfeitamente o que cada um sentia. Ficaram assim horas e horas, completamente hipnotizados.
Chegou a noite. A cama estava quente, o quarto um tanto iluminado pelas velas, os cortinados abertos para se puder ver a lua cheia dessa magnífica noite e as roupas espalhadas pelo chão. Autênticos denunciadores de uma noite de amor. Clara pousava a cabeça no peito de Afonso e este envolvia-a nos seus braços. Nesse dia o amor falou mais alto, o desejo apoderou-se deles e calorosamente entregaram-se um ao outro.
Enquanto trocavam juras de amor começam a ouvir pequenos barulhos provenientes da fechadura do quarto e de repente a porta abre-se e entram dois, três homens altos, bem constituídos e um baixo, gordo, de cabelos grisalhos, bochechas vermelhas que gritava bem alto:
- Que desilusão Afonso! O que é isto? Era aqui que devias estar? Com uma mulher na cama, em vez de estares a fazer o que realmente devias? Uma desilusão!
- Mas pai..
Nesse momento os homens fortes agarram em Clara e arrancam-na da cama! Puxam-na dos braços de Afonso e ele, levantando-se rapidamente, tenta puxá-la para junto dele.
- Não pai! Não faça isto!
Clara gritava por Afonso, cada vez mais alto e os homens magoavam-na ainda mais, agarravam-lhe nos braços e desprendiam as suas mãos das de Afonso! Que aflição, que medo sentia ela.
Afonso estava louco. Tentava lutar contra eles, só a queria salvar, ficar junto dela!
- É agora que vais aprender Afonso! As mulheres não servem para nada, tens muito tempo para isso! Chega, concentra-te no que importa!
- Cale-se pai! Não a magoe, peço-lhe!
Já era tarde de mais. Saíram tão rápido da mesma forma de como tinham entrado! Afonso sai também, correndo atrás deles, com esperanças de os apanhar. Correu e correu sem os conseguir avistar até que se cansou. Sentou-se num banco de jardim e começou a chorar desalmadamente, acabando mais tarde por adormecer..
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Texto de resposta ao passatempo, por Helena Filipa.
Teria sido tudo um sonho? II
Sentindo um aperto no coração, começou por recordar-se como fora ali parar, ao mesmo banco onde 5 anos atrás pedira em casamento a sua mulher.
Tinha Afonso os seus 30 anos quando foi chamado para a Grande Guerra. Partiu, deixando para tras a mulher e a filha, as pessoas que mais amava no mundo (digo no mundo, porque ja seus pais partiram).
Na Guerra, cada tiro era para Afonso uma facada no seu coração: Não conhecia o inimigo. Ou seria amigo? Teria mulher? Teria filhos? Atormentado com a idéia de destruir outras famílias, outros amores, Afonso fugiu.
A única roupa que tinha levava-a no corpo, e os sapatos já estavam gastos. Durante 5 meses comia e bebia daquilo que a natureza lhe oferecia: seguindo sempre perto do rio, bebia da sua água, alimentava se de plantas q encontrava pelo caminho - que já eram escassas; porém, o que mais alimentava Afonso era o Amor. Era pela filha e pela mulher que passava todo aquele sacrifício. Afonso dava tudo, para poder voltar a olhar para elas.
Assim que chegou à sua cidade natal, Afonso sentiu-se renovado. Seguia pelas ruas onde ensinara a filha a andar de bicicleta, passou pela igreja na qual se casou, passou pela casa da parteira que ajudara no nascimento da filha. Olhando através das janelas das casinhas pequeninas, Afonso percebeu que era Natal: as crianças penduravam as meias na lareira e deixavam chocolate quente e bolachas em cima da mesa. Começou a correr, estava quase a chegar a casa, ao seu lar! Ainda ía a tempo de ajudar a embrulhar os últimos presentes.
Afonso subiu a rua dos correios, passou o pinheiro tão seu conhecido, passou pelo banco do jardim, e, de repente, estacou. Viu-a, pela primeira vez, ao fim de tanto tempo. Como estava grande! E bonita, saía à mãe! Entrou em casa, e ela correu para os seus braços. Maria olhou-o nos olhos: “A mãe está muito doente”.
Ao entrar no quarto, beijou a mulher, sabendo ambos que era o beijo da despedida.. “Estava à tua espera para poder partir em paz, cuida da nossa filha, fruto do nosso amor”.
Não suportando a dor, Afonso saíu, deitou-se no banco do jardim, a recordar-se de Natais outrora mais felizes, e adormeceu..
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Texto de resposta ao passatempo de escrita, por Francisca Guedes
Teria sido tudo um sonho? I
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Afonso de pouco se lembrava da noite passada: Será que chegou ali pelo seu próprio pé, ou terá sido trazido pelas cavalgadas aladas e aéreas de Pegassus? Realidade nunca teve tão longe para si e o próprio banco onde se tinha deitado, apesar de desconfortável, parecia de um material diferente. Depois de esfregar os olhos da sua preguiça matinal senta-se lentamente, enquanto esfrega toda a sua cara com ferocidade. Ao direccionar os olhos finalmente em direcção à paisagem que o rodeava ficou estupefacto: Estava rodeado de plantas exóticas, de animais falantes que jogavam e comunicavam entre si, viu todas as cores que já conhecia e viu inclusive cores que não conhecia, viu pessoas, viu fadas, viu unicórnios e grifos. Levantou-se e depois de esfregar mais uma vez os olhos para ver se não era ilusão, finalmente reage, aquilo que sentia era tão eclético, uma mistura de entusiasmo e surpresa, com um toque de alegria e susto. Não sabia bem o que sentir. Decidiu então correr, passou por árvores faladoras que lhe chegavam ao joelho e viu árvores cuja copa era desconhecida, percorreu cumes e montanhas, florestas e bosques numa questão de segundos. Tudo era perfeito. Chegou a uma falésia perto da praia, vazia por sinal. O mar estava calmo, ao menos daquela altitude aparentava estar. Viu o pôr-do-sol, e que bonito era. Não havia algo mais belo. Ali reflectiu em tudo o que tinha visto e pensado, só naquele momento. Sentir a luz de final de dia, assim como o vento calmo, o cheiro a maresia, fez com que o seu espírito atingisse outro nível. Contemplou mais uma vez a praia e, para sua surpresa, nota numa rapariga sentada à beira-mar. Não fazia mínima noção de como lá tinha aparecido mas há coisas que é melhor nem questionarmos desde que sejam reais. Desceu a falésia, muito rápido quase como se tivesse saltado directamente. Ao aproximar-se reparou então na beleza afrodisíaca daquela pessoa: cabelo negro como a azeitona, pela branquinha que nem uma nuvem. Eram os únicos naquela praia, logo a praia era deles. Quando chega um pouco mais perto devagarinho, ela finalmente repara na sua presença e sorri também um pouco envergonhada. Ele nunca vira sorriso tão bonito. Ganhou coragem e sentou-se perto dela. Ambos contemplavam o azul do mar, sem fim aparente até esta se encontrar com o azul do céu para uma união infinita. Ele naquele momento sentiu-se o céu, a cada vez que olhava na direcção daquela rapariga mais a via como o mar. Debaixo da sua pele fria, arrefecida pelo vento marítimo, o seu peito ardia e a sua barriga mexia do nervoso. Buscou coragem e nos confins do seu interior lá o encontrou para lhe fazer a pergunta: Como te chamas? Ela olhou-o com os seus olhos cor de amêndoa, que espelhavam a sua alma pura e inocente e responde: Chamo-me...
Os raios de sol atingem a cara de Afonso e este estremece. Sentiu ser levado violentamente por uma corrente imaginária fortíssima. Notou que tudo o que vira era um sonho, e agora tudo à sua volta parecia bem mais comum: o café, o passeio, a estrada e os prédios. Perguntou-se quem seria aquela rapariga misteriosa, era a única coisa do sonho que se lembrava. Afonso não sabia o porque de ter dormido naquele banco mas tinha acordado radiante, com um novo alento: Talvez ela ande por aqui...
Afonso de pouco se lembrava da noite passada: Será que chegou ali pelo seu próprio pé, ou terá sido trazido pelas cavalgadas aladas e aéreas de Pegassus? Realidade nunca teve tão longe para si e o próprio banco onde se tinha deitado, apesar de desconfortável, parecia de um material diferente. Depois de esfregar os olhos da sua preguiça matinal senta-se lentamente, enquanto esfrega toda a sua cara com ferocidade. Ao direccionar os olhos finalmente em direcção à paisagem que o rodeava ficou estupefacto: Estava rodeado de plantas exóticas, de animais falantes que jogavam e comunicavam entre si, viu todas as cores que já conhecia e viu inclusive cores que não conhecia, viu pessoas, viu fadas, viu unicórnios e grifos. Levantou-se e depois de esfregar mais uma vez os olhos para ver se não era ilusão, finalmente reage, aquilo que sentia era tão eclético, uma mistura de entusiasmo e surpresa, com um toque de alegria e susto. Não sabia bem o que sentir. Decidiu então correr, passou por árvores faladoras que lhe chegavam ao joelho e viu árvores cuja copa era desconhecida, percorreu cumes e montanhas, florestas e bosques numa questão de segundos. Tudo era perfeito. Chegou a uma falésia perto da praia, vazia por sinal. O mar estava calmo, ao menos daquela altitude aparentava estar. Viu o pôr-do-sol, e que bonito era. Não havia algo mais belo. Ali reflectiu em tudo o que tinha visto e pensado, só naquele momento. Sentir a luz de final de dia, assim como o vento calmo, o cheiro a maresia, fez com que o seu espírito atingisse outro nível. Contemplou mais uma vez a praia e, para sua surpresa, nota numa rapariga sentada à beira-mar. Não fazia mínima noção de como lá tinha aparecido mas há coisas que é melhor nem questionarmos desde que sejam reais. Desceu a falésia, muito rápido quase como se tivesse saltado directamente. Ao aproximar-se reparou então na beleza afrodisíaca daquela pessoa: cabelo negro como a azeitona, pela branquinha que nem uma nuvem. Eram os únicos naquela praia, logo a praia era deles. Quando chega um pouco mais perto devagarinho, ela finalmente repara na sua presença e sorri também um pouco envergonhada. Ele nunca vira sorriso tão bonito. Ganhou coragem e sentou-se perto dela. Ambos contemplavam o azul do mar, sem fim aparente até esta se encontrar com o azul do céu para uma união infinita. Ele naquele momento sentiu-se o céu, a cada vez que olhava na direcção daquela rapariga mais a via como o mar. Debaixo da sua pele fria, arrefecida pelo vento marítimo, o seu peito ardia e a sua barriga mexia do nervoso. Buscou coragem e nos confins do seu interior lá o encontrou para lhe fazer a pergunta: Como te chamas? Ela olhou-o com os seus olhos cor de amêndoa, que espelhavam a sua alma pura e inocente e responde: Chamo-me...
Os raios de sol atingem a cara de Afonso e este estremece. Sentiu ser levado violentamente por uma corrente imaginária fortíssima. Notou que tudo o que vira era um sonho, e agora tudo à sua volta parecia bem mais comum: o café, o passeio, a estrada e os prédios. Perguntou-se quem seria aquela rapariga misteriosa, era a única coisa do sonho que se lembrava. Afonso não sabia o porque de ter dormido naquele banco mas tinha acordado radiante, com um novo alento: Talvez ela ande por aqui...
Texto de resposta ao passatempo de escrita, por André Santos
domingo, 14 de novembro de 2010
O meu Titanic
A tasca cheirava a vícios e a mar e era num vício que eu apostava a minha ida para esse imenso mundo azul. Titanic, chamam-lhe, nem Deus o pode afundar, dizem. Levará daqui a minutos pessoas e bagagens e sonhos e queira a Sorte que me leve a mim também. Do outro lado do Atlântico esperam-me oportunidades, espera-me uma vida melhor. Ah, mas preciso de ganhar este jogo, tenho lá dinheiro para comprar bilhetes destes...
Perdi. O mundo que não poderei já construir caiu-me aos pés, sentia quase ódio pelos atarefados que preparavam agora o embarque naquele navio monstruoso. Como um pobre que observa as montras que não pode comprar, dirigi-me ao cais para ver a partida daquela gigantesca arca de tesouros boiante. Há quem beba para esquecer, eu quero-me lembrar bem das memórias que nunca construirei a bordo de Titanic.
Olhava para as pessoas que subiam para o barco, atarefadas, sorridentes umas (as que sempre riem e cá pouco deixam) e chorosas outras (aquelas que só rirão lá e cá deixam lágrima e saudade). Existiam vestidos bordados e calças rotas, penteados amadores e despenteados profissionais. Nem entravam pela mesma plataforma, e mesmo lá dentro, soube que não dificilmente se cruzariam classes. Talvez as casas de banho sejam as mesmas...
O meu carinho estava com a ponte dos pobres - pela qual eu mesmo teria subido - mas por momentos atentei melhor na zona dos altos estratos. Muito artificio, muita maquilhagem, muito sintético, muito plástico. No entanto, no meio de toda aquela inaturalidade, descobri um quente sorriso capaz de romper com as amarras das pinturas que o tentaram tapar. O meu coração falhou uma batida. Conheço-a? Impossível, só olho em frente nessas pobres travessas, nunca para cima em ricas avenidas. A minha alma dava-me imagens de momentos com aquela mulher de faces rosadas e olhos profundos, um intenso e demasiado real déjà-vu. A mulher reparou também em mim, e aquele sorriso até há pouco simples enfeite da sua bela expressão abriu-se propositadamente para mim, electrizante, terno, apaixonado. Sou quase capaz de jurar que me tentou alcançar com a sua delicada mão, mas sei lá se não quis ela só agarrar o corrimão da embarcação. Eu sim quis chegar-lhe, mas no meio daquele momento o tempo apenas parara para mim e para o mundo continuara a correr, e Titanic partiu, barulhento, vagaroso, como que fazendo chacota da minha miserável existência parada.
A encantadora figura atou à volta do meu coração uma corda que agarrou aos motores do navio; num momento de loucura - que viria a ser o meu derradeiro - decidi entregar a minha vida de artista a um momento de profunda arte, dirão uns, pura estupidez, dirão muitos mais, quem só os quis viver no meio de sonhos quentes numa cama confortável. Corri, rompi a barreira de sofrimento e lágrimas e atirei-me. O segundo que passei no ar, entre o cais e o mar, deu-me um misto de alegria e tristeza e saudade e nostalgia e paixão e tudo. Mergulhei e a água não me acordou, e desatei a nadar, furiosamente, parecia uma cotovia a tentar voar contra o sentido de um tornado. O gelo chegou-me aos ossos e a força de mim fugiu, mas nada mais havia a fazer. Poucos perceberam o que se passara, e estes pouco se importaram. Claro que lhes deu ocupação para uns segundos de curiosidade e fascínio próprio de quebra do normal, mas tinham a mente bem mais preenchida com a partida de Titanic. O sal que saía dos olhos juntava-se ao do mar e depressa o meu corpo fez o mesmo, inanimado e vivo como nunca estivera.
Talvez Deus não afunde o navio, a mim é que não afundou. Afundei-me voando, e se não me tornei Rei do Mundo, gritei para ele que era Rei... de mim mesmo.
Perdi. O mundo que não poderei já construir caiu-me aos pés, sentia quase ódio pelos atarefados que preparavam agora o embarque naquele navio monstruoso. Como um pobre que observa as montras que não pode comprar, dirigi-me ao cais para ver a partida daquela gigantesca arca de tesouros boiante. Há quem beba para esquecer, eu quero-me lembrar bem das memórias que nunca construirei a bordo de Titanic.
Olhava para as pessoas que subiam para o barco, atarefadas, sorridentes umas (as que sempre riem e cá pouco deixam) e chorosas outras (aquelas que só rirão lá e cá deixam lágrima e saudade). Existiam vestidos bordados e calças rotas, penteados amadores e despenteados profissionais. Nem entravam pela mesma plataforma, e mesmo lá dentro, soube que não dificilmente se cruzariam classes. Talvez as casas de banho sejam as mesmas...
O meu carinho estava com a ponte dos pobres - pela qual eu mesmo teria subido - mas por momentos atentei melhor na zona dos altos estratos. Muito artificio, muita maquilhagem, muito sintético, muito plástico. No entanto, no meio de toda aquela inaturalidade, descobri um quente sorriso capaz de romper com as amarras das pinturas que o tentaram tapar. O meu coração falhou uma batida. Conheço-a? Impossível, só olho em frente nessas pobres travessas, nunca para cima em ricas avenidas. A minha alma dava-me imagens de momentos com aquela mulher de faces rosadas e olhos profundos, um intenso e demasiado real déjà-vu. A mulher reparou também em mim, e aquele sorriso até há pouco simples enfeite da sua bela expressão abriu-se propositadamente para mim, electrizante, terno, apaixonado. Sou quase capaz de jurar que me tentou alcançar com a sua delicada mão, mas sei lá se não quis ela só agarrar o corrimão da embarcação. Eu sim quis chegar-lhe, mas no meio daquele momento o tempo apenas parara para mim e para o mundo continuara a correr, e Titanic partiu, barulhento, vagaroso, como que fazendo chacota da minha miserável existência parada.
A encantadora figura atou à volta do meu coração uma corda que agarrou aos motores do navio; num momento de loucura - que viria a ser o meu derradeiro - decidi entregar a minha vida de artista a um momento de profunda arte, dirão uns, pura estupidez, dirão muitos mais, quem só os quis viver no meio de sonhos quentes numa cama confortável. Corri, rompi a barreira de sofrimento e lágrimas e atirei-me. O segundo que passei no ar, entre o cais e o mar, deu-me um misto de alegria e tristeza e saudade e nostalgia e paixão e tudo. Mergulhei e a água não me acordou, e desatei a nadar, furiosamente, parecia uma cotovia a tentar voar contra o sentido de um tornado. O gelo chegou-me aos ossos e a força de mim fugiu, mas nada mais havia a fazer. Poucos perceberam o que se passara, e estes pouco se importaram. Claro que lhes deu ocupação para uns segundos de curiosidade e fascínio próprio de quebra do normal, mas tinham a mente bem mais preenchida com a partida de Titanic. O sal que saía dos olhos juntava-se ao do mar e depressa o meu corpo fez o mesmo, inanimado e vivo como nunca estivera.
Talvez Deus não afunde o navio, a mim é que não afundou. Afundei-me voando, e se não me tornei Rei do Mundo, gritei para ele que era Rei... de mim mesmo.
sábado, 13 de novembro de 2010
Persona
Eu tenho uma máscara igual ao meu corpo que uso sempre. Por isso, quando escrevo, nunca saberás, tu, se sou eu que o digo ou essa minha máscara criativa, se serão vozes de personagens por mim criadas. Nem eu sei bem, já. Podes chamar-lhe falsidade, eu só acho que é uma forma de poder ser mais verdadeiro.
Please Don't Tell Her
I hear she's kicking ass across the board and rock two hundred thousand higher scorer
Just in time to save the world of being taken over
She's a warrior
I couldn't play again because the game it never ended it never even landed on the can
And never let me in to spend my quarter
There's no love for me no more
Say it isn't so
How she easily come, and she easy go
Please don't tell her that I've been meaning to miss her
Because I don't
She was the girl with the broadest shoulders
But she would die before I crawled over them
She is taller than I am
She knew I wouldn't mind the view there
Or the altitude with a mouth full of air
She let me down the doubt came out until the now became later
Say that it isn't so
How she easily come, how she easy go
Please don't tell her that
'Cause she don't really need to know
That I'm crazy like the rest of us
And I'm crazier when I'm next to her
So why after the all of everything that came and went
I care enough to still be singing of the bitter end and broken eras
I told you I don't but
I am only trying to be the best with my intent to cure
The rest is sure to lay me ease the plural hurts of the words of reverse psychology
That's easier said
Easier than done
Please don't dare tell her what I've become
Please don't mention all the attention I have drawn
Please don't bother cause she'll feel guilty when I'm gone
Because I'm crazy like the rest of us
But I'm crazier when I'm next to her
And it's amazing how she's so self-assured
But I know she'd hate me if she knew my words
Do I hurt anymore
Do I hurt, well
I don't
I don't
I don't.
Just in time to save the world of being taken over
She's a warrior
I couldn't play again because the game it never ended it never even landed on the can
And never let me in to spend my quarter
There's no love for me no more
Say it isn't so
How she easily come, and she easy go
Please don't tell her that I've been meaning to miss her
Because I don't
She was the girl with the broadest shoulders
But she would die before I crawled over them
She is taller than I am
She knew I wouldn't mind the view there
Or the altitude with a mouth full of air
She let me down the doubt came out until the now became later
Say that it isn't so
How she easily come, how she easy go
Please don't tell her that
'Cause she don't really need to know
That I'm crazy like the rest of us
And I'm crazier when I'm next to her
So why after the all of everything that came and went
I care enough to still be singing of the bitter end and broken eras
I told you I don't but
I am only trying to be the best with my intent to cure
The rest is sure to lay me ease the plural hurts of the words of reverse psychology
That's easier said
Easier than done
Please don't dare tell her what I've become
Please don't mention all the attention I have drawn
Please don't bother cause she'll feel guilty when I'm gone
Because I'm crazy like the rest of us
But I'm crazier when I'm next to her
And it's amazing how she's so self-assured
But I know she'd hate me if she knew my words
Do I hurt anymore
Do I hurt, well
I don't
I don't
I don't.
Please Don't Tell Her, Jason Mraz
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Brisa
Brisa doce há muito anunciada
Sabe Deus que a desejo
Como a sede quer a água
Por mil anos dela soube
E por mil anos esperei.
Chegou a madrugada por fim
Em que passaria na minha estrada.
A minha vida não era aquele momento
Mas para aquele momento tinha sido vivida
Por isso não me sentei que não merecia
Sempre atento ao horizonte
Onde espreitava tímido o Sol.
Vi-a por fim. Era brisa e era doce
Como prometido na longa espera
E era muito mais que isto tudo
Eram palavras que nunca serão escritas
Ou tentadas.
Aproximou-se, e estendi a mão.
Tentei agarrá-la!
Senti-a na mão, ela beijou-ma
Mas era brisa e era doce
E eu não a agarrei.
Num ápice já lá vai, um brisa e uma vida
E para a frente, mais espera?
Pois esperarei não mais!
Ah, minto-me, esperarei.
Mas é pena que assim seja.
Pois quanto mais por algo se espera
Menos esse algo dura
E a brisa doce logo passa
E nunca a vou agarrar.
Resta-me viver p'ra esperar.
Sabe Deus que a desejo
Como a sede quer a água
Por mil anos dela soube
E por mil anos esperei.
Chegou a madrugada por fim
Em que passaria na minha estrada.
A minha vida não era aquele momento
Mas para aquele momento tinha sido vivida
Por isso não me sentei que não merecia
Sempre atento ao horizonte
Onde espreitava tímido o Sol.
Vi-a por fim. Era brisa e era doce
Como prometido na longa espera
E era muito mais que isto tudo
Eram palavras que nunca serão escritas
Ou tentadas.
Aproximou-se, e estendi a mão.
Tentei agarrá-la!
Senti-a na mão, ela beijou-ma
Mas era brisa e era doce
E eu não a agarrei.
Num ápice já lá vai, um brisa e uma vida
E para a frente, mais espera?
Pois esperarei não mais!
Ah, minto-me, esperarei.
Mas é pena que assim seja.
Pois quanto mais por algo se espera
Menos esse algo dura
E a brisa doce logo passa
E nunca a vou agarrar.
Resta-me viver p'ra esperar.
Etéreo
No sonho não há barreiras
Há mil e nenhuma maneiras
Não há trânsito nem estrada
No sonho há tudo e não há nada.
Há mil e nenhuma maneiras
Não há trânsito nem estrada
No sonho há tudo e não há nada.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Amo-te por isso adeus, até ontem
És minha.
São meus os olhos teus
Antes de os conquistar,
Como que já os tinha.
És minha.
Ah, bem chorei
E sofri
E não morri
Porque amor, um dia jurei
É de vida lei
E não de morte.
Ah, Sorte
Deste-ma. Ela é minha!
Em que me olhaste foi bela a hora
Agora, que te tenho...
Vou embora.
Porque não te quero perder. Esse sorriso que me ama quero sempre guardá-lo meu, como se eu fora uma ostra e tu a minha pérola, o meu diamante. Os diamantes são eternos. Sabes, gostava de morrer novo, mas como sou cobarde, vou morrer velho com pena de não ter morrido novo. Porque viver muito cansa, e a pele queixa-se, e o tempo não a ouve, o tempo não tem sentidos, o tempo só passa. Ah, que medo tenho dele. Ele passará para sempre, mas eu só por momentos passarei por ele. Depois morro que sou humano, e antes envelheço e choro ao olhar para trás. Não me estou a queixar, quem sou eu para implorar diferenças? Sim, amo-te, por isso adeus. Amanhã não olharei para o teu rosto do amanhã, mas recordar-me-ei, sempre, do teu sorriso de hoje. E não terei mais ninguém, sou rei de conquistar uma só terra. Vou-me sentar no meu trono de gente, enquanto Deus se ri porque Ele a todos ama e Ele todos tem. Desculpa, mas não posso ver o teu sorriso todos os dias e arriscar um dia ver o teu choro ou ver o meu por tua causa. Leva-me contigo ao teu ombro, no teu coração, no dedo mindinho do pé, sei lá, onde te der mais jeito e onde mais te lembrares de mim. Tu ficas comigo, no meu ombro, no meu coração, no meu dedo mindinho do pé. Porque depois de te ter eu já não serei eu, mas uma mescla de mim contigo a qual só serão subtraídos os anos que não olharemos juntos o horizonte nem construiremos pois o nosso. É como te digo. O amor deviam ser memórias, pois essas não se alteram. A vida muda, sei lá se o Sol nascerá amanhã, e não me venham matemáticos e astrónomos com probabilidades. Eu não sei e eles só fingem saber, porque lhes sabe bem esse sofá de lona. Para quê ficar contigo e amanhã não ver o nascer do Sol se posso ir embora e para todo o sempre recordar o pôr-do-Sol que vimos juntos? Nem eu nem tu controlamos a direcção do Amor, e eu sei lá onde aprendeu ele a conduzir. Amanhã ele pode ter um acidente e destas tragédias não há cinto nem seguro que nos valha. Perde-se perde-se, sem remédio. Por isso podes continuar sozinha, eu continuo eu, ou continuamos os dois por estradas diferentes. A nossa paragem, eumaistu, é aqui.
São meus os olhos teus
Antes de os conquistar,
Como que já os tinha.
És minha.
Ah, bem chorei
E sofri
E não morri
Porque amor, um dia jurei
É de vida lei
E não de morte.
Ah, Sorte
Deste-ma. Ela é minha!
Em que me olhaste foi bela a hora
Agora, que te tenho...
Vou embora.
Porque não te quero perder. Esse sorriso que me ama quero sempre guardá-lo meu, como se eu fora uma ostra e tu a minha pérola, o meu diamante. Os diamantes são eternos. Sabes, gostava de morrer novo, mas como sou cobarde, vou morrer velho com pena de não ter morrido novo. Porque viver muito cansa, e a pele queixa-se, e o tempo não a ouve, o tempo não tem sentidos, o tempo só passa. Ah, que medo tenho dele. Ele passará para sempre, mas eu só por momentos passarei por ele. Depois morro que sou humano, e antes envelheço e choro ao olhar para trás. Não me estou a queixar, quem sou eu para implorar diferenças? Sim, amo-te, por isso adeus. Amanhã não olharei para o teu rosto do amanhã, mas recordar-me-ei, sempre, do teu sorriso de hoje. E não terei mais ninguém, sou rei de conquistar uma só terra. Vou-me sentar no meu trono de gente, enquanto Deus se ri porque Ele a todos ama e Ele todos tem. Desculpa, mas não posso ver o teu sorriso todos os dias e arriscar um dia ver o teu choro ou ver o meu por tua causa. Leva-me contigo ao teu ombro, no teu coração, no dedo mindinho do pé, sei lá, onde te der mais jeito e onde mais te lembrares de mim. Tu ficas comigo, no meu ombro, no meu coração, no meu dedo mindinho do pé. Porque depois de te ter eu já não serei eu, mas uma mescla de mim contigo a qual só serão subtraídos os anos que não olharemos juntos o horizonte nem construiremos pois o nosso. É como te digo. O amor deviam ser memórias, pois essas não se alteram. A vida muda, sei lá se o Sol nascerá amanhã, e não me venham matemáticos e astrónomos com probabilidades. Eu não sei e eles só fingem saber, porque lhes sabe bem esse sofá de lona. Para quê ficar contigo e amanhã não ver o nascer do Sol se posso ir embora e para todo o sempre recordar o pôr-do-Sol que vimos juntos? Nem eu nem tu controlamos a direcção do Amor, e eu sei lá onde aprendeu ele a conduzir. Amanhã ele pode ter um acidente e destas tragédias não há cinto nem seguro que nos valha. Perde-se perde-se, sem remédio. Por isso podes continuar sozinha, eu continuo eu, ou continuamos os dois por estradas diferentes. A nossa paragem, eumaistu, é aqui.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Génesis
Era uma vez um velhote, que só não era mesmo velho porque para ele não existia tempo. E este velhote era pintor, mas não era um pintor qualquer. Tinha na sua paleta de pintor 4 Cores, e eram elas o Castanho, o Vermelho, o Transparente e o Azul. Sim Transparente, eu bem vos digo que não era um pintor qualquer. Este pintor, em toda a sua vida, só pintou um quadro e é desse que interessa contar.
Pois nem o quadro deste pintor especial não era também ele nada comum. Era uma esfera. A esfera se a vissem agora seria muito grande, mas para aquele velhote era muito pequena, porque para além de não conhecer o tempo, o pintor não conhecia o espaço. Por isso talvez nunca ninguém tenha visto este pintor velhote, talvez ele seja maior que o tamanho que se conheça. Adiante. Começou por preencher toda a esfera branca do seu Castanho. Pintou montanhas, planícies, vales, desertos, que depois encheu de animais e plantas e árvores. E punha muito amor nisso tudo que pintava. Quando terminou, chamou àquela primeira parte da sua obra Terra.
Depois pegou no Vermelho e desenhou uma chama, que soprou na sua esfera, e deu vida à primeira parte do quadro. Os animais mexiam-se na Terra e as plantas nela cresciam, e o pintor ficou muito feliz.
Depois com o Transparente encheu o espaço entre a esfera e a sua oficina de trabalho. Sem isto, decidiu, não haveria diferença entre a Terra e a sua oficina e a sua própria pessoa, pelo que enquanto vivessem na Terra, todos aqueles animais não poderiam existir sem ao que chamou Ar. E tudo parecia completo, os três irmãos Terra e Fogo e Ar criavam aquele belo quadro, vivo, alegre.
Mas faltava qualquer coisa. O pintor olhava para ele e via tudo e claro, gostava! Mas via tudo. Ama-se muito o que se conhece mas paixão, essa está reservada para o misterioso, para o escondido, o desconhecido. Ali, tudo era conhecido, num relance tudo se sabia. E isso deixava o velhote triste. Então, olhou para a paleta e viu o Azul. Num momento de pura genialidade, pegou nele e mais do que pintar, escavou na esfera e encheu as enormes fossas desse Azul. Criou então rios, lagos, nascentes. E criou um enorme mar.
De fora só se via azul, como que espelho dos também azuis olhos do pintor. Mas por dentro muito havia escondido. Mais animais, mais cores, mais sabores e mais nada que poderá ser aquilo que nós quisermos. Como se dentro daquele mar existissem mil esferas em branco à espera de serem preenchidas com a paleta da imaginação. Nasceu então o quarto irmão, a Água, a mais novinha dos quatro mas (e isto é segredo, shiu) a preferida do velhote pintor. De inspiração nascida, viria a Água mais tarde dar de beber a poetas e sonhadores, dando à luz ela própria inspiração. E ao contrário da Terra do Fogo e do Ar, nunca será totalmente descoberta, e mais, como se fora barro, será motivo de construção de novas realidades.
Pensará o prezado leitor sabido das ciências que nunca poderia assim ter sido, que a vida antes nascida veio deste mesmo mar. Por isso nunca poderia a Água vir em último. Mas isso, digo eu, só vem comprovar os mistérios líricos deste elemento. A menina dos olhos do pintor será sempre a sua pequenina e nunca dela se saberão verdades, ela será sempre fonte de sonhos e nunca alvo de racionalidades. Ah, e se ao saber das vossas teorias o velhote pintor se ri à gargalhada, ao ler estas minhas linhas, ele simplesmente... sorri.
Pois nem o quadro deste pintor especial não era também ele nada comum. Era uma esfera. A esfera se a vissem agora seria muito grande, mas para aquele velhote era muito pequena, porque para além de não conhecer o tempo, o pintor não conhecia o espaço. Por isso talvez nunca ninguém tenha visto este pintor velhote, talvez ele seja maior que o tamanho que se conheça. Adiante. Começou por preencher toda a esfera branca do seu Castanho. Pintou montanhas, planícies, vales, desertos, que depois encheu de animais e plantas e árvores. E punha muito amor nisso tudo que pintava. Quando terminou, chamou àquela primeira parte da sua obra Terra.
Depois pegou no Vermelho e desenhou uma chama, que soprou na sua esfera, e deu vida à primeira parte do quadro. Os animais mexiam-se na Terra e as plantas nela cresciam, e o pintor ficou muito feliz.
Depois com o Transparente encheu o espaço entre a esfera e a sua oficina de trabalho. Sem isto, decidiu, não haveria diferença entre a Terra e a sua oficina e a sua própria pessoa, pelo que enquanto vivessem na Terra, todos aqueles animais não poderiam existir sem ao que chamou Ar. E tudo parecia completo, os três irmãos Terra e Fogo e Ar criavam aquele belo quadro, vivo, alegre.
Mas faltava qualquer coisa. O pintor olhava para ele e via tudo e claro, gostava! Mas via tudo. Ama-se muito o que se conhece mas paixão, essa está reservada para o misterioso, para o escondido, o desconhecido. Ali, tudo era conhecido, num relance tudo se sabia. E isso deixava o velhote triste. Então, olhou para a paleta e viu o Azul. Num momento de pura genialidade, pegou nele e mais do que pintar, escavou na esfera e encheu as enormes fossas desse Azul. Criou então rios, lagos, nascentes. E criou um enorme mar.
De fora só se via azul, como que espelho dos também azuis olhos do pintor. Mas por dentro muito havia escondido. Mais animais, mais cores, mais sabores e mais nada que poderá ser aquilo que nós quisermos. Como se dentro daquele mar existissem mil esferas em branco à espera de serem preenchidas com a paleta da imaginação. Nasceu então o quarto irmão, a Água, a mais novinha dos quatro mas (e isto é segredo, shiu) a preferida do velhote pintor. De inspiração nascida, viria a Água mais tarde dar de beber a poetas e sonhadores, dando à luz ela própria inspiração. E ao contrário da Terra do Fogo e do Ar, nunca será totalmente descoberta, e mais, como se fora barro, será motivo de construção de novas realidades.
Pensará o prezado leitor sabido das ciências que nunca poderia assim ter sido, que a vida antes nascida veio deste mesmo mar. Por isso nunca poderia a Água vir em último. Mas isso, digo eu, só vem comprovar os mistérios líricos deste elemento. A menina dos olhos do pintor será sempre a sua pequenina e nunca dela se saberão verdades, ela será sempre fonte de sonhos e nunca alvo de racionalidades. Ah, e se ao saber das vossas teorias o velhote pintor se ri à gargalhada, ao ler estas minhas linhas, ele simplesmente... sorri.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Poema da meia-noite
Morre e logo nasce
Ah, o dia aclama o Buda.
Passa a velha noite muda
A manhã, ao fundo, faz-se.
Pena eu não ser assim
Um dia é apenas mais um
Amanheço mas não há raio nenhum
Brilhará o Sol por mim?
Ah, o dia aclama o Buda.
Passa a velha noite muda
A manhã, ao fundo, faz-se.
Pena eu não ser assim
Um dia é apenas mais um
Amanheço mas não há raio nenhum
Brilhará o Sol por mim?
Intensidades
Andei em montanhas russas
Saltei de aviões
Beijei corações
Vivi e provei
Mil sabores
Mil emoções
E peguei de mão segura
Caneta de tinta pura
E nada ao papel
Acrescentei.
Depois sorri e vi-te
Perdida algures na minha mente
Não uma memória
Algo diferente
O choro foi contente
E a mão, ah, que história.
Tremida mais que a pobre alma
Escreveu, com breve calma
Um poema
Sem tema
Só de glória.
Saltei de aviões
Beijei corações
Vivi e provei
Mil sabores
Mil emoções
E peguei de mão segura
Caneta de tinta pura
E nada ao papel
Acrescentei.
Depois sorri e vi-te
Perdida algures na minha mente
Não uma memória
Algo diferente
O choro foi contente
E a mão, ah, que história.
Tremida mais que a pobre alma
Escreveu, com breve calma
Um poema
Sem tema
Só de glória.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Dorme bem
Fecha os teus olhos quentes
Ouve só sem os abrir
Sussurro-te beijos que só tu sentes
Por serem teus são diferentes
Flores e sorrisos a abrir.
Esquece o frio e esquece o mundo
Nos meus braços não há mal
A tua alma de mim inundo
Damos um mergulho bem fundo
Só com início, sem final.
Sonha com as cores e com o mar
São tua casa, o teu aconchego
E sonha que comigo vens voar
O mundo das nuvens desvendar
Sentir euforia, num sossego.
Não possuo nenhum grande poder
Não sou mágico, não tenho varinha!
Mas ao adormecida assim te ver
Sinto-me capaz de tudo fazer
Tenho-te aqui, sem seres minha.
Ouve só sem os abrir
Sussurro-te beijos que só tu sentes
Por serem teus são diferentes
Flores e sorrisos a abrir.
Esquece o frio e esquece o mundo
Nos meus braços não há mal
A tua alma de mim inundo
Damos um mergulho bem fundo
Só com início, sem final.
Sonha com as cores e com o mar
São tua casa, o teu aconchego
E sonha que comigo vens voar
O mundo das nuvens desvendar
Sentir euforia, num sossego.
Não possuo nenhum grande poder
Não sou mágico, não tenho varinha!
Mas ao adormecida assim te ver
Sinto-me capaz de tudo fazer
Tenho-te aqui, sem seres minha.
domingo, 7 de novembro de 2010
Espelho
Nos tempos da mágica alquimia
Um sábio cientista, dito lunático
Usou-se da sua louca sabedoria
P'ra criar um espelho muito prático.
Não reflectia coisas nem pessoas
Dava só contrários sentimentos
Transformava em más as coisas boas
Mostrava risos a quem lhe desse lamentos.
Usou-o o nosso amigo cientista
Num poema que ele mesmo escreveu
Saiu uma obra nunca antes vista
Eis então o que aconteceu:
Olho à volta e vejo ódio venerado Olho à volta e vejo o amor reinante
Choro, desespero, morte, tristeza Riso, esperança, vida, alegria!
Choro também eu, envenenado Rio também eu, que é cativante
Não me sinto seguro, é tudo incerteza. Seguro estou de que é real a fantasia.
O mundo desaba sem futuro O mundo gira e cores liberta
Onde anda o amor, perdido? O amor é Deus, omnipresente
Corro e logo bato num muro Cada canto é enorme porta aberta
Frio, cinzento, infinitamente comprido. Para o mar imenso, resplandecente.
Deito-me nu entregue ao gelo Grito e elevo os braços ao céu
Onde andas, calor paixão? Aquecido pela no peito emoção
Ninguém ouve o meu apelo Todos ouvem e cantam o canto meu
O tecto é escuro, é escuro o chão. Não há paredes, fronteiras, só coração.
Imortalidade
Tive uma vez um amigo que estava apaixonado, mas só via o doce dos seus olhos uma vez por semana e nunca por mais de meia ou uma hora. Então, vivia as restantes 167 horas da semana em função daquela. Uma vez perguntei-lhe, preocupado, se não se importava de perder tanta vida por só pensar num reles hora que logo passava. Ele respondeu-me que a vida que perdia ganhava-a setenta e sete vezes mais naquela hora, por isso não perdia vida, simplesmente vivia mais do que alguma vez eu viverei.
sábado, 6 de novembro de 2010
União sem facto
Jovem sou e boa rapariga
Quer senhor meu pai casar-me
Mas não me parece que consiga
Pois nenhum homem me instiga
Não é fácil, mão no peito, agradar-me.
Pois procuro mais do que é olhado
Aquilo que só vê mesmo o coração
E não se cheira tal aroma em vão lado
P'ra que se encontre não é procurado
Encontra-se, ponto, p'ra quê explicação?
Deu-me um trovador belo pretendente
Que nem masculina é sua morada
Falou-me de calor de modo quente
Com a poesia namorou-me, eloquente
E não fiquei nada mal casada.
Quer senhor meu pai casar-me
Mas não me parece que consiga
Pois nenhum homem me instiga
Não é fácil, mão no peito, agradar-me.
Pois procuro mais do que é olhado
Aquilo que só vê mesmo o coração
E não se cheira tal aroma em vão lado
P'ra que se encontre não é procurado
Encontra-se, ponto, p'ra quê explicação?
Deu-me um trovador belo pretendente
Que nem masculina é sua morada
Falou-me de calor de modo quente
Com a poesia namorou-me, eloquente
E não fiquei nada mal casada.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Convite
A felicidade é como gotas salgadas de água. Porquê? Porque sim, sou poeta e posso fazer destas coisas. Devias experimentar.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
O texto perdido
Estava já não sei onde a fazer não sei o quê, não tenho a certeza quando; no meio de pensamentos que na altura seriam importantes, surgiu-me na mente os versos de um possível poema, como penso que acontece aos poetas a sério. Que bom poema poderá sair daqui, terei de o escrever, pensei. E realmente pareceu-me minimamente engraçado. Mas não o escrevi, distracção sempre foi um dos meus cartões visita. Ora, agora mesmo enquanto escrevo este, tentei lembrar-me dele. Mas os versos que me vieram de lado nenhum foram para nenhum lado. Agora eu pergunto: Onde andará esse poema que não nasceu, poderá ele real sem ter sido efectivamente escrito? Por momentos ele foi uma verdade, só não o pode ser durante mais tempo e para mais pessoas. Neste preciso momento vislumbrei-lhe uma sombra mas desvaneceu-se logo; ah, ele anda aí! Talvez exista um sítio, uma enorme sala de espera cheia de poemas que aguardam serem escritos, e este escolheu-me a mim para ser seu pai. Vou deixar de pensar nele e decerto ele voltará a chamar, senão resta-me o consolo de que outro poeta a sério ou a brincar, o traga a vida e assim eu o possa ler.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
A brincar
Encho-me de esperança
Quando nas minhas letras pego
Não passo de uma criança
As palavras são o meu Lego!
Quando nas minhas letras pego
Não passo de uma criança
As palavras são o meu Lego!
Do fundo de um coração
Quero dar-te um presente
E dou-to em segredo, não digas a ninguém
Não tem preço, nem corpo, nem frio, é quente
Logo faz qualquer lágrima triste, contente
Como se fora mágico sopro de mãe.
Mais ninguém o pode ter, juro
Falo de algo muito puro
Que é apenas p'ra ti.
A prenda, está
Aqui
!
Não quero perder nada
Se me deixar levar pelo pensamento de que os teus olhos não podem ser reais e acabar por adormecer para sonhar com eles, acorda-me, e lembra-me que existem cores no mundo real mais brilhantes que as que pintam o mundo dos sonhos.
A cegonha ou A História de duas vidas trocadas
Era uma vez uma cegonha que vivia no tempo em que ainda eram as cegonhas que entregavam os bebés de porta em porta a quem, por via de processos burocráticos que aqui dispensarei pormenorizar, os desejasse e encomendasse. Até este dia, a cegonha, já experiente, sempre fizera um óptimo trabalho, tinha já renome no seio da comunidade de cegonhas daquela ocupação. O seu prestígio possibilitava que fizesse entregas de grande importância, como bebés filhos de rainhas e princesas. Mas a nossa ave um dia enganou-se e claro, sempre que há algo fora do normal, há uma história para contar, que de factos regulares pouco se pode dizer.
Tinha então a nossa amiga cegonha duas entregas para fazer: dois rapazes que de tão iguais no corpo não faziam adivinhar as diferenças dos berços onde se iriam deitar. Um iria morar para um palácio enorme e só não beberia ouro porque é indigesto. O outro iria para um família pobre que quisera a única riqueza que não se paga, e fazia a importante cegonha esta entrega porque ficava a pobre aldeia a caminho do rico castelo. Pois já estará o perspicaz leitor a adivinhar o sucedido. O menino que já era pobre antes de nascer, chamemos-lhe José, foi levado para a família da realeza enquanto Francisco, o rei recém-nascido, ficou no humilde casebre.
Encontram-se então duas semelhanças entre os bebés no geral e os bolos. São ambos doces e, depois de entregues, não podem ser devolvidos. Nem houve motivo para tal enquanto não se lhes nasceu os dentes, afinal, até certa idade as necessidades são as mesmas e as naturais e pobres e ricos as podem satisfazer. Cresceram então José e Francisco em tudo diferentes um do outro; para além das casas onde foram criados, Francisco era alto e loiro e de olhos azuis, um rapagão forte. Já José, o príncipe por engano, era pequenino, cabelo crespo sempre desalinhado, selvagem. Os olhos eram negros e profundos. Uma coisa tinham, porém, em comum. Os dois viveram sempre permanentemente insatisfeitos, desafiadores do seu destino, insaciáveis de algo que simplesmente não tinham.
Francisco não suportava a pobreza e os limites intelectuais que o seu meio lhe impunham, sentia-se predestinado a um futuro de poder e conhecimento e ali em pouco mais mandava que nas vacas, e essas nem sempre lhe davam o leite quando ele queria e precisava. Era curioso e não se satisfazia com as respostas fáceis e infantis que o seu pai lhe dava, bem como desprezava as histórias surreais de gnomos e dragões com que a mãe o habituara. José, esse desenvolveu com a chegada à juventude uma alergia tanto literal como psicológica ao ouro. Era ensaboado com aulas de ciências e matemáticas e línguas e na verdade tudo aquilo lhe parecia frio, cinzento. Acreditava nas fantasias que outros livros lhe contavam, mas sempre que lhe ocorria falar nisso era reprimido e proibido de dizer tais leviandades em voz alta.
Aos poucos, o sentimento de revolta foi crescendo e ganhando força na alma de cada um. Certo dia, Francisco acordou e olhou para o seu quarto de madeira e pensou que não eram aquelas paredes que haviam de receber os seus sonhos para o resto das suas noites. Partiu então de casa antes do romper da madrugada e, noutro reino, procurou instrução e tanta era a sua sede e talento para o poder, que acabou por liderar um grupo de revoltados contra o rei do tal reino, e assim o rei Francisco encontrou o Destino que falhara por culpa da cegonha. José, na mesma madrugada de fuga de Francisco, escapuliu-se da morada real e, disfarçado de pobre deambulante, refugiou-se numa aldeia vizinha do reino, já pertencente a um outro. Lá, esqueceu as verdades absolutas que aprendera e deitou-se à escrita de canções, acompanhadas de uma guitarra que trouxera do palácio. Na aldeia sempre lhe conheceram trovador e os seus olhos negros nnca lhe denunciaram as ricas origens.
Nos caminhos de fuga das realidades desconfortáveis, José e Francisco cruzaram-se. A cegonha que voa do início deste conto para lhe acompanhar o final, sentiu a proximidade dos dois e viu, lá do alto os caminhos antagónicos que seguiram. Percebera há muito o seu erro, mas ao ver a perseguição apaixonada de felicidade, tomou uma decisão: nunca mais uma cegonha entregaria um bebé à própria família, para que assim possa lutar e viver numa permanente insatisfação positiva. Nunca ninguém viverá contente e quem se acostumar à realidade onde caiu, morrerá com um amargo sabor de vida falhada.
Tinha então a nossa amiga cegonha duas entregas para fazer: dois rapazes que de tão iguais no corpo não faziam adivinhar as diferenças dos berços onde se iriam deitar. Um iria morar para um palácio enorme e só não beberia ouro porque é indigesto. O outro iria para um família pobre que quisera a única riqueza que não se paga, e fazia a importante cegonha esta entrega porque ficava a pobre aldeia a caminho do rico castelo. Pois já estará o perspicaz leitor a adivinhar o sucedido. O menino que já era pobre antes de nascer, chamemos-lhe José, foi levado para a família da realeza enquanto Francisco, o rei recém-nascido, ficou no humilde casebre.
Encontram-se então duas semelhanças entre os bebés no geral e os bolos. São ambos doces e, depois de entregues, não podem ser devolvidos. Nem houve motivo para tal enquanto não se lhes nasceu os dentes, afinal, até certa idade as necessidades são as mesmas e as naturais e pobres e ricos as podem satisfazer. Cresceram então José e Francisco em tudo diferentes um do outro; para além das casas onde foram criados, Francisco era alto e loiro e de olhos azuis, um rapagão forte. Já José, o príncipe por engano, era pequenino, cabelo crespo sempre desalinhado, selvagem. Os olhos eram negros e profundos. Uma coisa tinham, porém, em comum. Os dois viveram sempre permanentemente insatisfeitos, desafiadores do seu destino, insaciáveis de algo que simplesmente não tinham.
Francisco não suportava a pobreza e os limites intelectuais que o seu meio lhe impunham, sentia-se predestinado a um futuro de poder e conhecimento e ali em pouco mais mandava que nas vacas, e essas nem sempre lhe davam o leite quando ele queria e precisava. Era curioso e não se satisfazia com as respostas fáceis e infantis que o seu pai lhe dava, bem como desprezava as histórias surreais de gnomos e dragões com que a mãe o habituara. José, esse desenvolveu com a chegada à juventude uma alergia tanto literal como psicológica ao ouro. Era ensaboado com aulas de ciências e matemáticas e línguas e na verdade tudo aquilo lhe parecia frio, cinzento. Acreditava nas fantasias que outros livros lhe contavam, mas sempre que lhe ocorria falar nisso era reprimido e proibido de dizer tais leviandades em voz alta.
Aos poucos, o sentimento de revolta foi crescendo e ganhando força na alma de cada um. Certo dia, Francisco acordou e olhou para o seu quarto de madeira e pensou que não eram aquelas paredes que haviam de receber os seus sonhos para o resto das suas noites. Partiu então de casa antes do romper da madrugada e, noutro reino, procurou instrução e tanta era a sua sede e talento para o poder, que acabou por liderar um grupo de revoltados contra o rei do tal reino, e assim o rei Francisco encontrou o Destino que falhara por culpa da cegonha. José, na mesma madrugada de fuga de Francisco, escapuliu-se da morada real e, disfarçado de pobre deambulante, refugiou-se numa aldeia vizinha do reino, já pertencente a um outro. Lá, esqueceu as verdades absolutas que aprendera e deitou-se à escrita de canções, acompanhadas de uma guitarra que trouxera do palácio. Na aldeia sempre lhe conheceram trovador e os seus olhos negros nnca lhe denunciaram as ricas origens.
Nos caminhos de fuga das realidades desconfortáveis, José e Francisco cruzaram-se. A cegonha que voa do início deste conto para lhe acompanhar o final, sentiu a proximidade dos dois e viu, lá do alto os caminhos antagónicos que seguiram. Percebera há muito o seu erro, mas ao ver a perseguição apaixonada de felicidade, tomou uma decisão: nunca mais uma cegonha entregaria um bebé à própria família, para que assim possa lutar e viver numa permanente insatisfação positiva. Nunca ninguém viverá contente e quem se acostumar à realidade onde caiu, morrerá com um amargo sabor de vida falhada.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Reencontro
Num dia que parecia como os outros
Algo de estranho aconteceu
No lugar onde vivem os mortos
Fala-se do estrelado céu.
Corriam as doze horas do tal dia
O Sol, bom operário, alto brilhava
Quando ao seu lado, quem diria?
Apareceu a Lua, e como brilhava!
Logo se mandaram chamar urgentes
Cientistas e astrólogos e sábios
Muito falaram essas gentes
Mas a verdade não lhes saiu dos lábios.
Entenda o leitor deste caso singular
Que todo o mundo um plano segue
E quem o cumpre sempre, frio pensar
Explicar magias... não consegue!
Pois pensar não era ali chamado
Preciso mesmo era só sentir
Mandou-se vir então um não-letrado
Poeta simples p´ra complexo descobrir.
Olhou então para o surreal sucedido
E só sorriu, nada preocupado:
"Um grande amor que esteve perdido,
Foi hoje, por fim, encontrado."
Algo de estranho aconteceu
No lugar onde vivem os mortos
Fala-se do estrelado céu.
Corriam as doze horas do tal dia
O Sol, bom operário, alto brilhava
Quando ao seu lado, quem diria?
Apareceu a Lua, e como brilhava!
Logo se mandaram chamar urgentes
Cientistas e astrólogos e sábios
Muito falaram essas gentes
Mas a verdade não lhes saiu dos lábios.
Entenda o leitor deste caso singular
Que todo o mundo um plano segue
E quem o cumpre sempre, frio pensar
Explicar magias... não consegue!
Pois pensar não era ali chamado
Preciso mesmo era só sentir
Mandou-se vir então um não-letrado
Poeta simples p´ra complexo descobrir.
Olhou então para o surreal sucedido
E só sorriu, nada preocupado:
"Um grande amor que esteve perdido,
Foi hoje, por fim, encontrado."
A manhã pode vir sozinha
Tristes os que têm sonhos de noite e não os perseguem de dia, pois amanhã, ao acordar, pode ser sempre tarde demais
Hoje não
Hoje não me apetece escrever. Nem vou, porque nas escritas nem somos operários nem patrões, ninguém manda em ninguém, talvez só o coração nas mãos. Talvez. Não vou, então, dizer mais nada. Não vou dizer tristezas contentes nem alegrias deprimidas, sejam elas por mim sentidas ou criadas para personagens igualmente de mim nascidas. Não me apetece, bolas! Não vou gastar linhas com letras que outros mais sabidos poderiam ocupar com melhores dizeres. Para quê, afinal? Para quê se um poeta nunca será mais que um pobre Sísifo, condenado ao trabalho de empurrar uma enorme rocha ao cimo de um monte, para logo a seguir ter de recomeçar, eternamente. É isso mesmo. A mistura das minhas emoções e da minha imaginação dão-me mil textos e poemas, mas por muitos que as passe para palavras, nunca direi tudo e nem por isso sentirei a alma mais leve, que realmente já me pesa de tanto sentir. Por isso, hoje não escrevo, não digo mais nada.Não me vou preocupar com rimas enfeitadas para lindamente dizerem coisas bonitas, nem linhas misteriosas cultivantes de raciocínio. Não sei se falo para mim se para quem me lê, se for para mim para quê tantas rendas e flores, se for para quem me lê, valerá mesmo a pena? Talvez seja um balanço harmonioso entre os dois, mas não me apetece pensar nem sobre isso nem sobre nada, e já disse, não quero escrever. Se uma imagem vale mais que mil palavras, tenho que arranjar outro trabalho que este não me levará longe. Depende da imagem? Dependerá, sim, mas também depende das palavras. Daqui, hoje, não saem mais, se depender de mim. Afinal, acho que já encontrei quem é operário e quem é patrão.
domingo, 31 de outubro de 2010
Beija-flor
O poeta não é pobre
O poeta não é um fingidor
O poeta bebe magia
P'ra amor fazer noite e dia
O poeta é um Beija-flor!
O poeta não é um fingidor
O poeta bebe magia
P'ra amor fazer noite e dia
O poeta é um Beija-flor!
Por onde?
Um beijo
Um abraço
Um colo,
Um sorriso quente.
Todos os têm e os querem
E eu não sou diferente.
Mas o caminho à minha frente
Tem sempre, sempre, dois lados.
E se num te tenho e sou teu
O outro livre é também desejo meu
Sonhos perdidos, abraços nunca dados.
Um abraço
Um colo,
Um sorriso quente.
Todos os têm e os querem
E eu não sou diferente.
Mas o caminho à minha frente
Tem sempre, sempre, dois lados.
E se num te tenho e sou teu
O outro livre é também desejo meu
Sonhos perdidos, abraços nunca dados.
sábado, 30 de outubro de 2010
Carta de quem não foi, para quem poderá ainda ser
Ao cabo de oitenta anos de vida, pensa-se mais no passado do que no futuro, não por não haver amanhã, só mesmo por não se poder saber com certeza o que ele guarda. Sonha-se muito com esse amanhã, mas pensar, pensa-se no ontem. Quem me vê de fora e pudesse, como se faz aos livros, folhear as primaveras da minha vida, diria facilmente que fui uma mulher bem sucedida. Realizada. Estudos, carreira profissional sempre em crescendo e muito prestigiante e bem-remunerada. Administradora de umas das mais cotadas empresas de telecomunicações do país parece algo realmente digno de orgulho. Agora que olho para trás, só vejo quatro paredes e uma secretária e um computador, que dizem ser uma janela mas para mim assemelha-se agora mais a um muro de betão bem alto e cinzento. É só. Nunca pude, nem quis, casar. Fui sempre demasiado dedicada ao meu trabalho e ele sempre me roubou muito tempo, ora aí está uma coisa que o dinheiro não pode comprar. Talvez devido ao meu trabalho deixe, depois de morrer, o meu nome gravado numa pedra fria qualquer. Mas deste mundo mais não deixarei mais que aquilo que levo dele, pouco ou nada. Sinto-me assolada por uma tristeza de morte, e escrevo esta carta para deixar prova e finalmente dizer aquilo que nunca tive coragem de dizer em voz alta. Cá vai: sempre sonhei ser uma astronauta. Mais do que um sonho de criança, sempre quis partir em missões através dessas mil estrelas que pintam o céu que só agora aprendi a apreciar cá de baixo. Parecem pirilampos e também as estrelas dançam e dão-me abraços enquanto ao longo da minha vida de tijolo me tentaram ensinar a bailar com elas. Muitas vezes sonhei comigo no espaço, onde não há tempo nem gravidade e a cortina entre o real e a fantasia é mais ténue que em qualquer outro lado. Pensava eu, pensando como os outros, que eram esses sonhos para artistas preguiçosos que nada querem fazer da vida. Pois agora entendo que quem leva a sua existência sem saber que sapatos vai calçar amanhã não faz mesmo nada da vida. Vive. Eu não vivi, eu limitei-me a a existir, a ser, a corresponder as necessidades físicas de um corpo que tanto aprisiona uma mente que quer voar. Não sei quantos mais anos tenho de vida, sei que pouco posso fazer deles, e sinto que não serão tantos quanto isso. Penso em duas possibilidades de vida depois de adormecer para não mais acordar: ou irei para um local sem corpo e aí a minha mente vai dançar luzidia que nem os meus pirilampos mágicos ou, então, reencarnarei e terei outra oportunidade de existência. Aconteça este segundo cenário e juro a Deus que me está quase a receber que serei astronauta, descobrirei astros nunca dantes contemplados. Ah, verei a outra face da Lua. E rir-me-ei de quem como eu viveu dentro de quatro paredes num mundo que tem quatro cantos e quatro elementos. Ontem tive um sonho bastante peculiar: dormia no meu quarto mas não havia tecto nem telhado nem nada, só o céu. Quem ler esta carta e puder ainda viver, por favor, tira os tectos da tua casa. O céu não tem limites, e o infinito é um papel imenso em branco. Pega nos lápis de cor, e desenha. Pirilampos.
Barquinho de papel
Construí o meu barquinho de papel
Com toda a inocência e simpleza
Que uma criança põe
Quando constrói um barquinho de papel.
Desenhei nele sorrisos
Beijos no seu lado esquerdo
Desenhei castelos e uma princesa
Ia na proa, capitã.
Também lhe desenhei um amor
Pela chuva e trovoada
Que as pessoas odeiam.
Eu gostava e gosto dela
E a princesa da proa também.
Por causa desse amor
Começou a chover muito
E eu estava na rua.
A água apoderou-se da estrada
E fez dela um rio
Engraçado como a Natureza
Conquista e ganha ao Homem
Coisas que, afinal, são suas.
Lancei o meu barquinho de papel
Pintado a amor de criança
Pela corrente do rio da estrada
E vi-o afastar-se lentamente.
Lá ia a princesa, e os beijos
E os castelos e os amores.
Um dia espero que o barquinho volte.
Com toda a inocência e simpleza
Que uma criança põe
Quando constrói um barquinho de papel.
Desenhei nele sorrisos
Beijos no seu lado esquerdo
Desenhei castelos e uma princesa
Ia na proa, capitã.
Também lhe desenhei um amor
Pela chuva e trovoada
Que as pessoas odeiam.
Eu gostava e gosto dela
E a princesa da proa também.
Por causa desse amor
Começou a chover muito
E eu estava na rua.
A água apoderou-se da estrada
E fez dela um rio
Engraçado como a Natureza
Conquista e ganha ao Homem
Coisas que, afinal, são suas.
Lancei o meu barquinho de papel
Pintado a amor de criança
Pela corrente do rio da estrada
E vi-o afastar-se lentamente.
Lá ia a princesa, e os beijos
E os castelos e os amores.
Um dia espero que o barquinho volte.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Passatempo de escrita
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Proponho um desafio aos leitores do blog. Pegando neste pequeno parágrafo, dêem-lhe um início, imaginem e escrevam o sonho que a personagem Afonso teve, começando, sugiro eu, por dizer como foi ele ali parar. Não estou à procura de um conto genialmente bem escrito, apenas de uma boa dose de originalidade. Não há qualquer restrição a nível de número de linhas ou palavras, deixem a imaginação escorrer. No dia 15 de Novembro publicarei aquele ou aqueles (dependendo do número de textos) que considerar mais originais!
Os textos deverão ser enviados para o meu mail (mendez1_15@hotmail.com) ou através de um comentário, como preferirem. Podem ou não ser assinados! Fico à espera...
Proponho um desafio aos leitores do blog. Pegando neste pequeno parágrafo, dêem-lhe um início, imaginem e escrevam o sonho que a personagem Afonso teve, começando, sugiro eu, por dizer como foi ele ali parar. Não estou à procura de um conto genialmente bem escrito, apenas de uma boa dose de originalidade. Não há qualquer restrição a nível de número de linhas ou palavras, deixem a imaginação escorrer. No dia 15 de Novembro publicarei aquele ou aqueles (dependendo do número de textos) que considerar mais originais!
Os textos deverão ser enviados para o meu mail (mendez1_15@hotmail.com) ou através de um comentário, como preferirem. Podem ou não ser assinados! Fico à espera...
Poesia a dois
Em termos de oração
Muito rezar vale uma vez
Cantar por si vale por duas
Amar, penso, vale por três.
E quando há amor há coração
Há menos cabeça e para quê?
Se a vida nada mais é que emoção
E amor, amor... Só se sente uma vez.
E será quando no fundo de um olhar
A areia e o vento pararem de correr
Razão não é nada, se posso amar
De números e químicas não quero saber.
E como o mar se junta à praia
E cada um, em uníssono, se interpreta,
Só um amor neste momento ensaia:
O amor de ser poeta!
Muito rezar vale uma vez
Cantar por si vale por duas
Amar, penso, vale por três.
E quando há amor há coração
Há menos cabeça e para quê?
Se a vida nada mais é que emoção
E amor, amor... Só se sente uma vez.
E será quando no fundo de um olhar
A areia e o vento pararem de correr
Razão não é nada, se posso amar
De números e químicas não quero saber.
E como o mar se junta à praia
E cada um, em uníssono, se interpreta,
Só um amor neste momento ensaia:
O amor de ser poeta!
Poema escrito juntamente com o André Santos,
do blog http://conquistaoteumundo.blogspot.com/
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
A meio caminho
Acordei deitado na pedra da calçada, nu, frio, sozinho. Conforto e quente e cama pareciam conceitos de outra vida, contudo, mesmo que não vivo, também não estava morto. Estava a meio caminho. Nem terra nem céu.. Olhei para cima, para o pano de estrelas. E gritei, não com voz, que não a tinha, mas com a alma, que essa nunca ma tirarão. Quem és tu? Vamos pega-me, sou teu filho. Se não existes ficarei aqui para sempre. Mas eu sei que existes. Disseram-me que para te ver tinha que vir ter contigo. Aqui estou. Talvez esteja no lado errado da rua, mas aqui estou. Sabes, sempre pensei que mais tarde ou mais cedo chegaria a casa, deitava-me e ficava à espera que acontecesse, e nem quando sonhava cheguei. Agora sei que tinha que ir ter contigo a meio caminho. Estou- te agradecido pelo que tive lá atrás, mas agora quero algo para sempre e ficarei bem. Por favor, se me ouves, dá-me colo...
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
1+1=2 ?
O mundo todo e coração é feito Do simples amor! Paixão e fogo e nunca
De verdades absolutas e certezas De outro penso vir. Cruas simplezas,
Não há sentimento nem emoção, Bom é complicar e só sentir, e assim
Morram bruxas, dragões, princesas Morrerei pois eu poeta sem almas presas.
E quem pensa em duas simples quadras
Resultado de conta sem segredo nenhum
Conte de novo, talvez hajam surpresas
É que um mais um... ah!, é igual a um.
Junta-se a sede à vontade de escrever
Escrevo muito e muito escreverei
Os dedos trabalham mesmo que eu mudo
E muito não me mata a sede, quero tudo
Sei que é impossível, porém tentarei.
Os dedos trabalham mesmo que eu mudo
E muito não me mata a sede, quero tudo
Sei que é impossível, porém tentarei.
Boas festas
O grande problema da Páscoa é que se jejua durante 40 dias ansiando pelo último, no qual se podem comer mundos e fundos.
Já o do Carnaval, é que no meio de brincadeiras e tropelias se chega rapidamente à conclusão que as pessoas não colocam máscaras, limitam-se a tirar as que usam o ano todo.
No que toca à passagem de ano, o problema reside em se desejarem mil e uma coisas em dez segundos e não se perseguir esses desejos nos 364 dias que se seguem.
No dia do pai e da mãe, tomamos atenção às pessoas que menos deveriam ter que esperar por um único dia para a receberem.
O problema dos dias de aniversário é que voltamos a ser algo que nunca devíamos colocar definitivamente de lado nos outros dias do ano.
O dia das mentiras, esse, só nos dá uma boa desculpa para fazermos aquilo que já fazemos nos restantes.
E por último, o grande problema do Natal é ser quando os homens querem e não quando as crianças desejam.
Já o do Carnaval, é que no meio de brincadeiras e tropelias se chega rapidamente à conclusão que as pessoas não colocam máscaras, limitam-se a tirar as que usam o ano todo.
No que toca à passagem de ano, o problema reside em se desejarem mil e uma coisas em dez segundos e não se perseguir esses desejos nos 364 dias que se seguem.
No dia do pai e da mãe, tomamos atenção às pessoas que menos deveriam ter que esperar por um único dia para a receberem.
O problema dos dias de aniversário é que voltamos a ser algo que nunca devíamos colocar definitivamente de lado nos outros dias do ano.
O dia das mentiras, esse, só nos dá uma boa desculpa para fazermos aquilo que já fazemos nos restantes.
E por último, o grande problema do Natal é ser quando os homens querem e não quando as crianças desejam.
domingo, 24 de outubro de 2010
Pote de ouro
O dia era de miúda chuva e Sol raiante
Sabe lá Deus se há-de rir ou chorar.
Se desenhou então no céu, brilhante
Arco-íris de sete cores, fascinante
De perder em vista onde ia acabar.
Da janela pouco me senti satisfeito
Saí, lembrado de histórias de princesas.
Pois li, não sei se em livro se no peito
Que quem de arco-íris acha fim, tem direito
A um pote de ouros e jóias e riquezas!
Errante andei meses e semanas e dias
Já não os podia contar, por não ter dedos.
Passei por vales, rios, mares de magias!
Animais como David, montanhas que nem Golias
Enfrentei dragões, bruxas, espelhos, medos.
Por fim, já após o horizonte conhecido
Encontrei o termo ao arco já amigo.
Procurei por arca ou pote, estaria escondido?
Achei-o enfim, não ali, que nunca fora perdido,
Pois ao longo da viagem... já vinha comigo.
Sabe lá Deus se há-de rir ou chorar.
Se desenhou então no céu, brilhante
Arco-íris de sete cores, fascinante
De perder em vista onde ia acabar.
Da janela pouco me senti satisfeito
Saí, lembrado de histórias de princesas.
Pois li, não sei se em livro se no peito
Que quem de arco-íris acha fim, tem direito
A um pote de ouros e jóias e riquezas!
Errante andei meses e semanas e dias
Já não os podia contar, por não ter dedos.
Passei por vales, rios, mares de magias!
Animais como David, montanhas que nem Golias
Enfrentei dragões, bruxas, espelhos, medos.
Por fim, já após o horizonte conhecido
Encontrei o termo ao arco já amigo.
Procurei por arca ou pote, estaria escondido?
Achei-o enfim, não ali, que nunca fora perdido,
Pois ao longo da viagem... já vinha comigo.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Um poema
Um sentimento fechado
Mais vontade de o abrir.
Poema nasce trancado
O lápis o faz sair
Espelho de alma, um dilema
Mais rima para coração ouvir
Assim se faz um poema.
Mais vontade de o abrir.
Poema nasce trancado
O lápis o faz sair
Espelho de alma, um dilema
Mais rima para coração ouvir
Assim se faz um poema.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Eu
Não sei quem sou. Quem me vê na rua e me conhece só a cara, tem dificuldade em chamar-me poeta, ou escritor, ou lá o que se chama a quem escreve o que eu escrevo. Sou o Diogo, esse sou eu, mas serei eu inteiro? Aqui, nestes campos, assino Diogo Pintas. Não é o meu verdadeiro nome, mas gosto de acreditar que é o meu verdadeiro eu. Mas será? Sou só Diogo, serei Diogo Pintas, serei os dois? E sendo os dois, são misturados, são separados, complementam-se ou são antagónicos? Não sei quem sou. Parecemos dois diferentes, mas os dedos que aqui são extensão de alma são os mesmos que, lá fora, apertam mãos. Aqui comprimento, lá fora cumprimento. Acho que me sinto melhor aqui; porém, também lá fora sou feliz! A verdade é que aqui posso ser quem quero. Muito do que escrevo é pura criação artística. Exemplo? Nunca tive um amor platónico, e talvez o poema anterior o possa fazer adivinhar. Aqui, extendo-me, expando-me, estico-me, anseio e tento uma plenitude que nunca será plena mas será sempre o máximo que posso. Lá fora sou um, mas será o que as pessoas chamarão do eu real. Não quero ser esse, mas também sei que não sou estes. Não sei quem sou.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Do amor platónico
Não me digas que me amas!
Di-lo com os lábios da alma
E com a boca do teu olhar.
Não te quero ouvir falar...
Só te quero ouvir sentir.
Sem te ver ver-te sorrir
Saber que és minha
Ao dar-te a mão.
Não, não quero dedos;
Quero que me dês, sem medos
As mãos... do teu coração.
Pensa em mim, não me conheças
Só quero que me aqueças
Nos tempos de grande frio
Não com beijos de carne dados
Mas aqueles só recordados
De um tempo que não existiu.
Di-lo com os lábios da alma
E com a boca do teu olhar.
Não te quero ouvir falar...
Só te quero ouvir sentir.
Sem te ver ver-te sorrir
Saber que és minha
Ao dar-te a mão.
Não, não quero dedos;
Quero que me dês, sem medos
As mãos... do teu coração.
Pensa em mim, não me conheças
Só quero que me aqueças
Nos tempos de grande frio
Não com beijos de carne dados
Mas aqueles só recordados
De um tempo que não existiu.
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Choro a dois
Apetece-me andar à chuva
Uma poesia nada aparente
Estar frio mas sentir quente
Como se bebera néctar de uva.
Chorar sozinho, a andar
E ter um disfarce da natureza
Nada saber e ter certeza
Nem do que sou, nem onde vou chegar.
Cada gota ser um beijo
Directo ao meu coração
Perder dele a razão
Sentir, é o que desejo.
Uma poesia nada aparente
Estar frio mas sentir quente
Como se bebera néctar de uva.
Chorar sozinho, a andar
E ter um disfarce da natureza
Nada saber e ter certeza
Nem do que sou, nem onde vou chegar.
Cada gota ser um beijo
Directo ao meu coração
Perder dele a razão
Sentir, é o que desejo.
A minha prenda
O meu trenó é a poesia
As renas são o teu sorriso
Não voo, não por falta de magia
Mas, por ter a tua companhia
Aqui, tenho tudo o que é preciso.
As renas são o teu sorriso
Não voo, não por falta de magia
Mas, por ter a tua companhia
Aqui, tenho tudo o que é preciso.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Cores
Nos meus anos ofereceram-me muitas coisas. A mamã ofereceu-me duas camisolas e umas calças, muito giras; o papá ofereceu-me um jogo novo para a consola, que eu já lhe andava a pedir à muito tempo!; os avós, para além de um maravilhoso bolo de aniversário, deram-me umas meias e um cachecol para o Inverno; os tios deram-me dinheiro e a minha irmã mais velha um CD de música. Foram todos presentes muito bons... menos o do Padrinho. Deu-me, às escondidas (com certeza com vergonha da prenda), um lápis de carvão, que nem se pode dizer que fosse um lápis muito bonito. Quando mo deu, disse que era um lápis especial... eu posso ainda ser pequenino, mas não me deixo
enganar assim; mas não me importei, afinal tinha tido muitos presentes, muito bons.
Chovera a noite toda; de manhã, quando acordei, a terra estava molhada, as nuvens continuavam cinzentas e um Sol tímido ia espreitando por entre elas, mas mal ganhava um pouco mais de coragem, era logo tapado. Ao pé de minha casa havia um sítio que eu gostava imenso; era uma espécie de colina, não muito alta mas que dava uma imagem linda do céu, totalmente livre de prédios e antenas e telhados e essas coisas dos homens que só estragam paisagens. Tinha lá também um pequeno parque infantil com baloiços, onde muitas vezes me sentava a olhar aquela bonita imagem. Pedi à mãe para ir para lá e, como era mesmo muito perto, a mãe deixou, como aliás costuma deixar sempre. Da janela da cozinha até podia ir-me vendo, por isso, nunca houve problema. Fui para lá então, sentar-me no meu baloiço; quando me sentei, senti uma coisa bicuda no bolso e fui ver o que seria... era o lápis do Padrinho! Não me lembrava de o ter posto no bolso, mas na verdade não me lembrava do que realmente lhe tinha feito. Fiquei com ele na mão, também era má-educação deitá-lo fora, apesar de ter mil e quinhentos lápis de carvão. Olhei para o meu céu. Nuvens imensas pairavam no ar, tão grandes e pesadas que me admirei como não caíam ao chão e se mantinham lá em cima, a voar. Eu sou bem mais pequenino e nunca consegui... Cada uma dessas enormes nuvens era de um cinzento muito escuro, curiosamente da cor do meu lápis de carvão. Quando olhei para ele para fazer esta comparação, não quis acreditar nos meus olhos! O lápis tinha-se transformado num lápis de cera branco.
Sem saber se devia ficar assustado ou admirado ou contente, fiquem a olhar para ele. Virei-o, aproximei-o dos olhos, afastei-o, bati com ele nos ferros do baloiço, até o trinquei; era real e era mesmo branco, um branco de uma pureza que eu nunca tinha visto. Sem saber bem o que esperar ao fazer aquilo, comecei a agitá-lo no ar. E atrás dele vinha um feixe de luz! Parecia uma varinha mágica. Baixei-o o tornei a olhar para ele atentamente. Na minha cabeça fervilhavam emoções e sei lá mais o quê, não sabia mesmo o que se estaria ali a passar. Quando olhei para o céu novamente, vi algo muito estranho: uma enorme nuvem, que há pouco tinha parado ali mesmo em frente, suspensa, tinha uns riscos brancos esquisitos, sem ordem. Olhei para o lápis, e de novo para a nuvem. Experimentei de novo uns movimentos no ar, e confirmou-se: eu podia pintar a nuvem com o meu lápis. Não quis saber de mais nada, nem se seria um sonho, nada. Pus-me a pintar toda a nuvem, que num instante deixou de ser cinzenta e feia para passar a ser um imenso quadro do branco mais branco que já existiu. Sentei-me no baloiço e olhei para o meu lápis mágico e para a brancura da nuvem. Fixei de novo o lápis e, nova surpresa: tinha-se tornado verde.
Com o meu lápis mágico pintei então planícies e colinas, tudo no meu imenso papel branco, a minha nuvem. Era uma relva fresca, muito bonita. Depois o meu lápis ficou azul, e dentro da nuvem pintei o céu, limpo, um céu de Verão. Ainda com o azul do meu lápis pintei um enorme rio que nascia lá ao longe no horizonte vinha dar a um lago muito grande, onde depois, com o rosa que veio a seguir, pintei flores na sua margem e borboletas enormes que mais pareciam fadas! Quanto mais depressa eu desenhava mais rapidamente o meu lápis mudava de cor. Logo a seguir ao rosa veio o castanho, e eu pintei barquinhos no meu lago. Logo depois ficou amarelo! E eu desenhei um enorme e quente Sol, cuja luz saiu do meu quadro e iluminou tudo o que era possível ao meu olhar alcançar. Pintei tudo, tudo. O meu lápis mágico deu-me cores que eu nem sabia existir, e com elas pude pintar mais do que alguma vez algum menino poderá pintar numa folha de papel: desenhei a felicidade, a alegria, a esperança, desenhei o amor. Por momentos, senti-me um pouco triste porque percebi que daí a nada acabaria o desenho e mesmo eu não poderia ficar ali para sempre. Então, peguei no meu lápis e desenhei-me, no cimo de uma pequena colina, e com o meu lápis desenhei o meu lápis, na minha mão. Nessa altura, o lápis tornou-se cor de fogo, e pintei um coração no peito do eu desenhado.
Ele ganhou vida, e logo desatou a abanar o lápis no ar, mas aquele lápis desenhado não tinha cor. Soube o que tinha que fazer: criei uma enorme ponte de corda até à minha nuvem e, uma vez ao lado do meu boneco vivo, dei-lhe, em mãos, o meu lápis mágico. Eu olhei para mim e sorri. À minha volta o meu quadro ganhara vida e eu já não sabia o que era real ou não. Já nem sabia quem era o verdadeiro eu. A verdade é que isso não importa muito; a realidade é muitas vezes uma coisa cinzenta, mas se tivermos na mão um pedaço de magia e imaginação, tudo pode ser transformado. Quando percebi isto, sorri novamente; e no ar surgiu um imenso arco-íris, que nascia em lado nenhum e terminava muito para lá do que será alguma vez descoberto.
enganar assim; mas não me importei, afinal tinha tido muitos presentes, muito bons.
Chovera a noite toda; de manhã, quando acordei, a terra estava molhada, as nuvens continuavam cinzentas e um Sol tímido ia espreitando por entre elas, mas mal ganhava um pouco mais de coragem, era logo tapado. Ao pé de minha casa havia um sítio que eu gostava imenso; era uma espécie de colina, não muito alta mas que dava uma imagem linda do céu, totalmente livre de prédios e antenas e telhados e essas coisas dos homens que só estragam paisagens. Tinha lá também um pequeno parque infantil com baloiços, onde muitas vezes me sentava a olhar aquela bonita imagem. Pedi à mãe para ir para lá e, como era mesmo muito perto, a mãe deixou, como aliás costuma deixar sempre. Da janela da cozinha até podia ir-me vendo, por isso, nunca houve problema. Fui para lá então, sentar-me no meu baloiço; quando me sentei, senti uma coisa bicuda no bolso e fui ver o que seria... era o lápis do Padrinho! Não me lembrava de o ter posto no bolso, mas na verdade não me lembrava do que realmente lhe tinha feito. Fiquei com ele na mão, também era má-educação deitá-lo fora, apesar de ter mil e quinhentos lápis de carvão. Olhei para o meu céu. Nuvens imensas pairavam no ar, tão grandes e pesadas que me admirei como não caíam ao chão e se mantinham lá em cima, a voar. Eu sou bem mais pequenino e nunca consegui... Cada uma dessas enormes nuvens era de um cinzento muito escuro, curiosamente da cor do meu lápis de carvão. Quando olhei para ele para fazer esta comparação, não quis acreditar nos meus olhos! O lápis tinha-se transformado num lápis de cera branco.
Sem saber se devia ficar assustado ou admirado ou contente, fiquem a olhar para ele. Virei-o, aproximei-o dos olhos, afastei-o, bati com ele nos ferros do baloiço, até o trinquei; era real e era mesmo branco, um branco de uma pureza que eu nunca tinha visto. Sem saber bem o que esperar ao fazer aquilo, comecei a agitá-lo no ar. E atrás dele vinha um feixe de luz! Parecia uma varinha mágica. Baixei-o o tornei a olhar para ele atentamente. Na minha cabeça fervilhavam emoções e sei lá mais o quê, não sabia mesmo o que se estaria ali a passar. Quando olhei para o céu novamente, vi algo muito estranho: uma enorme nuvem, que há pouco tinha parado ali mesmo em frente, suspensa, tinha uns riscos brancos esquisitos, sem ordem. Olhei para o lápis, e de novo para a nuvem. Experimentei de novo uns movimentos no ar, e confirmou-se: eu podia pintar a nuvem com o meu lápis. Não quis saber de mais nada, nem se seria um sonho, nada. Pus-me a pintar toda a nuvem, que num instante deixou de ser cinzenta e feia para passar a ser um imenso quadro do branco mais branco que já existiu. Sentei-me no baloiço e olhei para o meu lápis mágico e para a brancura da nuvem. Fixei de novo o lápis e, nova surpresa: tinha-se tornado verde.
Com o meu lápis mágico pintei então planícies e colinas, tudo no meu imenso papel branco, a minha nuvem. Era uma relva fresca, muito bonita. Depois o meu lápis ficou azul, e dentro da nuvem pintei o céu, limpo, um céu de Verão. Ainda com o azul do meu lápis pintei um enorme rio que nascia lá ao longe no horizonte vinha dar a um lago muito grande, onde depois, com o rosa que veio a seguir, pintei flores na sua margem e borboletas enormes que mais pareciam fadas! Quanto mais depressa eu desenhava mais rapidamente o meu lápis mudava de cor. Logo a seguir ao rosa veio o castanho, e eu pintei barquinhos no meu lago. Logo depois ficou amarelo! E eu desenhei um enorme e quente Sol, cuja luz saiu do meu quadro e iluminou tudo o que era possível ao meu olhar alcançar. Pintei tudo, tudo. O meu lápis mágico deu-me cores que eu nem sabia existir, e com elas pude pintar mais do que alguma vez algum menino poderá pintar numa folha de papel: desenhei a felicidade, a alegria, a esperança, desenhei o amor. Por momentos, senti-me um pouco triste porque percebi que daí a nada acabaria o desenho e mesmo eu não poderia ficar ali para sempre. Então, peguei no meu lápis e desenhei-me, no cimo de uma pequena colina, e com o meu lápis desenhei o meu lápis, na minha mão. Nessa altura, o lápis tornou-se cor de fogo, e pintei um coração no peito do eu desenhado.
Ele ganhou vida, e logo desatou a abanar o lápis no ar, mas aquele lápis desenhado não tinha cor. Soube o que tinha que fazer: criei uma enorme ponte de corda até à minha nuvem e, uma vez ao lado do meu boneco vivo, dei-lhe, em mãos, o meu lápis mágico. Eu olhei para mim e sorri. À minha volta o meu quadro ganhara vida e eu já não sabia o que era real ou não. Já nem sabia quem era o verdadeiro eu. A verdade é que isso não importa muito; a realidade é muitas vezes uma coisa cinzenta, mas se tivermos na mão um pedaço de magia e imaginação, tudo pode ser transformado. Quando percebi isto, sorri novamente; e no ar surgiu um imenso arco-íris, que nascia em lado nenhum e terminava muito para lá do que será alguma vez descoberto.
Bolo-Rei
O brinde de um bolo-rei é exactamente como o amor. Sem ele, não corremos o risco de nos magoar, mas a verdade é que o todo deixa de ter piada.
domingo, 17 de outubro de 2010
Baú
Adormeci embalado pelo bater na chuva na janela, chuva que sendo objecto último do eu acordado candidatou-se a ser o primeiro do eu a sonhar, e foi. No sonho estava no meu quarto, o mesmo em que adormecera; mas, para além da cama, nada ali mais havia senão um pequeno baú gasto por um tempo que, ao que parece, também corre no mundo dos adormecidos. Quando vi o baú, não me perguntei porque estaria ali um baú, nem perguntei onde estaria a mobília que deveria estar no lugar do baú. Pois, é que nos sonhos não se fazem perguntas, só se sonha. E eu sonhei dentro do sonho, algo a que um bom matemático chamaria um sonho ao quadrado, ou a que um bom mestre de Letras chamaria pleonasmo. Eu não lhe chamei nada, porque lá está, por ali só se sonha. Bom, ao ver um baú sonhei que era um pirata. Até tinha um papagaio ao ombro! E como um bom pirata que não sou mas fui, imaginei tesouros dentro do baú, muitas moedas de cobre, cálices de prata, medalhões de ouro! Mais, e porque fui um pirata muito moderno, imaginei que lá dentro pudessem estar chaves de grandes barcos a motor (os outros nunca precisaram de chave, só de vontade)e até de automóveis topo de gama, que em terra também se passeia bem e descobrir , tudo pode ser descoberto, visto que nada é conhecido. Desejei que dentro do baú pudesse estar tudo isto, e porque não roupas caras, bons sapatos, algumas maquinetas. Na verdade, desejei ter tudo. Foi nisso que pensei antes de abrir o baú. Quero ter tudo. Quero ser e conhecer todos, viajar mesmo que sem os tais barcos. De súbito, não me senti pirata mas poeta; sei que era poeta porque nada tinha de meu e sentia-me dono de tudo, dos sentimentos, e apesar de ter amor, faltava-me que eu amava. Mais, ao pensar nisto, logo um formigueiro me assolou a ponta dos dedos, como se estivessem ao lume, e fogos destes só se apagam de uma maneira, quem é poeta sabe qual é. Como queria ter tudo, talvez ao abrir o baú encontrasse lá um papel e uma caneta, desejei que sim. Ou talvez estivesses lá tu. Não cheguei a descobrir, porque nos sonhos não se descobrem coisas, porque antes de se descobrir... Acorda-se.
sábado, 16 de outubro de 2010
Perífrases
Não quero nada com antíteses
Cheio estou de tanto nada
Que é isso de paradoxos, metáforas?
Gelos quentes são essas anáforas
Tão complicadas
Tão sem porquê
Tão mudas, caladas!
Não preciso de nomes eruditos
Falo, poetiso, como quero.
E se é o teu coração que espero
Só te digo, tranquilo:
Amo-te!
Sem nenhuma figura de estilo.
Cheio estou de tanto nada
Que é isso de paradoxos, metáforas?
Gelos quentes são essas anáforas
Tão complicadas
Tão sem porquê
Tão mudas, caladas!
Não preciso de nomes eruditos
Falo, poetiso, como quero.
E se é o teu coração que espero
Só te digo, tranquilo:
Amo-te!
Sem nenhuma figura de estilo.
Celestial poesia
O poema é como o céu.
É um mundo imenso!
De beleza intenso
Tem um corpo só seu
E uma alma, que é a Lua
Que nem é minha nem é tua
Não é de ninguém!
É só de toda a gente.
E tem estrelas de luz quente.
As que se vêm, jóias a luzir,
E outras, escondidas
Mas não as penses perdidas!
Existem - para nunca se descobrir.
É um mundo imenso!
De beleza intenso
Tem um corpo só seu
E uma alma, que é a Lua
Que nem é minha nem é tua
Não é de ninguém!
É só de toda a gente.
E tem estrelas de luz quente.
As que se vêm, jóias a luzir,
E outras, escondidas
Mas não as penses perdidas!
Existem - para nunca se descobrir.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Círculo
Como a toupeira que escava
Sem saber onde vai parar
Eu escrevo, olho fechado
Convicto (ou esperançado?)
Que um dia hei-de lá chegar.
Sem saber onde vai parar
Eu escrevo, olho fechado
Convicto (ou esperançado?)
Que um dia hei-de lá chegar.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Boa noite
Cai o Sol, é Lua aurora
Um tempo que é só teu.
Lá de longe
Vem o sono devagarinho
E a mamã, a mamã
Está aqui perto
Para te aconchegar.
Um tempo que é só teu.
Lá de longe
Vem o sono devagarinho
E a mamã, a mamã
Está aqui perto
Para te aconchegar.
Perdição
Não olhes para mim.
Por favor, não olhes!
Não sorrias.
Não faças dos teus lábios janela para a tua alma.
Não, não te aproximes.
Não me dês daquelas palpitações, daqueles suores frios.
Eu nem te conheço...
Não, a sério, não me faças querer amar-te.
Não te quero prometer reinos nem fazer de ti princesa.
Quer dizer, quero. Só não quero querer.
Não me quero apaixonar, por isso não me estendas a mão.
Não, não quero o teu perfume, não quero sonhar com ele.
Não me toques, não me enfeitices.
Imploro-te.
Estás tão longe, vamos manter tudo assim.
Não, não quer... ah!, olhaste.
Por favor, não olhes!
Não sorrias.
Não faças dos teus lábios janela para a tua alma.
Não, não te aproximes.
Não me dês daquelas palpitações, daqueles suores frios.
Eu nem te conheço...
Não, a sério, não me faças querer amar-te.
Não te quero prometer reinos nem fazer de ti princesa.
Quer dizer, quero. Só não quero querer.
Não me quero apaixonar, por isso não me estendas a mão.
Não, não quero o teu perfume, não quero sonhar com ele.
Não me toques, não me enfeitices.
Imploro-te.
Estás tão longe, vamos manter tudo assim.
Não, não quer... ah!, olhaste.
aMar
Vai chegar o dia em que tomarei o barco sem temer nunca pisar os grãos de areia que ficaram por pisar. Os ares que não respirei, as aromas que não cheirei, os sabores que não provei, nada disso terá importância e não me impedirão de querer avançar para as cataratas que, mais à frente, se apresentam. Ainda assim, nesse dia, olharei o céu; e talvez sonhe não com aquilo que vem depois da morte, mas com o que está para além da vida. E não quererei morrer.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Querido Pai Natal
Sei que não existes, por isso nem me importo por te estar a escrever esta carta ainda longe do Natal. De qualquer das maneiras, a prenda que te quero pedir, o desejo que gostaria de ver realizado, é impossível de realizar, logo penso que só uma pessoa que não existe o pode concretizar.
Na minha televisão já aparecem muitos anúncios de bonecos e jogos. Até pensei que o tempo tivesse voado e fui perguntar à mãe, mas não, ainda é mesmo início de Outubro. Talvez haja meninos que têm o Natal mais cedo e então precisem de fazer as listas mais cedo; eu é que já sou crescidinho, e só tenho um desejo a pedir. Estava a ver estes anúncios e depois começou o telejornal. Normalmente nesta altura levanto-me e vou brincar ou assim, mas não consegui. Começou a dar umas imagens de meninos e meninas muito doentes, porque, disse lá o senhor, comiam muito pouco. Até achei esquisito, afinal tinham as barrigas grandes. Mas realmente pareciam doentes. Apeteceu-me chorar, porque pensei que aqueles meninos não devem ter Natal nunca, nem devem poder pedir prendas e desejos. Se existisses, realizarias na mesma?
Mesmo que não realizasses, eles deviam poder pedir. Eu quando peço um brinquedo ou um chocolate, mesmo que não o tenha, fico por um bocadinho a pensar que o vou ter e fico contente. Aqueles meninos deveriam ficar felizes nem que fosse com um bocadinho de alegria, esperança.
Não sei bem o que vou fazer a esta carta. Para onde se mandam as cartas sem se saber para onde se mandar? Já sei, vou atirá-la pela janela. Está muito vento, de certeza que a vai levar para muito muito longe. Não vai ser aberta por ninguém, e como tu não és ninguém, bate tudo certo. E talvez assim possas realizar o meu desejo.
A mãe está a chamar-me para ir lanchar. Agora sempre que como penso naqueles meninos, gostava de ser mais crescido para os ajudar. Ainda bem que existo, assim um dia vou crescer e vou poder ajudar. Deve ser difícil ser-se tu, toda a gente te pede tudo e tu não podes fazer nada. Vou embora.
Ass: Tomás.
P.S.: Esqueci-me do meu desejo.
Na minha televisão já aparecem muitos anúncios de bonecos e jogos. Até pensei que o tempo tivesse voado e fui perguntar à mãe, mas não, ainda é mesmo início de Outubro. Talvez haja meninos que têm o Natal mais cedo e então precisem de fazer as listas mais cedo; eu é que já sou crescidinho, e só tenho um desejo a pedir. Estava a ver estes anúncios e depois começou o telejornal. Normalmente nesta altura levanto-me e vou brincar ou assim, mas não consegui. Começou a dar umas imagens de meninos e meninas muito doentes, porque, disse lá o senhor, comiam muito pouco. Até achei esquisito, afinal tinham as barrigas grandes. Mas realmente pareciam doentes. Apeteceu-me chorar, porque pensei que aqueles meninos não devem ter Natal nunca, nem devem poder pedir prendas e desejos. Se existisses, realizarias na mesma?
Mesmo que não realizasses, eles deviam poder pedir. Eu quando peço um brinquedo ou um chocolate, mesmo que não o tenha, fico por um bocadinho a pensar que o vou ter e fico contente. Aqueles meninos deveriam ficar felizes nem que fosse com um bocadinho de alegria, esperança.
Não sei bem o que vou fazer a esta carta. Para onde se mandam as cartas sem se saber para onde se mandar? Já sei, vou atirá-la pela janela. Está muito vento, de certeza que a vai levar para muito muito longe. Não vai ser aberta por ninguém, e como tu não és ninguém, bate tudo certo. E talvez assim possas realizar o meu desejo.
A mãe está a chamar-me para ir lanchar. Agora sempre que como penso naqueles meninos, gostava de ser mais crescido para os ajudar. Ainda bem que existo, assim um dia vou crescer e vou poder ajudar. Deve ser difícil ser-se tu, toda a gente te pede tudo e tu não podes fazer nada. Vou embora.
Ass: Tomás.
P.S.: Esqueci-me do meu desejo.
domingo, 10 de outubro de 2010
Engano
Palavras ilusórias
E sonhos envenenados
Como as meninas que cortejam
Os rapazes envergonhados.
E sonhos envenenados
Como as meninas que cortejam
Os rapazes envergonhados.
Ode aos anónimos
História cheia está
De heróis muito cantados
Feitos grandes, fadados
Ditos, "Iguais não há!".
Esses de versos já fartam
Já estão imortalizados.
Quero falar de quem vós calais
Grandes, comuns mortais
Que permanecem calados!
Todos os que de trovador
Ou de cronista, cantador
Foram orfãos em tempo de glória
Ouçam dos vermes este poema
Pois é de poetas grande lema
Que quem foi, deve ser memória!
Tu que vidas salvaste
Ou tu, que coração aqueceste
Saboreando enquanto sabor agreste
E amor, nunca provaste.
E vós, milhões mortos de ódio
Perdidos em paredes de rocha
Ilumino-vos eu, com minha tocha.
Saiam, subam ao pódio!
Larguem as sepulturas de terra!
Que hão-de ser ouvidos no alto Céu
Hão-de ser vistos da alta serra
Projectados deste cantar meu.
De heróis muito cantados
Feitos grandes, fadados
Ditos, "Iguais não há!".
Esses de versos já fartam
Já estão imortalizados.
Quero falar de quem vós calais
Grandes, comuns mortais
Que permanecem calados!
Todos os que de trovador
Ou de cronista, cantador
Foram orfãos em tempo de glória
Ouçam dos vermes este poema
Pois é de poetas grande lema
Que quem foi, deve ser memória!
Tu que vidas salvaste
Ou tu, que coração aqueceste
Saboreando enquanto sabor agreste
E amor, nunca provaste.
E vós, milhões mortos de ódio
Perdidos em paredes de rocha
Ilumino-vos eu, com minha tocha.
Saiam, subam ao pódio!
Larguem as sepulturas de terra!
Que hão-de ser ouvidos no alto Céu
Hão-de ser vistos da alta serra
Projectados deste cantar meu.
sábado, 9 de outubro de 2010
Sorri
Abres um sorriso
E mil se abrem também.
Sorri o mar, e és tu mãe
Dos sorrisos que enchem o ar.
Varre a terra a alegria
Não és maga nem feiticeira
Mas tens dotes de magia
Que me contagia de uma maneira...
Nunca te zangues com o mundo;
Ele precisa de ti para se alegrar!
E ainda que mergulhado no breu fundo
Basta a tua boca para o iluminar.
E também eu, ó musa encantada
Como poeta sedento de inspiração
Preciso do teu toque de fada
Sorri, enche-me o coração.
E mil se abrem também.
Sorri o mar, e és tu mãe
Dos sorrisos que enchem o ar.
Varre a terra a alegria
Não és maga nem feiticeira
Mas tens dotes de magia
Que me contagia de uma maneira...
Nunca te zangues com o mundo;
Ele precisa de ti para se alegrar!
E ainda que mergulhado no breu fundo
Basta a tua boca para o iluminar.
E também eu, ó musa encantada
Como poeta sedento de inspiração
Preciso do teu toque de fada
Sorri, enche-me o coração.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Simplezas
O meu fruto preferido era o pêssego. Adorava a suavidade da sua polpa, o sabor doce e aveludado, o aroma fresco que tem. Há três anos, um velho agricultor deu-me um pé de laranjeira, que este ano deu finalmente fruto. Agora o meu fruto preferido é a laranja. Adoro a frescura do seu sumo, a acidez do seu sabor, o toque áspero da sua casca, o cheiro agradável a manhã que transmite. Hoje plantei um morangueiro. Se a árvore deixar de dar fruto, pode ser que amanhã o meu fruto preferido seja o morango; e eu vou adorar a sua cor apaixonante, o seu sabor acompanhado com ele ou com natas ou açucar, a sua pequenez engraçada.
Cicatrizes
Na morgue estavam dois corpos, o de um homem e o de uma mulher. Nunca em vida haviam estado juntos e não deixa de ser curioso que seja no sono eterno que estes dois se conheçam. Mórbido talvez, mas curioso sem sombra de dúvida. Era díficil dizer quem era a mulher, ou melhor, quem tinha sido, que feitos teria realizado aquele corpo outrora recheado com uma alma. Podia apenas ver-se que havia sido submetida a várias intervenções cirúrgicas plásticas, daquelas que tentam combater as marcas do tempo e cujos resultados podem ser questionados. Em morte, pelo menos, de pouco lhe valia. A falta de manutenção dessas operações e desse processo de rejuvenescimento ilusório levava a que a sua expressão fosse até mais bizarra que o seria se tivesse o rosto de uma simples senhora de 80 anos. Já o homem, esse, também possuía estranhas marcas. Mas, ao contrário da mulher, essas eram naturais; no braço, podia ver-se desenhada uma dentada, aparentemente de tubarão, ou crocodilo, ou outro animal feroz, que de dentadas pouco entendo. Ao longo da face um longo corte, talvez fruto de uma dura batalha com um samurai, ou mesmo de uma queda aquando da exploração de uma floresta tropical virgem. Na mão esquerda faltava-lhe um dedo, o polegar, sabe-se lá quem o terá devorado. O tronco e as pernas apresentam outros sinais de igual natureza, uns maiores, outros mais pequenos. Em vida, comparados, muita gente entendida teria descrito o corpo da senhora como mais belo, a nível estético. Agora, que de pouco serve a uma qualquer passerelle de moda, a mulher é desprovida de qualquer história, marca que pudesse agora valer-lhe um elogio. O homem, que outrora sem dúvida causara repulsa, tinha algo que a senhora nunca mais teria. Tinha medalhas de vida. Qualquer contador de histórias ou criança, deparada com aquele cadáver, podia imaginar e criar os mais mágicos e fantásticos contos e aventuras, sem nunca se arriscar a estar a fugir muito da verdade. E ao olhar-se para aqueles dois, podemos dizer que um teve uma vida e que o outro... a viveu.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Nas nuvens
Estou deitado e na mente nasce
Poema que te quero dedicar.
Estás longe e eu de sentidos amarrado
Só te querendo, sou desprezado
Por isso, quieto, quero voar.
Nada me dás, mas vou ser rendado
Serão os melhores versos que eu criar.
Ensinaste-me a só te querer
É altura de eu professor ser
Quero ser no teu ser, lar.
Dizem que já não sei que digo
Dizem que tenho a cabeça na lua!
Mas aqui embaixo é tudo real
Que sejas sonho, não faz mal
A minha cabeça, está na tua.
Poema que te quero dedicar.
Estás longe e eu de sentidos amarrado
Só te querendo, sou desprezado
Por isso, quieto, quero voar.
Nada me dás, mas vou ser rendado
Serão os melhores versos que eu criar.
Ensinaste-me a só te querer
É altura de eu professor ser
Quero ser no teu ser, lar.
Dizem que já não sei que digo
Dizem que tenho a cabeça na lua!
Mas aqui embaixo é tudo real
Que sejas sonho, não faz mal
A minha cabeça, está na tua.
domingo, 3 de outubro de 2010
Inocência
Queridos pais e irmã,
a vida na cidade tem sido óptima. Ainda a conheço mal e tudo é novidade, mas há por aqui muitas e muitas coisas mágicas. No outro dia fui passear à noite com o Ricardo e uns amigos dele; fomos de carro e, ao descer uma avenida (uma avenida é uma rua muito grande, existem algumas da largura dos pomares que aí temos!) descobri que aqui na cidade existem muitas e muitas estrelas de muitas e muitas cores e formas e tamanhos, luzinhas artificiais mas em nada menos bonitas que as estrelas que por aí temos. A companhia também era perfeita, e tenho reparado que quando estou com o Ricardo tudo me parece assim bonito, não sei porque. É esquisito, mas claro, sabe bem! Nessa noite eu estava sentada num dos lugares de trás e, numa altura em que parámos num semáforo, os nossos olhares pousaram por acaso um no outro através do espelho do carro, e sabem uma coisa? Os olhos dele brilhavam como as estrelinhas da cidade, e logo de seguida também a boca dele brilhou assim. O meu coração também acelerou, mas isso deve ter sido por causa da velocidade a que o carro ía, não estou habituada a estas andanças.
Com amor,
Raquel.
Alguns meses depois.
Queridos pais e irmã,
desde a última carta as coisas não têm corrido muito bem. Baixei um pouco as notas e ando sem apetite; aqueles momentos bonitos foram escasseando e a vida já não é tão bela. A semana passada, o Ricardo apareceu com uma namorada, desde esse dia nunca mais lhe vi o brilhinho nos olhos, nem me voltou a acelerar o coração, nem continuo a achar bonitas as luzinhas da cidade. Apeteceu-me chorar e não sei porque, devia ter ficado feliz, não era? A verdade é que, numa altura em que todo este mundo devia começar a ser um lar, me sinto mais sozinha e desamparada do que nunca. Agora que penso nisso, pouco me prende aqui. A novidade de vir estudar para Lisboa já não me excita, já não sei se quero tirar mesmo este curso. Acho que vou voltar para casa...
Raquel.
a vida na cidade tem sido óptima. Ainda a conheço mal e tudo é novidade, mas há por aqui muitas e muitas coisas mágicas. No outro dia fui passear à noite com o Ricardo e uns amigos dele; fomos de carro e, ao descer uma avenida (uma avenida é uma rua muito grande, existem algumas da largura dos pomares que aí temos!) descobri que aqui na cidade existem muitas e muitas estrelas de muitas e muitas cores e formas e tamanhos, luzinhas artificiais mas em nada menos bonitas que as estrelas que por aí temos. A companhia também era perfeita, e tenho reparado que quando estou com o Ricardo tudo me parece assim bonito, não sei porque. É esquisito, mas claro, sabe bem! Nessa noite eu estava sentada num dos lugares de trás e, numa altura em que parámos num semáforo, os nossos olhares pousaram por acaso um no outro através do espelho do carro, e sabem uma coisa? Os olhos dele brilhavam como as estrelinhas da cidade, e logo de seguida também a boca dele brilhou assim. O meu coração também acelerou, mas isso deve ter sido por causa da velocidade a que o carro ía, não estou habituada a estas andanças.
Com amor,
Raquel.
Alguns meses depois.
Queridos pais e irmã,
desde a última carta as coisas não têm corrido muito bem. Baixei um pouco as notas e ando sem apetite; aqueles momentos bonitos foram escasseando e a vida já não é tão bela. A semana passada, o Ricardo apareceu com uma namorada, desde esse dia nunca mais lhe vi o brilhinho nos olhos, nem me voltou a acelerar o coração, nem continuo a achar bonitas as luzinhas da cidade. Apeteceu-me chorar e não sei porque, devia ter ficado feliz, não era? A verdade é que, numa altura em que todo este mundo devia começar a ser um lar, me sinto mais sozinha e desamparada do que nunca. Agora que penso nisso, pouco me prende aqui. A novidade de vir estudar para Lisboa já não me excita, já não sei se quero tirar mesmo este curso. Acho que vou voltar para casa...
Raquel.
Nascimento
Uma paixão e um despedaçar
Coisas do amor, nem sempre bom
Nasce, do fundo do ser para o ar
Um choro que tem de silêncio tom.
Talvez triste seja o desamor
Que nunca é de alegria profeta
Mas se de morte se conhece sabor
Pelo menos nasce um poeta.
Coisas do amor, nem sempre bom
Nasce, do fundo do ser para o ar
Um choro que tem de silêncio tom.
Talvez triste seja o desamor
Que nunca é de alegria profeta
Mas se de morte se conhece sabor
Pelo menos nasce um poeta.
Atmosferas
As minhas recentes odes à chuva foram ouvidas pelos deuses. Agora podemos ir à janela e respirar um ar limpo, sentir uma frescura na cara que nos inspira a escrever sobre tudo mas eu, como sou generoso e grato, prefiro escrever sobre ela mesma. Já tinha saudades desta atmosfera, de ver actividade natural, ver as danças das gotinhas de água; dou por mim a dar-lhes histórias e percursos de vida, afinal o ciclo da água pode já ter levado estas gotinhas até ao outro lado do mundo! E eu, fechado, faço essas mesmas viagens. Basta inspirar bem fundo e manter o ar cá dentro, de olhos fechados. Viaja-se tanto parado, porquê correr e não ir a lado nenhum?
Ser
Quem escreve versos
Planta sonhos
Semeia emoções
Desperta corações
Reúne os dispersos
Traz à tona os submersos
Tece panos de algodão
Estende ao só uma mão
Torna-nos em si imersos
Pinta o escuro
Abre uma luz brilhante
Derruba mil e um muro
Traça a lápis uma constante
Abre no morto um furo
Estende um tapete vermelho
Faz do amor uma prova
Torna o novo velho
Traz da antiga coisa nova
Aconchega em pedra fria
Chora num riso contente
Jura que por eles morria
É alguém igual e diferente
Porque ser poeta é ser-se tudo
É amar escrito em papel
É gritar sendo mudo
Fazer do amargo, mel.
Planta sonhos
Semeia emoções
Desperta corações
Reúne os dispersos
Traz à tona os submersos
Tece panos de algodão
Estende ao só uma mão
Torna-nos em si imersos
Pinta o escuro
Abre uma luz brilhante
Derruba mil e um muro
Traça a lápis uma constante
Abre no morto um furo
Estende um tapete vermelho
Faz do amor uma prova
Torna o novo velho
Traz da antiga coisa nova
Aconchega em pedra fria
Chora num riso contente
Jura que por eles morria
É alguém igual e diferente
Porque ser poeta é ser-se tudo
É amar escrito em papel
É gritar sendo mudo
Fazer do amargo, mel.
Vazio
Cor e barulho e alegria
Ela, que não me contangia.
Porque nada vejo ou escuto
Nem que tivera ouvido astudo
Porque não existe melodia.
Os olhos cegam de tanto ver
Os ouvidos doem, do frenesim
E se resolvessem meter um muro
Ou mergulhar-me no fundo escuro
Veria mais, posso crer.
Porque é no breu que se pensa
É do nada que nasce a poesia
Ouvir pensamentos, qual magia
O dia é só indiferença
É o nada que procria.
Ela, que não me contangia.
Porque nada vejo ou escuto
Nem que tivera ouvido astudo
Porque não existe melodia.
Os olhos cegam de tanto ver
Os ouvidos doem, do frenesim
E se resolvessem meter um muro
Ou mergulhar-me no fundo escuro
Veria mais, posso crer.
Porque é no breu que se pensa
É do nada que nasce a poesia
Ouvir pensamentos, qual magia
O dia é só indiferença
É o nada que procria.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Talvez
O banco estava frio e a chuva caía copiosamente. Mas o rapaz, contrariamente ao esperado, não mexeu um musculo; ou melhor, mexia vários, mas nenhum quis que ele se levantasse e se abrigasse do temporal. As pernas tremiam-lhe, a cabeça olhava em volta constantemente, como quem espera ver algo de diferente ou alguém a chegar. Suspirava, e serão na cara dele lágrimas ou é a água celestial que o faz parecer?
Estava naquele banco faziam horas. Chegara alegre, nervoso, sim, mas aquele nervoso que podemos adivinhar ser de algo bom. Aquele nervoso que até levou o rapaz a, quando quis falar a alguém que conhecia, fazer uma careta esquisita e não ser capaz de articular uma frase coerente. A felicidade que trouxera foi desaparecendo à mesma medida que o Sol tímido se foi escondendo atrás das nuvens, que se foram carregando e acizentando juntamente com o semblante do jovem.
A chuva carregava, a noite chegava e o rapaz não se decidia a ir embora; já não olhava em volta, percebe-se que a esperança já não é o que o mantém ali. Não se percebe, na verdade, o que será; as lágrimas já nem pela chuva são disfarçadas e as pernas, fracas, já não tremem. O olhar está fixo num ponto inexistente, cheio de um vazio que nos deixa adivinhar pensamentos bem profundos ou um adormecimento sem sonhos, nem pesadelos.
A dada altura, o rapaz sorri. Não é um sorriso feliz, é um sorriso irónico, frio, escuro. Talvez percebera, com mágoa, que há coisas que parecem tirar o sentido à vida; há coisas que fazem com que frio e chuva e noite cerrada deixem de ser um problema, uma preocupação. Talvez o rapaz tenha chegado à conclusão que não valia e pena ir para casa porque o seu lar havia ruído, despedaçado sob a força cruel da indiferença. Talvez o banco fosse o que mais o ligasse à luz ao fundo de um túnel que de repente ficou a negro.
Talvez. Com isto, não se sabe para onde terá ido. Em boa verdade, não se sabe sequer se terá ido. Ficar, também não ficou.
No dia a seguir o banco foi ocupado por um velhote que passeava o cão, mais tarde por uma mãe com o seu bebé, e ainda por um casal de namorados. O dia foi de Sol e calor e Primavera. A chuva limpara as lágrimas e nunca ninguém soube dos desamores que o banco acolhera. Falasse o banco e talvez soubéssemos do destino que pobre rapaz que o perdera por completo.
Dizem que a pedra não tem vida, não tem cor, não tem cheiro, não tem calor, não tem sangue, coração. Mas tem muito que contar; e dura para sempre.
Estava naquele banco faziam horas. Chegara alegre, nervoso, sim, mas aquele nervoso que podemos adivinhar ser de algo bom. Aquele nervoso que até levou o rapaz a, quando quis falar a alguém que conhecia, fazer uma careta esquisita e não ser capaz de articular uma frase coerente. A felicidade que trouxera foi desaparecendo à mesma medida que o Sol tímido se foi escondendo atrás das nuvens, que se foram carregando e acizentando juntamente com o semblante do jovem.
A chuva carregava, a noite chegava e o rapaz não se decidia a ir embora; já não olhava em volta, percebe-se que a esperança já não é o que o mantém ali. Não se percebe, na verdade, o que será; as lágrimas já nem pela chuva são disfarçadas e as pernas, fracas, já não tremem. O olhar está fixo num ponto inexistente, cheio de um vazio que nos deixa adivinhar pensamentos bem profundos ou um adormecimento sem sonhos, nem pesadelos.
A dada altura, o rapaz sorri. Não é um sorriso feliz, é um sorriso irónico, frio, escuro. Talvez percebera, com mágoa, que há coisas que parecem tirar o sentido à vida; há coisas que fazem com que frio e chuva e noite cerrada deixem de ser um problema, uma preocupação. Talvez o rapaz tenha chegado à conclusão que não valia e pena ir para casa porque o seu lar havia ruído, despedaçado sob a força cruel da indiferença. Talvez o banco fosse o que mais o ligasse à luz ao fundo de um túnel que de repente ficou a negro.
Talvez. Com isto, não se sabe para onde terá ido. Em boa verdade, não se sabe sequer se terá ido. Ficar, também não ficou.
No dia a seguir o banco foi ocupado por um velhote que passeava o cão, mais tarde por uma mãe com o seu bebé, e ainda por um casal de namorados. O dia foi de Sol e calor e Primavera. A chuva limpara as lágrimas e nunca ninguém soube dos desamores que o banco acolhera. Falasse o banco e talvez soubéssemos do destino que pobre rapaz que o perdera por completo.
Dizem que a pedra não tem vida, não tem cor, não tem cheiro, não tem calor, não tem sangue, coração. Mas tem muito que contar; e dura para sempre.
Ninho
E sinto neste momento uma impagável sensação de protecção, não de um escudo, não de uma muralha, não de uma torre, não de uma arma, mas da minha colcha, que me protege do frio e dos pesadelos e daquilo que o escuro esconde e a que nós em pequeninos chamamos Papão.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Hibernu
Mais facilmente apreciamos aquilo que não temos e isso é visível em muitas situações. No Verão, quando está calor, não precisamos de nos preocupar com o incómodo frio, damos a temperatura amena como garantida e ah!, vamos à praia. Mas a mim, o que dá gozo, é o Inverno. Não, não gosto de frio! E detesto ter os pés molhados e usar quilos de roupa. Mas nada supera a satisfação do adormecer tapadinho na cama com o som da chuva a fustigar a janela, ou estar sentado no sofá de pantufas bem felpudas a ler um bom livro enquanto a lareira crepita, dançarina. Mas mesmo lá fora reinam momentos de pura magia. Se um passeio ao Sol é agradável, andar à chuva sem destino é tão mais poético. Venham narizes a pingar, venham tosses, venha o que vier. Andar à chuva é dar a nós mesmos uma liberdade total, deixar as gotas inundarem-nos a cara e a roupa colar-se à nossa pele. E até podemos chorar de alegria, que ninguém nota.
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