domingo, 26 de fevereiro de 2012

Farewell

Houve uma idade em que eu não usava relógio, uma época em que o tempo era contado por joelhos esfolados, desenhos animados e amores Iô-Iô. E a esse tempo volto de tempos a tempos, graças a mãos dadas que me levam ao tempo sem tempo. Sinto saudades dessas alturas, tanto aquelas de há anos como as que viveram nos meses mais chegados, meses em que abraço a ternura de não se saber aquilo que se vê, nem o que se sente. Só se vê e só se sente. Mas cresço e em vez de mais vida, lá se vai a vida. A luz dos anos sós faz sombra do meu corpo sozinho, que nada partilha com ninguém para além de sonhos que ficaram enterrados algures em locais que visitarei à procura do que perdi e com os quais tenho uma cumplicidade estranha; levei-lhes os sonhos, sonhei neles e depois de os perder, choro aos seus ombros, e eles mais não respondem que uma sonora gargalhada.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Um dia

Se um dia a areia for mais forte que o sangue, eu vou parar e deixá-los correr. Se um dia o rio fluir com tanta força que vire a jangada e nos leve para margens opostas, eu vou parar. Se o relógio passar e eu não te puder beijar, até que decidas que queres mais dos lábios que versos de amor distantes, eu vou parar. Se o pêndulo deixar de medir segundos e passar a ser uma guilhotina angustiante, eu vou parar. E esperar. E vão ser segundos e minutos e horas e dias e meses, porra, poderão ser anos, mas o tempo vai por mim passar como o vento que se sente mas não move. Os cabelos podem ficar brancos e a pele enrugada, mas cá dentro a cor é a mesma, e só sem tempo o tempo importa, por deixar de importar. Porque se existe, de facto, uma coisa maior que outra, ei-la: o que sinto é maior do que o tempo que passarei a sentir.