quarta-feira, 20 de março de 2013

Quando for pequeno

O meu filho perguntou-me o que poderia ser quando crescesse. Claro que lhe falei das várias profissões prestigiantes, das que nos deixam comprar casas, carros, sustentar bem uma família. "Eu, por exemplo, sou médico, não gostavas de ser médico, pequeno?", perguntei-lhe. " Ser médico é fatela!" Não fiquei triste com a resposta dele. Ou melhor, fiquei, mas não por ele não gostar da profissão do pai, mas sim porque, de certo modo, tinha razão. Ser médico é fatela. Claro que salvo vidas de pessoas e de muitas maneiras diferentes, seja com o medicamento certo, diagnósticos precisos ou simplesmente um abraço fraterno. Amo a minha profissão. Mas, na idade dele, pouco mais se pode pensar da profissão que essa expressão tão incorrecta quanto genuína. Fatela. De repente, sem conseguir explicar bem porquê, senti emergir em mim uma corrente de pensamentos, em mim que nunca coloquei nada em causa, eu que sempre planeei com frieza, eu que sempre andei com passos certos, eu que nunca me embebedei em romantismos e encarei a vida como algo unilateral, complicado, esforçado. Ser médico é fatela. Por muito rídiculo que possa parecer, e "rídiculo" é uma palavra que uso muitas vezes, dei por mim a pensar como o meu filho, a fitar o espelho e perguntar: o que ser então? Um desejo agonizante apoderou-se de mim. Queria ser mais, ou menos, não sei bem. Queria ser diferente. Queria mirar a grande orbe azul como nunca antes, moldá-la com o calor das minhas mãos, essas que sempre foram frias. Reparem, eu disse orbe azul. Porque não lhe chamei Planeta Terra? Por isso mesmo, porque quis ser Deus e começar pela criação, pintar o cinzento, derreter o gelo. Quis, envergonhado, atrevi-me a desejar, atrevi-me a deixar cair o asqueroso muro de pedra que tinha na alma e que me impedia de ver. Eu só olhava! Como o mundo podia ser diferente, pensei eu. O que tenho feito que não as imposições de alguéns que não eu? Senti um enorme nó na garganta, quis chorar, quis rir. Não de tristeza ou de felicidade, apenas porque tinha emoções fechadas e soltara-as como quem abre a caixa de Pandora. O meu mundo caía e eu com ele, livre como um pássaro. Quis fazer algo inolvidável, que fosse para sempre, que deixasse o meu nome gravado na pedra. Naquele momento, eu não sabia o que queria ser quando fosse grande. " Sê o que quiseres filho, o barco é teu, comanda-o sem mapas, se um sítio tem mapa é porque já foi descoberto. Vai mais além." Claro que não percebeu nada, mas como poderia ele, se eu só o percebera tanto tempo depois?

terça-feira, 5 de março de 2013

Sete

Primeira pista está acima
A resposta, abaixo vai estar
Do génio humano são matéria prima
E em estrofes se vão dissecar.

Alimenta a solidão
Varre para longe a amizade
A fortuna a um só
Resume o amor a pó
E torna a morte cedo verdade.
Zela não por céu, mas por tecto
Ah, o que será, em concreto?

Irrompe em chamas, zangado
Rasga tudo, sem pudor
Amante do caos, atribulado.

Gasta a alma em excessos, come tudo
Um não chega, nem dois nem três
Longa vida ao Entrudo
A época ideal deste que aqui lês.

Lagos, jardins, casas de ouro
Última morada antes até da morte escrita
Xailes chineses tapam um corpo a soro
Uma vida de amor proscrita.
Reles a este mundo gratuito visita
Irmãos de plástico, fingidos
Amigos de fato, como nus tidos.

Sabichão te achas, o número um
O topo de um mundo que espezinhas
Brindes a ti, palmas minhas
Enquanto afastas de ti a baixeza
Resta-te, penso, a certeza
Bacoca de que ninguém precisas
Até ao dia em que és batido por quem pisas.

Páras mais do que o que andas
Recostas-te, deixas o mundo girar
E aquela viagem a Madagáscar
Guardarás na lista do quase que foi
Um desperdicío de ar, vive mais um boi!
Imaginas, mas levantar não
Carregas o comando da vida contigo
Ah, não desse tanto trabalho carregar no botão...

Vai-te passeando, belo Narciso
A figura sempre luzidia
Irmão da beleza do dia
Do brilho do sol!
Admiras-te, o dia todo se preciso
Deixa-me lembrar-te que até o mais belo isco
Esconde, em si, um anzol.