- Afonso?! É a tua cena agora, entra em palco. Já!
O responsável pela peça empurra-o para o palco e, nervoso, assiste ao final da cena:
- Oh forte homem, quem sou eu sem ti? Mulher forte.. Mulher fraca! Vivo enganada, pensando que esperas por mim!
- Minha querida amada, já te disse hoje que te encontras maravilhosa? Não penses que não te quero, o amor é muito mas o tempo é zero..!
O responsável interrompe:
- Corta! Corta! Corta! Está péssimo! Já estou cansado destes fracassos! Por hoje terminamos, amanha quero-vos melhor, bem melhor!
A actriz que acompanhava Afonso no palco mostrou-se desiludida, olhou para ele e fez um ar de derrotada. Ele encolheu os ombros como resposta e foi para perto dela.
- Clara, acompanhas-me num chá?
Afonso há muito que desejava a sua companhia, nunca tivera coragem para lhe dizer o que lhe ia no coração mas sempre que via uma oportunidade, aproveitava. Clara era a mulher perfeita para ele. Cabelo ruivo, olhos esverdeados, pele de porcelana, bem pálida e juvenil sem um único defeito, uns lábios tão bem delineados que lhe dava vontade de a beijar loucamente! Será que Clara sentiria o mesmo? Será que também ela o achava atraente, charmoso? Seria possível uma mulher tão simples gostar de um homem portador de extrema arrogância como muitos dizem que ele possuía?
Clara ao ouvir o convite de Afonso sentiu um nervoso miudinho. Há muito que desejava a sua companhia mas a vergonha falava sempre mais alto, o medo do amor tomava posse da sua boca e sempre que ele a convidava para algo, recusava sempre. Mas, oh, como ela o achava um homem único, raro, inconfundível, belo..! De cabelos pretos, olhos extremamente profundos e sinceros, uma pele atraente, morena e suave, e uma boca.. Uma boca que incontrolavelmente levava os olhos de Clara fixar nos seus lábios! Que desejo!
- Sim, acompanho, com todo o prazer.
Hoje é o dia, pensou ela. Hoje é o dia que me vou entregar ao amor!
Hoje é o dia, pensou Afonso. Hoje é o dia que me vou declarar a ela! Que lhe vou mostrar todo o meu amor! Sem medos!
Ambos saíram do teatro e dirigiram-se até ao café do centro da cidade. Quando chegaram, Afonso puxou a cadeira para Clara se sentar. Enquanto ele fazia de seguida o mesmo o empregado apareceu e perguntou o que desejavam. Afonso pediu um chá, para os dois, acompanhado de uns scones.
Depois do empregado ter saído Clara fixou-se em Afonso, estava perdida nele, completamente aluada.
Afonso apercebendo-se disso fixa também os seus olhos nos dela. Clara ao reparar deixa-se levar pelo ambiente e os dois ali ficam, com os olhos penetrados um no outro. Não era preciso dizer nada, ambos sabiam perfeitamente o que cada um sentia. Ficaram assim horas e horas, completamente hipnotizados.
Chegou a noite. A cama estava quente, o quarto um tanto iluminado pelas velas, os cortinados abertos para se puder ver a lua cheia dessa magnífica noite e as roupas espalhadas pelo chão. Autênticos denunciadores de uma noite de amor. Clara pousava a cabeça no peito de Afonso e este envolvia-a nos seus braços. Nesse dia o amor falou mais alto, o desejo apoderou-se deles e calorosamente entregaram-se um ao outro.
Enquanto trocavam juras de amor começam a ouvir pequenos barulhos provenientes da fechadura do quarto e de repente a porta abre-se e entram dois, três homens altos, bem constituídos e um baixo, gordo, de cabelos grisalhos, bochechas vermelhas que gritava bem alto:
- Que desilusão Afonso! O que é isto? Era aqui que devias estar? Com uma mulher na cama, em vez de estares a fazer o que realmente devias? Uma desilusão!
- Mas pai..
Nesse momento os homens fortes agarram em Clara e arrancam-na da cama! Puxam-na dos braços de Afonso e ele, levantando-se rapidamente, tenta puxá-la para junto dele.
- Não pai! Não faça isto!
Clara gritava por Afonso, cada vez mais alto e os homens magoavam-na ainda mais, agarravam-lhe nos braços e desprendiam as suas mãos das de Afonso! Que aflição, que medo sentia ela.
Afonso estava louco. Tentava lutar contra eles, só a queria salvar, ficar junto dela!
- É agora que vais aprender Afonso! As mulheres não servem para nada, tens muito tempo para isso! Chega, concentra-te no que importa!
- Cale-se pai! Não a magoe, peço-lhe!
Já era tarde de mais. Saíram tão rápido da mesma forma de como tinham entrado! Afonso sai também, correndo atrás deles, com esperanças de os apanhar. Correu e correu sem os conseguir avistar até que se cansou. Sentou-se num banco de jardim e começou a chorar desalmadamente, acabando mais tarde por adormecer..
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Texto de resposta ao passatempo, por Helena Filipa.
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