domingo, 16 de outubro de 2011

A Estação do Amor

Era uma vez quatro jovens, três rapazes e uma rapariga. É importante saber que cada um entra nesta história a seu tempo, nunca em simultâneo, ainda que os gestos de um influenciem o próximo. O primeiro que importa vestia-se de castanhos e escondia-se em espinhos, uma máscara feia que disfarçava um interior mais doce. Na verdade, este jovem estava apaixonado pela rapariga já mencionada, mas mal a vira; afinal, como eu disse, cada um entra a seu tempo, e quando tentava chegar-se a ela, ela fugia. Este seco e cinzento rapaz, destruído pela sina que lhe calhara em mãos, nas noites de maior saudade (saudade do que nunca se teve? seja.) gritava e chorava a paixão que nunca acalmava.

Entre  agora o seguinte jovem. Este, ouvia de longe os lamentos do primeiro. E chorava com mais força ainda, afinal as dores dos outros por vezes magoam mais que as nossas próprias. Na verdade, ao longe, ele via a amada fugidia, e percebia a razão de tal louca atracção. Testemunha e cúmplice deste amor não correspondido, vestia-se de cinzento e era frio, pois não pode ser quente aquilo que não consegue aquecer.

Fale-se agora da donzela fatal. Ignorante da trágica existência do seu pretendente, apenas sabia em rasgos do choro do segundo jovem, mas não ligava; vestia-se das cores mais alegres, vestidos cor de canto de andorinha e perfume do mel silvestre. Do fundo do seu olhar vinha o aroma da terra molhada, e estes olhos pousava-os no terceiro rapaz, quarta personagem deste conto. Amava-o pela sua majestosidade, achava-o rei de um reino repleto de ouro e quentes paixões. Mais bonita se punha quanto mais atrás chorassem, e o seu apaixonado o mesmo fazia, mas não por amor.

Na verdade, este terceiro rapaz gabava-se dos calores que lhe eram trazidos pela bela rapariga. Brilhava forte, quente, mas não gostava dela. Assim, acabava por incendiar as suas pretensões. e as cores alegres e o perfume de mel silvestre eram substituídos pelo seco e queimado. E de novo aparece o primeiro triste rapaz, também ele afectado pela superior impetuosidade do menino dos olhos da menina. Quem lhe dera ser ele, sem ser como ele.

Um dia, o primeiro rapaz, o Outono, resolveu ignorar a chamada a esta história eterna e fugir a ir ter com a Primavera, a sua amada. Ela acabou por entender quem de facto o amava, e deixou de dirigir o perfume da sua aura para o Verão, que brilhou menos intenso, carrancudo, amuado. E o Inverno chorará mais tarde, mas de alegria, pois o amor venceu. A fuga do Outono fê-lo atrasar-se, mas hoje, finalmente, bateu à porta. Já fez frio e nevoeiro, mas há algo de mágico nesta neblina; algo de primaveril. O Verão brilhou até ontem, mas só porque cá estava só e mais não sabe fazer. Queima, e nunca ama. E mesmo que a Primavera nunca mais possa receber o Outono nos braços, porque a Lei do Mundo a isso obriga, para sempre se saiba que as flores e os animais com que se veste não mais são para agradar ao Verão, mas sim porque, a partir deste ano e para sempre, está profunda, perdida e assolapadamente apaixonada pelo Outono.

sábado, 15 de outubro de 2011

1, 2, 3

Um
Amor? Não vejo nenhum.
Prometi que de beijos faria jejum
Ou prometeu-me a vida,
Já me esqueci.
Sei que se a paixão é espaço
Eu sou, dentro de uma latinha, atum.

Dois
Mas e depois?
Belos olhos, pois.
Ai, e o sorriso também.
Pronto
Mas a razão ganhará o confronto
O coração grita
E porra, tem força de bois...

Três
Nas entrelinhas sem querer já me lês.
E eu vou embalado.
Coitado, o coração correu desenfreado
Descarrilou
E nunca esteve tão direito.
Andar em terra parece bem perfeito
Ah, mas eu caí outra vez. De vez.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Porquê lá?


Conta-se a história de singular rapaz
Perdido numa ilha de onde só mirava água
Um oceano de lágrimas, choro, mágoa
Coisas daquelas que a vida faz.

Noite e dia corria parado
Ciente da necessidade de criar fuga
Mas não era fácil tal trabalho
"Faço, erro
Faço, refaço
Faço de novo
De novo falho."

Não queria da ilha morada eterna
E no desespero que o consumia
Gritou, buscando plateia
Fosse um homem ou sereia
Mas ninguém
Nem pedra ou animal
O ouvia.

Eis que surge de nenhuma lâmpada
Um génio sem desejos para ofrendar
Nem três
Nem dois
Nem um
É mesmo isto que aqui lês
O que lhe ofereceu verás depois
Mas desejo, nenhum.

"Onde queres ir, náufrago?
Para onde a tua embarcação?"

"Aportei do seio materno
O meu caminho é ja eterno
E barcos são etérea visão."

"Mas que buscas?
Que pretendes?
Só recebe quem o sabe pedir
Ou por sorte mera o venham acudir
Mas olho à volta e não vejo deuses
Nem mãos estendidas
Portanto, se as tuas maleitas são compridas
Fala,
E veremos."

"Quero mais, quero nova terra.
Quero paz mais que a ausência de guerra
Quero sair.
Aqui não tenho nada
Nem cama nem roupa lavada
E mal o frio começa a ganir
Sinto a mais ínfima molécula 
Congelada."

"Queres ser feliz?"

"Quero viver."

"Apura então o nariz,
E começa a ver.
O mar banha-te, gratuito
As frutas nascem das árvores
Saborosas.

O Sol é também muito
E as chamas, no gelo
Serão doces prosas
E tens paisagens airosas
De arrepiar o pelo.

Tens mais do que a vista alcança
Tens cores
Sensações
Sossego.
As borboletas e a sua eterna dança
Sombras que a paterna nuvem lança
Dádivas, elas, aos milhões.

Que queres mais, rapaz?
Dinheiro?
Casas?
Materiais?
Eles corrompem a alma por inteiro
Terás amores de plástico
Insípidos
Artificiais.

Ama o que tens
E até podes desejar mais
Ter sonhos ambiciosos.
Mas sejam eles sinceros
Preciosos.
E tudo terás
Em segundos meros.

Não queiras sair da ilha
O continente tem do ódio directrizes
Há tantas
Tantas coisas à tua volta
Prontas para nos fazerem felizes..."

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Dos jardins sem flores

Há croissants sem chocolate
E jardins sem flores.
Mas não há beijo que de amor dado
Não tenha golpe encantado
De encher o cinzento de cores.

E o motor dispara
Como se fora morrer
Mas é a vida
(Plural, bem entendida)
Que lhe dá razões para não mais viver.

Porque viver é coisa mundana
E no mundo há mais que respirar
Esquece tudo, nada importa
Este poema é coisa torta
Nem podia de outra maneira acabar.
Pois se pensas que ser mais é natural
Pensa de novo, que achaste mal;
Ser mais não é viver
Ser mais, é amar.

domingo, 9 de outubro de 2011

Tic-Tac

Tic-Tac Tic-Tac
Espero um tempo que não passa
Acelera, cheio de raça
Mas quando estou cheio do teu olhar em mim.

Tic-Tac Tic-Tac
Onde estás?
Não mais chega o tempo em que o tempo anda
Ah, que esta paragem já tresanda
Fedor de saudade que só mais me faz te amar.
Não, não me estou a queixar
Mas se estou cheio de estar vazio de ti
Mas completo de tanto em ti pensar
Tenho, e não me calo, que cantar,
Uma ode ao tempo que faz só o que quer.

Tic-Tac, Tic-Tac
Vem quando quiseres
Porque em mim já chegaste.
Não corras, desliza
Porque tanto é forte o tornado
Como a doce brisa
E tu, princesa
Não és guerreira.
Lutas e de que maneira
Com o sorriso que alguém te pintou.

Tic-Tac Tic-Tac
Quanto menos te tenho mais te quero
E assim espero, não desespero
Pela tua mão que me festinha a alma.
Amor na palma
E o tempo passa
Parado
Juro-te que não estou cansado
Talvez só um pouco
(E cada vez mais)
Apaixonado.