quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Da madrugada para a noite

Avózinha, não sei bem para onde vais, e estou agora um bocado triste porque a mãe não me deixa ir despedir-me de ti. Ela vai! Só me disse que eu podia escrever-te qualquer coisinha e prometeu-me que te ia entregar, só não jurou que ias ler, mas isso sei eu que vais.
A mãe disse que ias fazer uma grande viagem. Para onde vais avó? E quem me vai contar as minhas histórias preferidas? A mãe já tentou, mas falta-lhe qualquer coisa na voz, talvez tenhas andado numa escola melhor,  ou talvez tenhas andado lá mais tempo. E quem vai ajudar-me a vestir as minhas bonecas? Bem sei que começo a não ter idade para isso, mas isso é o que dizem, e sempre me ensinaste que nunca haverá idade para deixarmos de ser crianças e que tu mesma ainda eras uma menina como eu. É isso avó, vais ter uma visita de estudo? Deve ser muito longe, para nunca mais voltares, pelo menos deves ir aprender muitas coisas e muito bonitas. Talvez um dia mas possas contar avózinha, de certeza que também vais encontrar princesas e bruxas más.
Vou ter muitas saudades avó. Agora que me lembro, disseste-me uma vez que o avô tinha ido fazer uma viagem muito grande mesmo antes de eu nascer, mas que onde quer que estivesse sempre me amara também. Será que vais ter com ele? Espero que sim, eu bem via o brilhozinho que tinhas nos olhos quando falavas dele, como ficavas contente e orgulhosa. Se fores, dá-lhe um beijinho meu, ou melhor, dá muitos, que para sempre é muito tempo por isso tempo não te faltará. Ele foi o teu único namorado não foi? E eu a tua única neta. Acho que isso quer dizer que não precisamos de conhecer muitas pessoas para amarmos muito. Ainda bem...
Não sei que te possa dizer mais, a verdade é que me conheces como ninguém e tudo o que eu possa dizer e sentir tu já podes adivinhar. Sabes que tudo isto é verdade, e mais do que isso, sabes que muito mais fica por dizer e que poderia ser dito se ao menos eu te pudesse e dar um abraço e sorrir para ti, só isto. Vais de barco ou de avião avó? Ou de carro? Como vais não sei, nem sei para onde, mas sei como e onde ficas, ficas no meu coração. Adeus avó, gosto muito de ti.

7 comentários:

  1. Anónimo17.11.10

    Antes de partires nessa tua viagem, nessa aventura intemporal, já eu sentia saudades tuas. :')

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  2. Anónimo27.11.10

    toca mesmo cá dentro essa saudade :)

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  3. Esta chorei legitimamente. Esse sentimento de saudade... mas o que realmente me marcou foi o relato inocente, puro e de esperança digno de uma criança. Essa inocência que derruba barreiras. Gostei mesmo muito Diogo. Visualizei toda a imagem, as lágrimas correram naturalmente.

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  4. Anónimo23.2.15

    Oito anos depois e a dor regressou. Talvez ainda mais agressiva e sufocante. E fazes falta, as tuas palavras e a tua filosofia faziam ver que o fim tem em si um início. A tua fé.
    Sei que para ti que andas de mão dada com as palavras o silêncio é a mais sensata das respostas. Eu, que as partilho a medo, não lhes sei interpretar o intervalo.
    Obrigada por continuares a permitir que o acesso às tuas criações ainda me seja fácil. E não deixes que a veia se entupa.

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    1. O fim não pode ser só um fim, como poderíamos viver acreditanto nisso? Também sei é que perdemos demasiado tempo com estas métricas de tempo, segundos, horas, dias, quando devíamos aproveitar cada momento seja ele de euforia, tristeza, facilidade ou dificuldade. Se não existisse dor, não existiria conforto, paz.

      Fico feliz por representar este conforto. A minha veia não se entope, eu é que muitas vezes, demasiadas vezes, impeço que o sangue flua. Estou a tratar disso e comentários como este dão-me força para o fazer. Obrigado. A curiosidade faz-me querer saber quem és, não sei se deveria calcular com facilidade, mas creio que o mais importante está dito.

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    2. Anónimo25.2.15

      Acredito que, com mais ou menos facilidade, és capaz de dissipar essa curiosidade. Talvez não o queiras fazer e eu entendo. És poeta, afinal de contas. E, por falar nisso, fico ansiosamente à espera de um poema pois sei que dentro deles te flui o sangue, a alma, o espírito e a mente.

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  5. Anónimo25.2.15

    Corrijo-me: poesia em verso. Porque "poesia é uma forma de fazer rimar o que vemos com o que sentimos, sem regras, sem ordens ao nosso coração. Logo, não deixa de ser poesia, por não ter a forma de poesia, a estrutura, digamos assim."

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Comentários