quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Génesis

Era uma vez um velhote, que só não era mesmo velho porque para ele não existia tempo. E este velhote era pintor, mas não era um pintor qualquer. Tinha na sua paleta de pintor 4 Cores, e eram elas o Castanho, o Vermelho, o Transparente e o Azul. Sim Transparente, eu bem vos digo que não era um pintor qualquer. Este pintor, em toda a sua vida, só pintou um quadro e é desse que interessa contar.
Pois nem o quadro deste pintor especial não era também ele nada comum. Era uma esfera. A esfera se a vissem agora seria muito grande, mas para aquele velhote era muito pequena, porque para além de não conhecer o tempo, o pintor não conhecia o espaço. Por isso talvez nunca ninguém tenha visto este pintor velhote, talvez ele seja maior que o tamanho que se conheça. Adiante. Começou por preencher toda a esfera branca do seu Castanho. Pintou montanhas, planícies, vales, desertos, que depois encheu de animais e plantas e árvores. E punha muito amor nisso tudo que pintava. Quando terminou, chamou àquela primeira parte da sua obra Terra.
Depois pegou no Vermelho e desenhou uma chama, que soprou na sua esfera, e deu vida à primeira parte do quadro. Os animais mexiam-se na Terra e as plantas nela cresciam, e o pintor ficou muito feliz.
Depois com o Transparente encheu o espaço entre a esfera e a sua oficina de trabalho. Sem isto, decidiu, não haveria diferença entre a Terra e a sua oficina e a sua própria pessoa, pelo que enquanto vivessem na Terra, todos aqueles animais não poderiam existir sem ao que chamou Ar. E tudo parecia completo, os três irmãos Terra e Fogo e Ar criavam aquele belo quadro, vivo, alegre.
Mas faltava qualquer coisa. O pintor olhava para ele e via tudo e claro, gostava! Mas via tudo. Ama-se muito o que se conhece mas paixão, essa está reservada para o misterioso, para o escondido, o desconhecido. Ali, tudo era conhecido, num relance tudo se sabia. E isso deixava o velhote triste. Então, olhou para a paleta e viu o Azul. Num momento de pura genialidade, pegou nele e mais do que pintar, escavou na esfera e encheu as enormes fossas desse Azul. Criou então rios, lagos, nascentes. E criou um enorme mar.
De fora só se via azul, como que espelho dos também azuis olhos do pintor. Mas por dentro muito havia escondido. Mais animais, mais cores, mais sabores e mais nada que poderá ser aquilo que nós quisermos. Como se dentro daquele mar existissem mil esferas em branco à espera de serem preenchidas com a paleta da imaginação. Nasceu então o quarto irmão, a Água, a mais novinha dos quatro mas (e isto é segredo, shiu) a preferida do velhote pintor. De inspiração nascida, viria a Água mais tarde dar de beber a poetas e sonhadores, dando à luz ela própria inspiração. E ao contrário da Terra do Fogo e do Ar, nunca será totalmente descoberta, e mais, como se fora barro, será motivo de construção de novas realidades.
Pensará o prezado leitor sabido das ciências que nunca poderia assim ter sido, que a vida antes nascida veio deste mesmo mar. Por isso nunca poderia a Água vir em último. Mas isso, digo eu, só vem comprovar os mistérios líricos deste elemento. A menina dos olhos do pintor será sempre a sua pequenina e nunca dela se saberão verdades, ela será sempre fonte de sonhos e nunca alvo de racionalidades. Ah, e se ao saber das vossas teorias o velhote pintor se ri à gargalhada, ao ler estas minhas linhas, ele simplesmente... sorri.

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