segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Na caverna

Ela está numa caverna escura, fria e húmida. Está perdida, claramente perdida, ainda assim sentada, confortável, tão confortável, tão incomodamente confortável. Mas está perdida. E vêem-se os seus olhos perdidos, olhar para tudo envolto numa brilhante escuridão, que tanto nos mostra sem à vista dar de beber. E ali está ela sentada, parecendo não querer não o estar, mas gritando por uma mão que a levante e que a conduza, mas as mãos passam balouçantes, roçam mas não pegam, muito menos levantam, muito menos conduzem. Ela chora e ri, por não saber o que é chorar, por não saber do que se rir. E quer tanto levantar-se, tanto, mas o frio encolhe-a a si, deixa-a resguardada a um canto de uma caverna sem paredes. Perdida, num nada que por vezes parece ter tantas cores, fica-se pelas desmotivações que a empurram ao sentar confortável, sem uma âncora forte que sim!, a levante!, e conduza, só com imagens efémeras que mostram água à boca sem a saciar, desesperada. E acontece uma morte antes da Morte, a morte de se estar vivo. E estar perdido.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Semti

Todos os dias o via partir, e todos os dias ansiava a sua chegada. Eram horas (meses, anos?) que se arrastavam, sem sumo para quem procura coisas dessas como o sentido da vida. E eu ficava, sem me ter por não o ter, limitava-me a vaguear pela casa, ocupando-me com ninharias que valiam tanto no segundo em que as fazia como nas horas em que delas não me lembraria. Porque só me lembrava dele. E quando ele - por fim! - chegava, dava-lhe a mais calorosa das recepções, acarinhava-o, amava-o, sem pensar nem planear, pois a felicidade que de mim transbordava algum copo teria de encher e que melhor vasilha que aquela que dava sentido a todo o meu corpo. Viva. Era como se fortes correntes eléctricas trespassassem o a minha carne roubando-lhes a apatia pior que morte em que ainda há segundos se encontrava. E eu era feliz assim, isto se fizer sentido deixar o "eu" e o "feliz" a namorarem na mesma frase quando na verdade "eu" só era feliz quando me transformava em nós. E ele partia de novo, e eu ficava, como alguém que cheio de sede provou algumas gotas de água e nada mais.
Um dia ele não voltou. Relógios nunca me disseram nada, quem acha que o tempo se pode medir nunca o sentiu em tão diferentes velocidades. Por isso não me apercebi logo, mas os ponteiros lá se arrastavam, mais, e mais um pouco. Ele não voltou. Ouvi falar de umas fases de quem perde algo, eu nem fases, nem fazer. O quê, se não existia? O quê, se não tinha ficado sem a minha metade, mas sim sem mim, sem a alegria dos meus dias, sem o fogo de um lenho que foi deixado ressequido, triste. Ele não voltou. Acho que chorei, acho que me arrastei, sei só que não procurei, porque sabia que não mais o veria. Acho que morri, a não ser que a morte traga consigo o calor quente de um colo de mãe que nos sussurra que tudo está bem. Se traz, não morri.
Sim, eu sei que os cães não pensam, não falam, muito menos escrevem. Eu sei. Mas os sentimentos nunca foram de palavras. E eu senti, senti algo que não pode ser amor porque não cabe em nada que conheçamos, porque rompe linhas e folhas e capas, e porque poucos poderão sequer perceber o que é viver num corpo nosso e na alma de outro. Por isso eu não te digo que te amei e que te amo, eu digo que vivi por ti, em ti, para ti.