sábado, 30 de janeiro de 2010
Via veritas e vita
Um dia, numa altura na qual o desentendimento parecia ter atingido o nível mais elevado, algo aconteceu. De dentro da pequena casa, saiu, repentinamente, um homem. Das quatro pessoas que haviam cá ficado fora, três espantaram-se com aquele repentino surgimento; todavia, a quarta parecia já esperar aquela vinda, se bem que não fosse capaz de explicar a razão. O recém-chegado tentou acalmar os ânimos, mas apenas encontrou receptor amistoso na quarta pessoa. Os outros não conseguiam entender o modo de agir daquele estranho. Viera e, de facto, tomara um comportamento absolutamente constrastante com o que as quatro pessoas anteriormente tinham. Falava de amor, e falava de um lugar fora daquela clareira; um lugar fantástico, banhado, não por um lago, mas por um imenso mar. A pessoa que o ouvia, encantada, ansiava por esse lugar, mas ouvia do sábio homem que era ainda cedo, muito aconteceria antes.
E, na verdade, algo de muito grande ocorreu. Duas das três pessoas que iam contra a atitude do homem, decidiram, num misto de medo e insensatez, matar o estranho. E mataram. A terceira apenas assistiu e a quarta, em minoria, nada pôde fazer; no entanto, quando sucumbiu e o corpo caiu morto, pesado, começou um violento terramoto, juntamente com o escurecer do céu. O abalo foi tão grande que do lado ocidental da floresta se abriu uma estreita passagem, de onde haviam caído várias árvores.
O quarto habitante sentiu-se só como nunca se havia sentido na vida; perdera a força e a razão de viver, algo que era agravado pela permanente vigilância de que era alvo por parte dos outros três, que receavam aquela semente que o estranho plantara naquela alma. Numa noite em que caminhava errante pela orla do lago, passou pela zona onde se abrira a passagem; nunca ali parara, mas agora fizera-o e, atentando ao que se situava no horizonte, percebeu que se tratava de uma quantidade de água muito superior aquela que ali existia: era o mar, o lugar mágico que o seu mestre tanto falara.
Subitamente inspirado, aquecido, apaixonado, percebeu que chegara o momento, e partiu. Na praia, encontrou um grande barco de madeira de pinheiro que, sabia-o, fora construído pelo homem, tanto que a bordo encontrou-o, não morto, nem sequer deitado ou sentado, mas ao leme, entusiasmado, animado, determinado. E foi por ele informado que, agora, teria que fazer uso das redes que existiam na embarcação e enchê-la de tripulantes. E assim o fez.
Visão
Vê tudo, de um golo
Vê amarelo frenético de excitação
Vê azul celeste de consolo.
Vê cara, percebe coração
Vê necessidade, estende a mão
Vê um sábio
Vê um tolo.
Deixa globo janela tornar
Enche-te de terra e fogo
E de água e de ar.
E quando já de fora tiveres a transbordar
É a hora de fechar.
E vê-te, demorado
Vê-te cheio, inteiro
De mundo enamorado.
Vê-te ontem e agora e fado
Vê-te pegando na escuridão
Pega no pincel, não digas não
Vê-te de mil cores e branco
Vê-te e olha-te e sê franco
Viste e não tens saída
Eterna entrada
Comprida.
Porque vês
Mas não vês nada.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Ponto de ebulição
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Quero
Tempus fugit
E Cronos indiferente vai
Adeus magia, morre a fada
E nós?
Nós não podemos fazer nada.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
História do Céu e do Mar
Dos cavalos, cavaleiros e espadas
Tudo eram magias filhas de fadas
Só havia conto, encanto, não certezas.
Nele aconteceu caso peculiar
Com poeta, amada e mãe
E com rei e má também
E o trovador que viveu p'ra contar.
Ela era loira, céu na vista
Filha de real casal
Para ela não queriam qualquer mal
E o mal pensavam ser o artista.
Este, lírico, esbelto, apaixonado
Contava em versos o amor incontável
Triste da vontade superior inabalável
Mas feliz de já ela o ter olhado.
Olhado e amado, de igual maneira
Ardente, fugaz, eterno
Sentimento doce e terno
Como a chama de fogueira.
A de mau génio mulher
Feiticeira de terrível força
Fez com que vontade do rei torça
E da mente lhe tomou poder.
Convocou então o enamorado
Que caído desejava tornar
E mandou-o missão realizar
Prometendo-lhe mão, se retornado.
"Desejas a minha filha" -
-Falava a bruxa manipuladora
"Então sai daqui para fora,
E ao fim do mundo trilha.
Traz-me prova de lá estadia
Para além da tua vida
Prepara já dura partida
E regressa enquanto dia."
Sabendo impossível tal missão
Mas mais o seria viver sem ela
Fervilha a mente e, como falta dela
Na amada espeta punhal, no coração.
"O fim do meu mundo agora vi
Sem o ouro e azul e de mi morte causador
Falta a minha vida, dou-ta sem dor
Porque estarei hoje com a que jaz aqui."
Ditos versos o punhal perfura
O sangue mancha e espalha
A maga, que intento falhara
Lança sobre os mortos praga dura.
"Falecidos eternos apenas se verão
Para sempre se hão-de procurar
Ele há-de ser o Céu, e ela o Mar
Próximos porém nunca se tocarão."
Assim se criou o firmamento
Magia infinita que amor separa
Mas há entre ambos coisa rara
Uma emoção, entendimento.
Ele dá-lhe cor e a fecunda
Ela o reflecte e o anima
Ele manda-lhe o Sol e ela o retorna acima
Numa relação intensa e profunda.
Vida, morte, Vida. Paraíso.
No meu dicionário
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Transcendente
Percebo-o gelo e, no calor quente
Da alma paixão ardente
Só há derreter
E água
E vapor
E nada.
Nada.
Porquê?
Sentimentos
Se calhar, estes sentimentos não existem realmente, ou pairem indefinidamente num qualquer universo paralelo, e só tomem vida quando um ser, numa qualquer parte da Terra, o sente. E sim, disse ser, porque não acredito nas balelas biológicas que me tentam impor a ideia de que os animais não sentem. Iludam-se, que eu bem sei que um cão abandonado chora porque viu as costas de sempre amou, e um pequeno pássaro canta porque a benção de um novo dia lhe invade a alma, e o Sol que se levanta lhe dá um gozo semelhante àquele que sinto por ser um pouquinho poeta e poder fazer chacota da Ciência nas suas próprias barbas.
Poema longo
O poema mais longo, agora dito:
É o escuro infinito
Fecho os olhos e já o vejo
Sem tempo como o primeiro beijo.
domingo, 24 de janeiro de 2010
Vida
De plantas e vida tratava
E o tutor, de sua maneira
Sobre algo incerto falava.
"Só com ele se vive e anda
Sustenta alimento e ar
No corpo humano manda
Por por ele se espalhar
Abundante e de rubra cor
É-nos fogo e energia
Propriedade sua é calor
Que não queima, aquecia."
Por fim calou palestra
Decidiu inútil continuar
A turma em saber era já mestra
E já sabia do que se estava a falar.
Mas pequena moça se insurgiu
E enfrentou o professor:
"Se fala de sangue mentiu;
O seu discurso, é de amor."
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Luz e sombra
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Canto e sacrifício
O cisne e o pelicano, para além do facto de serem aves, pouco ou nada têm em comum; de qualquer modo, cada um deles possui uma característica natural que me levam a admirá-los, por diferentes motivos. O primeiro, mais "poético", chamemos-lhe assim, está relacionado com o cisne. Este belo animal canta uma única vez na vida, precisamente quando está a morrer. No que toca ao pelicano, aquilo que me fascina prende-se por uma questão mais humana, de extremo sacrifício. A ave, em caso de grande necessidade, dá de beber às suas crias o seu próprio sangue, impedindo que morram à fome, acabando, muitas vezes, por desfalecer. As diferenças entre os dois seres, que incluem os próprios habitats naturais, tornam impossível qualquer encontro entre ambos; mas aconteceu, no tempo em que os animais falavam, e é muito importante, pela sua beleza, que seja conhecido.
O pelicano era solitário, o seu sentido de humor difícil nunca lhe havia permitido encontrar uma parceira, e consequentemente criar ninhada. Pouco se importava, de qualquer modo; qualquer relação que não fosse com ele mesmo parecia-lhe despropositada, inútil, incómoda mesmo. Limitava-se a responder às suas necessidades biológicas, comia, bebia, dormia. Por vezes passeava pelas paisagens rochosas à beira-mar, mas nunca se aventurava muito para lá da costa, para a floresta, afinal o alimento essencial para a sua sobrevivência, o peixe, abundava era ali, no largo oceano.
Numa dessas suas voltas, aconteceu algo inesperado; uma súbita tempestade rompeu, inesperada, fortíssima. "Brilhante", pensou o pelicano, "Tão longe do ninho que estou, havia logo de começar esta tempestade tão pesada... Os ventos estão violentíssimos..." De facto, parecia que se iria formar um tufão. Não demorou a que o pelicano cedesse perante aquela força da natureza, e, faltando-lhe as energias, desmaiou, sendo arrastado pela potente deslocação de ar.
O cisne, como qualquer um da sua espécie, era gracioso, de um branco muito puro, apesar da já avançada idade, e que combinava bem com a sua personalidade. Era gentil, e apesar de um pouco reservado, dava-se bem com os da sua espécie bem como com outros seres que viviam junto ao lago da floresta, onde vivia. Adorava apreciar as obras de arte que a Natureza lhe oferecia, e muitas vezes afastava-se do lago e caminhava pelas zonas mais próximas. Havia um local que gostava particularmente, uma gruta, mais perto da costa, mas ainda no bosque. Diversas vezes escapava-se para o seu interior e explorava a caverna. Um dia, quando se dirigia para aquele sítio, reparou, num fino rasto de sangue que se prolongava, a intervalos, até à entrada da gruta. “Esquisito”, estranhou o cisne, “Deve haver algum animal magoado! O melhor é entrar rapidamente, pode alguém precisar de ajuda.”
E assim o fez. Ao entrar, não precisou de caminhar muito para encontrar o ferido; era uma ave, mas nada parecida com nenhuma que conhecesse. Apesar de também ser branco, o pescoço era bem mais curto e a cabeça maior, saltando à vista o bico, que era meio esquisito. O sangue parecia vir da asa esquerda, que se encontrava num ângulo nada natural: estava partida. “Estás bem?” apressou-se o cisne a perguntar, “O que te parece?” ripostou o pelicano, friamente. “Desculpa, não foi por mal. O que te aconteceu? Que animal és tu?”. “Sou um pelicano” começou a ave, “Fui apanhado numa tempestade, desmaiei e acordei a noite passada ali fora. Como ainda chovia, consegui arrastar-me para aqui. Mas estou bem, um pouco mais de descanso e posso partir. Não preciso da tua ajuda…” O cisne, ainda que espantado com aquela reacção pouco amistosa, não desarmou posição. “Claro que precisas, sem uma das asas não conseguirás ir muito longe. Talvez com repouso possas caminhar um pouco e consigas ir até junto dos da tua espécie. Mas, até lá, não podes ficar sozinho! Vou até ao meu lago e daqui a nada trago-te peixe para comeres. Faço-te compan…” “Eu não quero a tua companhia para nada! Nem o teu peixe, nem o teu lago, nem o teu nada! Percebeste? VAI EMBORA!”, gritou o pelicano, já deveras chateado. “Está bem, tu é que sabes…” limitou-se a responder o cisne. E saiu.
Mas ausentou-se da caverna por escassos minutos, pouco depois regressou com alimento para o pelicano, que, já sem forças para ripostar, teve que aceitar a ajuda do cisne. Apesar de tudo, não deixou de se admirar com a atitude do outro animal; nunca haviam tido uma como aquela para consigo, qualquer outro ser preferia simplesmente afastar-se do casmurro pelicano. Acabou por aceitar a permanência do cisne na gruta, apenas interrompida pelas ocasionais saídas para ir buscar mais mantimentos. Passaram-se três dias. Nesse tempo, a amabilidade do cisne acabou por vergar um pouco a dureza do pelicano, que nem por isso deixou de ser antipático. Simplesmente foi crescendo maior afinidade entre os dois, algo natural, vistas as largas horas que agora passavam juntos. Também o estado físico do ferido foi melhorando, mas a asa, apesar de em melhor estado, ameaçava não regressar tão depressa à plena forma. Acabaram por decidir que o melhor era o pelicano regressar, a pé, para junto da costa, onde outros animais da sua espécie o poderiam acolher e mais facilmente ajudar a melhorar. O cisne refutou qualquer argumento do pelicano, que insistia em fazer aquela caminhada, curta mas difícil, sozinho.
Acabaram por partir ao final do quarto dia; caminhavam devagarinho, afinal de contas, o pelicano encontrava-se débil e o cisne já estava longe da flor da idade, o que aliado ao estado do tempo, que continuava tempestuoso, configurava aquela como uma missão complicada. Mas nem tudo correu bem; nenhum deles alguma vez se aventurara por aqueles caminhos; o pelicano nunca por ali andara e o velho cisne jamais se afastara para além da caverna. Pensavam que achar o caminho não seria complicado, mas numa noite, acabaram por perceber que estavam perdidos. Se não andavam em círculos, então afastavam-se da costa, o que acabava por ser deveras pior; a determinada altura o caminho tornou-se inclusivamente a subir, mas era tarde demais para pensarem em voltar atrás. Já haviam caminhado imenso, dias a fio, e o alimento que consumiam estava longe de ser o apropriado para a dieta que necessitavam. O estado físico de ambos era deplorável, mas resistiram até chegarem até chegarem a um estranho local. Parecia uma planície, mas era na verdade um trilho intermédio de uma alta montanha. Chegando-se à berma, inundou-lhes a vista a mais bela paisagem que haviam visto em toda a sua vida; o oceano, a casa do pelicano, afogava-lhes a vista, e o sol lá do alto dava ao mar cores mágicas, indescritíveis. Mais à esquerda, era a floresta que reinava e, a custo, do meio das altas árvores, apercebia-se uma grande clareira, onde estaria o lago, a casa do cisne. “É a última coisa que vejo, amigo pelicano”, disse, com voz rouca, o cisne. “Não digas disparates cisne, nós vamos conseguir. Estás aqui por minh…” Mas o cisne já não estava a ouvir. Esfomeado, exausto e com a idade a pesar-lhe mais que ao pelicano, fixou o olhar no horizonte, fixando algo que só ele saberia. O sol brilhava-se na vista, que entretanto se fechou. E começou a cantar. Em pânico, o pelicano, que não percebia o canto mas sabia que estava a acontecer, resolveu fazer o que podia para impedir o horrível acontecimento que se aproximava. Como próprio bico, feriu o peito, espalhando imediatamente uma mancha de sangue pelas penas brancas da ave; aproximou-o do cisne, obrigando-o a beber. O sangue jorrava lentamente, mas tirava toda a réstia de energia que o pelicano ainda tinha. Pouco tardou a que este se deixasse cair, deixando de novo o bico do cisne a descoberto, donde de novo irrompeu um belo mas triste canto. Ao longe, o sol punha-se, lentamente, acompanhado pela música da ave, que lentamente colocou uma das asas sobre o pelicano, que por sua vez, a custo, esboçou um sorriso, soltando um arrastado “Obrigado”. O cisne soltou uma última lágrima.
E parou de cantar.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Fotografia
Pedaço de papel roubado da vida,
Memória tornada comprida
Como se fora passo de magia.
As melhores não são estas;
São as de olhos fechados
Galeria de pedaços saboreados
Não em papel mas imprimidas
Na alma.
Porque o que nos marca é presente
Fotografias são sombras do passado
Quem diz que só assim se lembra
É porque ou não ama ou ao falar
Mente.
Fotografias são quadradas
As objectivas são redondas
Vivências não têm forma
Como o som que tem de forma
Ondas.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Ouro puro
Há um tesouro neste mundo
Que é olho sobre bola azul
É norte, poente, este e sul
É rima do céu profundo.
Está em todo o lado
Não é Deus mas é divina
De beleza é fogo e mina
É história, presente e Fado.
É imaterial mas arranha
Inodora mas cheira a mar
Não tem cor mas tem brilhar
Um rio que sem molhar banha.
Não conhece chãos nem tectos
Mora em todos e é vadia
Este tesouro é a poesia
E este é um pequeno dos seus netos.