A viagem

Mais uma vez estou aqui, na minha estação de foguetões à espera que algum passe e me venha buscar. Para onde? Se soubesse não o quereria, viagens pré-sabidas não se fazem de foguetão. Desejo a sua vinda e que me leve por espaços e tempos, de pretérito, onde a poesia era escrita no seu habitat natural, quando o poeta podia estar em perfeita comunhão consigo e com o que escrevia, duas coisas que no fundo se confudem. Por serem a mesma. Esses não precisavam de foguetões, e como os invejo... Eu sou obrigado a imaginar poesia na minha cabeça, desenhá-la, sabê-la real mas tão distante de mim. Mas este exercício sabe-me bem, apesar da nostalgia que me trespassa o peito. E pergunto-me: nostalgia não é saudade? Como posso ter saudades de viagens que não fiz, sítios que não visitei, cheiros que não saboreei, emoções que não me embalaram o coração? E sei algo esquisito mas que me faz sentir especial, de alguma forma... Eu já as fiz, já os visitei, saboreei, senti. Mesmo. É como um dejá-vù mais definido e seguro, mais fácil de apreciar... Já fui poeta de foguetão livre, uma outra qualquer vida que sem eu saber que tenha efectivamente existido projecta sombras coloridas na que agora sei real. E apercebo-me agora de que o meu foguetão já veio, já o apanhei e o destino a que me levou foi... a mim mesmo. Falta descobrir-me, agora. Não é fácil quando o viajante, a viagem, a partida, o destino e o propósito são todos eu.