domingo, 3 de outubro de 2010

Inocência

Queridos pais e irmã,

a vida na cidade tem sido óptima. Ainda a conheço mal e tudo é novidade, mas há por aqui muitas e muitas coisas mágicas. No outro dia fui passear à noite com o Ricardo e uns amigos dele; fomos de carro e, ao descer uma avenida (uma avenida é uma rua muito grande, existem algumas da largura dos pomares que aí temos!) descobri que aqui na cidade existem muitas e muitas estrelas de muitas e muitas cores e formas e tamanhos, luzinhas artificiais mas em nada menos bonitas que as estrelas que por aí temos. A companhia também era perfeita, e tenho reparado que quando estou com o Ricardo tudo me parece assim bonito, não sei porque. É esquisito, mas claro, sabe bem! Nessa noite eu estava sentada num dos lugares de trás e, numa altura em que parámos num semáforo, os nossos olhares pousaram por acaso um no outro através do espelho do carro, e sabem uma coisa? Os olhos dele brilhavam como as estrelinhas da cidade, e logo de seguida também a boca dele brilhou assim. O meu coração também acelerou, mas isso deve ter sido por causa da velocidade a que o carro ía, não estou habituada a estas andanças.

Com amor,
Raquel.


Alguns meses depois.

Queridos pais e irmã,

desde a última carta as coisas não têm corrido muito bem. Baixei um pouco as notas e ando sem apetite; aqueles momentos bonitos foram escasseando e a vida já não é tão bela. A semana passada, o Ricardo apareceu com uma namorada, desde esse dia nunca mais lhe vi o brilhinho nos olhos, nem me voltou a acelerar o coração, nem continuo a achar bonitas as luzinhas da cidade. Apeteceu-me chorar e não sei porque, devia ter ficado feliz, não era? A verdade é que, numa altura em que todo este mundo devia começar a ser um lar, me sinto mais sozinha e desamparada do que nunca. Agora que penso nisso, pouco me prende aqui. A novidade de vir estudar para Lisboa já não me excita, já não sei se quero tirar mesmo este curso. Acho que vou voltar para casa...

Raquel.

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