Nos meus anos ofereceram-me muitas coisas. A mamã ofereceu-me duas camisolas e umas calças, muito giras; o papá ofereceu-me um jogo novo para a consola, que eu já lhe andava a pedir à muito tempo!; os avós, para além de um maravilhoso bolo de aniversário, deram-me umas meias e um cachecol para o Inverno; os tios deram-me dinheiro e a minha irmã mais velha um CD de música. Foram todos presentes muito bons... menos o do Padrinho. Deu-me, às escondidas (com certeza com vergonha da prenda), um lápis de carvão, que nem se pode dizer que fosse um lápis muito bonito. Quando mo deu, disse que era um lápis especial... eu posso ainda ser pequenino, mas não me deixo
enganar assim; mas não me importei, afinal tinha tido muitos presentes, muito bons.
Chovera a noite toda; de manhã, quando acordei, a terra estava molhada, as nuvens continuavam cinzentas e um Sol tímido ia espreitando por entre elas, mas mal ganhava um pouco mais de coragem, era logo tapado. Ao pé de minha casa havia um sítio que eu gostava imenso; era uma espécie de colina, não muito alta mas que dava uma imagem linda do céu, totalmente livre de prédios e antenas e telhados e essas coisas dos homens que só estragam paisagens. Tinha lá também um pequeno parque infantil com baloiços, onde muitas vezes me sentava a olhar aquela bonita imagem. Pedi à mãe para ir para lá e, como era mesmo muito perto, a mãe deixou, como aliás costuma deixar sempre. Da janela da cozinha até podia ir-me vendo, por isso, nunca houve problema. Fui para lá então, sentar-me no meu baloiço; quando me sentei, senti uma coisa bicuda no bolso e fui ver o que seria... era o lápis do Padrinho! Não me lembrava de o ter posto no bolso, mas na verdade não me lembrava do que realmente lhe tinha feito. Fiquei com ele na mão, também era má-educação deitá-lo fora, apesar de ter mil e quinhentos lápis de carvão. Olhei para o meu céu. Nuvens imensas pairavam no ar, tão grandes e pesadas que me admirei como não caíam ao chão e se mantinham lá em cima, a voar. Eu sou bem mais pequenino e nunca consegui... Cada uma dessas enormes nuvens era de um cinzento muito escuro, curiosamente da cor do meu lápis de carvão. Quando olhei para ele para fazer esta comparação, não quis acreditar nos meus olhos! O lápis tinha-se transformado num lápis de cera branco.
Sem saber se devia ficar assustado ou admirado ou contente, fiquem a olhar para ele. Virei-o, aproximei-o dos olhos, afastei-o, bati com ele nos ferros do baloiço, até o trinquei; era real e era mesmo branco, um branco de uma pureza que eu nunca tinha visto. Sem saber bem o que esperar ao fazer aquilo, comecei a agitá-lo no ar. E atrás dele vinha um feixe de luz! Parecia uma varinha mágica. Baixei-o o tornei a olhar para ele atentamente. Na minha cabeça fervilhavam emoções e sei lá mais o quê, não sabia mesmo o que se estaria ali a passar. Quando olhei para o céu novamente, vi algo muito estranho: uma enorme nuvem, que há pouco tinha parado ali mesmo em frente, suspensa, tinha uns riscos brancos esquisitos, sem ordem. Olhei para o lápis, e de novo para a nuvem. Experimentei de novo uns movimentos no ar, e confirmou-se: eu podia pintar a nuvem com o meu lápis. Não quis saber de mais nada, nem se seria um sonho, nada. Pus-me a pintar toda a nuvem, que num instante deixou de ser cinzenta e feia para passar a ser um imenso quadro do branco mais branco que já existiu. Sentei-me no baloiço e olhei para o meu lápis mágico e para a brancura da nuvem. Fixei de novo o lápis e, nova surpresa: tinha-se tornado verde.
Com o meu lápis mágico pintei então planícies e colinas, tudo no meu imenso papel branco, a minha nuvem. Era uma relva fresca, muito bonita. Depois o meu lápis ficou azul, e dentro da nuvem pintei o céu, limpo, um céu de Verão. Ainda com o azul do meu lápis pintei um enorme rio que nascia lá ao longe no horizonte vinha dar a um lago muito grande, onde depois, com o rosa que veio a seguir, pintei flores na sua margem e borboletas enormes que mais pareciam fadas! Quanto mais depressa eu desenhava mais rapidamente o meu lápis mudava de cor. Logo a seguir ao rosa veio o castanho, e eu pintei barquinhos no meu lago. Logo depois ficou amarelo! E eu desenhei um enorme e quente Sol, cuja luz saiu do meu quadro e iluminou tudo o que era possível ao meu olhar alcançar. Pintei tudo, tudo. O meu lápis mágico deu-me cores que eu nem sabia existir, e com elas pude pintar mais do que alguma vez algum menino poderá pintar numa folha de papel: desenhei a felicidade, a alegria, a esperança, desenhei o amor. Por momentos, senti-me um pouco triste porque percebi que daí a nada acabaria o desenho e mesmo eu não poderia ficar ali para sempre. Então, peguei no meu lápis e desenhei-me, no cimo de uma pequena colina, e com o meu lápis desenhei o meu lápis, na minha mão. Nessa altura, o lápis tornou-se cor de fogo, e pintei um coração no peito do eu desenhado.
Ele ganhou vida, e logo desatou a abanar o lápis no ar, mas aquele lápis desenhado não tinha cor. Soube o que tinha que fazer: criei uma enorme ponte de corda até à minha nuvem e, uma vez ao lado do meu boneco vivo, dei-lhe, em mãos, o meu lápis mágico. Eu olhei para mim e sorri. À minha volta o meu quadro ganhara vida e eu já não sabia o que era real ou não. Já nem sabia quem era o verdadeiro eu. A verdade é que isso não importa muito; a realidade é muitas vezes uma coisa cinzenta, mas se tivermos na mão um pedaço de magia e imaginação, tudo pode ser transformado. Quando percebi isto, sorri novamente; e no ar surgiu um imenso arco-íris, que nascia em lado nenhum e terminava muito para lá do que será alguma vez descoberto.
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