segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O adeus

Temos imensa pena. Fizemos tudo o que podíamos, mas neste momento, apenas as máquinas prendem a sua bebé à vida. Teremos que as desligar, é demasiado pequenina, é certo que sobreviveria algumas semanas mas nestas condições nunca se desenvolveria de modo a combater a infecção. Foi bom que o senhor tenha tido possibilidade de instalar aqui em sua casa a incubadora, terão sido mesmo aqui as últimas horas da sua filha. É provável que depois de desligados os aparelhos sobreviva duas a três horas, com sorte. Deixo-vos a sós, os meus sinceros sentimentos...
A médica especialmente contratada para acompanhar as derradeiras horas da pequena Leonor afastou-se. O casal estava em estado de choque; ainda que fosse aquele o cenário mais provável e mais antecipado, a esperança, por mais que leve, estava lá e agora queimava. A mulher sentou-se e, como que hipnotizada, fitava o vazio. Talvez vislumbrasse todos os anos que Leonor não cresceria, o primeiro dia de aulas que não teria, o primeiro inocente amor que não viveria, as mil profissões que não escolheria, o primeiro animal que nunca teria, tudo, tudo aquilo que pinta a vida de uma menina que nada fez para merecer o destino que tivera. Só Deus tem os que mais ama. O pai, esse, exteriormente mais forte, aproximou-se da incubadora e, sem chorar, olhou para a sua filha. A pequena bebé respirava com dificuldade, já após lhe ter sido visto cortado o único fio que a ligava a vida. Era pequeníssima, indefesa: havia nascido prematuramente, com 7 meses, e a sua fragilidade levou a que contraísse uma grave doença pulmonar. Após saber o provável destino da pequena, o pai, homem bastante rico, fizera questão de instalar no quarto que viria a ser de Leonor uma pequena unidade de cuidados intensivos, para a qual contratara também uma equipa altamente prestigiada em casos daquele foro. Sentia-se injustiçado, revoltado; a filha nunca conheceria o mundo que, por muito que de negativo pudesse ter, era belo.
De repente, uma ideia assaltou-lhe o espírito; olhou em redor, verificando que o quarto estava vazio. Alguns médicos retiraram-se, três estavam a prestar cuidados à esposa. A doutora chefe preenchia distraída uns papéis. Pegou então numa peça de roupa de bebé de corpo inteiro, abriu a máquina silenciosamente e, com um carinho e afecto que só um pai ou mãe têm, vestiu a sua menina. Calçou-lhe também umas botinhas cor-de-rosa e enrolou-a numa manta quente. Escrevinhou um bilhete à pressa, que colocou onde momentos antes estivera a bebé, para quando dessem pela ausência de ambos. E saiu, sorrateiramente, talvez louco, talvez não.
Dentro de vinte minutos estava na praia com Leonor. A bebé respirava com igual dificuldade, mas incrivelmente não chorava; faltariam-lhe forças, ou saberia a inevitabilidade do que a esperava. O pai percorreu a praia e, perto das rochas onde o mar batia furiosamente, sentou-se. Estava maré cheia.
Vês, filha? É o mar. Aqui para nós, é o elemento mais belo, nunca duvides. Um dia já o tememos, até que fomos suficientemente corajosos para o conquistar. É bonito, não é? Dentro dele vivem peixes. Uns grandes, outros pequenos. Também há lá algas; as flores do mar. E há sereias filha. Sereias são uns seres que são metade peixe e metade mulher. Cantam extremamente bem, e são quase tão belas quanto tu. Acima, azul, é o céu, Leonor. É ele que dá cor ao mar. Aquele risco lá longe é o horizonte, o ponto distante onde os dois se tocam. Se calhar vais para lá amor, não sei. Aquilo? Aquilo é o Sol princesa. Não olhes tão directamente, faz mal. O Sol é o que dá vida a toda a Terra. A Terra é onde nós vivemos doce. É um lugar majestoso. Há muitos sítios diferentes; há florestas com fadas e duendes, desertos com oásis e tesouros enterrados, pântanos com torres onde princesas aguardam o salvamento pelo seu príncipe encantado, que antes mata o dragão. Dragão é um lagarto enorme com asas que cospe fogo. Não tenhas medo, nunca te fará mal. Nada te fará mal amor, nunca permitiria. Sabes, filha, neste planeta, há muitos animais. Há girafas e macacos e leões e cavalos. E também há borboletas, que são fadas sem varinha mas que espalham magia, e se vestem de flor, e as flores são os enfeites da Terra. Aqui na praia não há flores Leonor, mas há a música do mar. E o cheiro a maresia. Aqui há poesia querida. Poesia é tudo aquilo que tu sentes ao ver, ou vês ao sentir. É complicado porque estou a tentar explicar, poesia não se explica, vive-se, sente-se, é-se. Tu és poesia amor. Ah, sim, e amor é a coisa mais bela que existe neste planeta, na Terra. Amor é o melhor amigo da poesia. Amor é um sentimento, e também é díficil de descrever. Amor é gostar muito de uma coisa ou de alguém; por exemplo, olha ali ao fundo. O mar e o céu amam-se. Amam-se tanto que não se importam de estar longe um do outro. O céu dá cor ao mar, e o mar dá-lhe música e pinta-lhe um quadro muito bonito. E amam-se tanto que não se importam de esperar. No fundo, sabem que lá ao longe, no horizonte infinito, se hão-de encontrar. Amor é também o que os Homens cá da Terra sentem uns pelos outros. Sim, todos sentem. Alguns não sabem, mas descobrem mais tarde ou mais cedo. Sem excepção. Este planeta nem se devia chamar Terra, devia chamar-se Amor. Eu amo o mundo, sabes Leonor? E sabes, tu és o meu mundo. Não te conheço, mas sei a tua cor preferida, sei que música mais gostas, sei que cor de cabelos vais ter. Sei tudo sobre ti. Porque te amo. Olho no fundo desses teus olhos e vejo-te e vejo-me e vejo a mamã também. Sei que também nos amas minha flor. Agora, tu vais partir, vais fazer uma viagem muito divertida. O papá e a mamã não podem ainda ir, mas irão ter contigo. Sim, no Paraíso, que é um sítio ainda melhor que cá a Terra. Nunca te esqueças, filha. O papá ama-te. Adeus amor.
Estas últimas palavras já foram acompanhadas de grossas lágrimas. A pequena bebé parecera por uma fracção de segundo sorrir e suspendera a respiração, quente, nos braços do pai. Morrera, e talvez a sua alma nunca tivera tão viva.

3 comentários:

  1. Anónimo23.2.10

    Deixou-me sem palavras.
    Acho que está lindo, sem dúvida *.*

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  2. Anónimo23.2.10

    Deves ter alguma coisa contra mim para não aceitares os meus comentários.
    Tens um péssimo gosto musical, e para completar - os teus textos(se é que se podem chamar textos)são horríveis. O que ficava bem aqui era musicas do Halloween.

    Um aparte, estou a brincar contigo, não quero que fiques deprimido o resto da noite xD.
    Já te disse qual é o meu texto preferido, mas por azar foi tirado da internet (a)

    Beijinho colega
    Paula Lamim

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  3. fogo com isto tudo puseste-me a chorar rapaz juroo ! epah tudo o que escreves e pura arte a serio, nunca pares, pq se o fizeres e a coisa mais bonita em ti que estas a fazer desaparecer, aconcelho-te a continuar esta historia nao sei bem explicar,fazer um grande livro dela, com grandes lições de vida, porque se com isto chorei, imagina quantas almas como a minha poderias mais tocar se a continuasses ! esta perfeita !!!

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Comentários