A chuva fustigava as janelas geladas, a rua estava escura e mesmo os candeeiros amarelos só pareciam realçar o breu da noite. Ao longe os pontinhos brilhantes da cidade traziam possibilidades de vida, de sonho, mais nostálgicos que promissores. Pareciam entrar na sala trocistas, com quem mostra um saboroso osso a um cão que, preso pela trela, nunca lhe conseguirá chegar. Dentro da divisão não havia qualquer luz própria, só o jogo de sombras e reflexos mortiços vindos de fora. A um canto do sofá estavam duas crianças, as únicas pessoas da casa, abraçadas; os irmãos, ela mais velhinha e ele muito pequenito, procuravam um no outro uma companhia que pareciam esperar em vão ver aparecer ao fundo da rua que descia, da qual não tiravam o olhar. O menino tremia ligeiramente nos braços da irmã, que se fazia protectora em idade de ser protegida. Uma pequena lágrima morava no canto do seu olho, uma parente quente das frias que lá fora caíam. De repente trovejou e um lampejo de luz e som inundou a rua e a sala, qual grito de gigante enfurecido. Os irmãos deram um pequeno salto, mas maior que o susto foi o sentimento de medo e inferioridade e encurralamento. A lágrima parada caiu e puxou outras. Mana, tenho medo, vamos ficar sozinhos muito tempo? Não estamos sozinhos, tens-me a mim e eu tenho-te a ti... e não há nada para teres medo! Mas está a chover tanto mana, e aqueles barulhos grandes... Olha bem, a chuva não passa de água, e a água não é boa? Vê, quando cai no alcatrão e nos carros, é como se lhes passassem um pouco de verniz, e as luzes tornam-se bonitas quando lá batem. Se cai na terra, então, dá de beber às árvores e às flores, para elas crescerem fortes e frescas. Levantou-se e abriu um pouquinho da janela; e sentes o cheirinho? É a mistura do cheiro do ar com o cheiro da terra, trazido pela água que nos aquece como se fosse fogo. Fechou-a de novo. Olhou para o rosto do irmão e dos lábios começara a brotar um sorriso. Ouve bem, só terás que ter medo do que quer que seja se estiveres sozinho. E tu nunca vais estar sozinho, porque eu vou estar sempre aqui. Se estiver frio abraço-te, se estiver calor dar-te-ei de beber. Se estiver escuro dar-te-ei a mão, se a luz te ofuscar a vista eu serei então sombra. Venha quem vier, estarei contigo, seja onde for. Abraçou de novo o irmão depois de lhe ter abraçado o coração. Olharam juntos rua e as luzes já lhes pareciam bonitos enfeites de um Natal já não assim tão distante; a nostalgia deu lugar à esperança e até a chuva fria caía como gotas de calor. Celebravam a trovoada e deixaram-se encantar com o seu espectáculo.
Entretanto, a porta da rua abriu-se a luz da sala acendeu-se. Estava tudo bem, agora.
domingo, 28 de novembro de 2010
Abrigo
Não quero ficar seco se não tencionas de facto abrigar-me. Vá, finjamos só mais um pouco que brilha quente o Sol... Depois, voltarei para a o conforto da chuva fria.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Loucura
Não há vergonha em ser-se louco
Rubras faces por rubro o peito
A virtude está em ser defeito
Não é capricho, mas ser-se são...
É ser-se tão...
Pouco.
Quem nunca amou que a fome deixara?
Quem, pergunto, foi sempre racional?
Até o ódio pode não fazer mal
Se manter vivo e insano a bater
Como o sangue sempre a correr
De uma ferida que nunca sara.
Ah, nos filmes de branco e preto
É o cinzento, rebelde, a diferença
É minha forte a crença
Que se fora o mundo de justiça entupido
Bom era ser-se bandido
E assaltar o que é parado, certo.
Há-de ser a morte a curva da direita estrada
O fogo no imenso gelo duro
Derreterá água como cairá o muro
E depois, a vida eterna que já teve início.
Há quem pense que seja precipício
Voarei eu na minha diferença alada.
Rubras faces por rubro o peito
A virtude está em ser defeito
Não é capricho, mas ser-se são...
É ser-se tão...
Pouco.
Quem nunca amou que a fome deixara?
Quem, pergunto, foi sempre racional?
Até o ódio pode não fazer mal
Se manter vivo e insano a bater
Como o sangue sempre a correr
De uma ferida que nunca sara.
Ah, nos filmes de branco e preto
É o cinzento, rebelde, a diferença
É minha forte a crença
Que se fora o mundo de justiça entupido
Bom era ser-se bandido
E assaltar o que é parado, certo.
Há-de ser a morte a curva da direita estrada
O fogo no imenso gelo duro
Derreterá água como cairá o muro
E depois, a vida eterna que já teve início.
Há quem pense que seja precipício
Voarei eu na minha diferença alada.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Da madrugada para a noite
Avózinha, não sei bem para onde vais, e estou agora um bocado triste porque a mãe não me deixa ir despedir-me de ti. Ela vai! Só me disse que eu podia escrever-te qualquer coisinha e prometeu-me que te ia entregar, só não jurou que ias ler, mas isso sei eu que vais.
A mãe disse que ias fazer uma grande viagem. Para onde vais avó? E quem me vai contar as minhas histórias preferidas? A mãe já tentou, mas falta-lhe qualquer coisa na voz, talvez tenhas andado numa escola melhor, ou talvez tenhas andado lá mais tempo. E quem vai ajudar-me a vestir as minhas bonecas? Bem sei que começo a não ter idade para isso, mas isso é o que dizem, e sempre me ensinaste que nunca haverá idade para deixarmos de ser crianças e que tu mesma ainda eras uma menina como eu. É isso avó, vais ter uma visita de estudo? Deve ser muito longe, para nunca mais voltares, pelo menos deves ir aprender muitas coisas e muito bonitas. Talvez um dia mas possas contar avózinha, de certeza que também vais encontrar princesas e bruxas más.
Vou ter muitas saudades avó. Agora que me lembro, disseste-me uma vez que o avô tinha ido fazer uma viagem muito grande mesmo antes de eu nascer, mas que onde quer que estivesse sempre me amara também. Será que vais ter com ele? Espero que sim, eu bem via o brilhozinho que tinhas nos olhos quando falavas dele, como ficavas contente e orgulhosa. Se fores, dá-lhe um beijinho meu, ou melhor, dá muitos, que para sempre é muito tempo por isso tempo não te faltará. Ele foi o teu único namorado não foi? E eu a tua única neta. Acho que isso quer dizer que não precisamos de conhecer muitas pessoas para amarmos muito. Ainda bem...
Não sei que te possa dizer mais, a verdade é que me conheces como ninguém e tudo o que eu possa dizer e sentir tu já podes adivinhar. Sabes que tudo isto é verdade, e mais do que isso, sabes que muito mais fica por dizer e que poderia ser dito se ao menos eu te pudesse e dar um abraço e sorrir para ti, só isto. Vais de barco ou de avião avó? Ou de carro? Como vais não sei, nem sei para onde, mas sei como e onde ficas, ficas no meu coração. Adeus avó, gosto muito de ti.
A mãe disse que ias fazer uma grande viagem. Para onde vais avó? E quem me vai contar as minhas histórias preferidas? A mãe já tentou, mas falta-lhe qualquer coisa na voz, talvez tenhas andado numa escola melhor, ou talvez tenhas andado lá mais tempo. E quem vai ajudar-me a vestir as minhas bonecas? Bem sei que começo a não ter idade para isso, mas isso é o que dizem, e sempre me ensinaste que nunca haverá idade para deixarmos de ser crianças e que tu mesma ainda eras uma menina como eu. É isso avó, vais ter uma visita de estudo? Deve ser muito longe, para nunca mais voltares, pelo menos deves ir aprender muitas coisas e muito bonitas. Talvez um dia mas possas contar avózinha, de certeza que também vais encontrar princesas e bruxas más.
Vou ter muitas saudades avó. Agora que me lembro, disseste-me uma vez que o avô tinha ido fazer uma viagem muito grande mesmo antes de eu nascer, mas que onde quer que estivesse sempre me amara também. Será que vais ter com ele? Espero que sim, eu bem via o brilhozinho que tinhas nos olhos quando falavas dele, como ficavas contente e orgulhosa. Se fores, dá-lhe um beijinho meu, ou melhor, dá muitos, que para sempre é muito tempo por isso tempo não te faltará. Ele foi o teu único namorado não foi? E eu a tua única neta. Acho que isso quer dizer que não precisamos de conhecer muitas pessoas para amarmos muito. Ainda bem...
Não sei que te possa dizer mais, a verdade é que me conheces como ninguém e tudo o que eu possa dizer e sentir tu já podes adivinhar. Sabes que tudo isto é verdade, e mais do que isso, sabes que muito mais fica por dizer e que poderia ser dito se ao menos eu te pudesse e dar um abraço e sorrir para ti, só isto. Vais de barco ou de avião avó? Ou de carro? Como vais não sei, nem sei para onde, mas sei como e onde ficas, ficas no meu coração. Adeus avó, gosto muito de ti.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Teria sido tudo um sonho? III
- Afonso?! É a tua cena agora, entra em palco. Já!
O responsável pela peça empurra-o para o palco e, nervoso, assiste ao final da cena:
- Oh forte homem, quem sou eu sem ti? Mulher forte.. Mulher fraca! Vivo enganada, pensando que esperas por mim!
- Minha querida amada, já te disse hoje que te encontras maravilhosa? Não penses que não te quero, o amor é muito mas o tempo é zero..!
O responsável interrompe:
- Corta! Corta! Corta! Está péssimo! Já estou cansado destes fracassos! Por hoje terminamos, amanha quero-vos melhor, bem melhor!
A actriz que acompanhava Afonso no palco mostrou-se desiludida, olhou para ele e fez um ar de derrotada. Ele encolheu os ombros como resposta e foi para perto dela.
- Clara, acompanhas-me num chá?
Afonso há muito que desejava a sua companhia, nunca tivera coragem para lhe dizer o que lhe ia no coração mas sempre que via uma oportunidade, aproveitava. Clara era a mulher perfeita para ele. Cabelo ruivo, olhos esverdeados, pele de porcelana, bem pálida e juvenil sem um único defeito, uns lábios tão bem delineados que lhe dava vontade de a beijar loucamente! Será que Clara sentiria o mesmo? Será que também ela o achava atraente, charmoso? Seria possível uma mulher tão simples gostar de um homem portador de extrema arrogância como muitos dizem que ele possuía?
Clara ao ouvir o convite de Afonso sentiu um nervoso miudinho. Há muito que desejava a sua companhia mas a vergonha falava sempre mais alto, o medo do amor tomava posse da sua boca e sempre que ele a convidava para algo, recusava sempre. Mas, oh, como ela o achava um homem único, raro, inconfundível, belo..! De cabelos pretos, olhos extremamente profundos e sinceros, uma pele atraente, morena e suave, e uma boca.. Uma boca que incontrolavelmente levava os olhos de Clara fixar nos seus lábios! Que desejo!
- Sim, acompanho, com todo o prazer.
Hoje é o dia, pensou ela. Hoje é o dia que me vou entregar ao amor!
Hoje é o dia, pensou Afonso. Hoje é o dia que me vou declarar a ela! Que lhe vou mostrar todo o meu amor! Sem medos!
Ambos saíram do teatro e dirigiram-se até ao café do centro da cidade. Quando chegaram, Afonso puxou a cadeira para Clara se sentar. Enquanto ele fazia de seguida o mesmo o empregado apareceu e perguntou o que desejavam. Afonso pediu um chá, para os dois, acompanhado de uns scones.
Depois do empregado ter saído Clara fixou-se em Afonso, estava perdida nele, completamente aluada.
Afonso apercebendo-se disso fixa também os seus olhos nos dela. Clara ao reparar deixa-se levar pelo ambiente e os dois ali ficam, com os olhos penetrados um no outro. Não era preciso dizer nada, ambos sabiam perfeitamente o que cada um sentia. Ficaram assim horas e horas, completamente hipnotizados.
Chegou a noite. A cama estava quente, o quarto um tanto iluminado pelas velas, os cortinados abertos para se puder ver a lua cheia dessa magnífica noite e as roupas espalhadas pelo chão. Autênticos denunciadores de uma noite de amor. Clara pousava a cabeça no peito de Afonso e este envolvia-a nos seus braços. Nesse dia o amor falou mais alto, o desejo apoderou-se deles e calorosamente entregaram-se um ao outro.
Enquanto trocavam juras de amor começam a ouvir pequenos barulhos provenientes da fechadura do quarto e de repente a porta abre-se e entram dois, três homens altos, bem constituídos e um baixo, gordo, de cabelos grisalhos, bochechas vermelhas que gritava bem alto:
- Que desilusão Afonso! O que é isto? Era aqui que devias estar? Com uma mulher na cama, em vez de estares a fazer o que realmente devias? Uma desilusão!
- Mas pai..
Nesse momento os homens fortes agarram em Clara e arrancam-na da cama! Puxam-na dos braços de Afonso e ele, levantando-se rapidamente, tenta puxá-la para junto dele.
- Não pai! Não faça isto!
Clara gritava por Afonso, cada vez mais alto e os homens magoavam-na ainda mais, agarravam-lhe nos braços e desprendiam as suas mãos das de Afonso! Que aflição, que medo sentia ela.
Afonso estava louco. Tentava lutar contra eles, só a queria salvar, ficar junto dela!
- É agora que vais aprender Afonso! As mulheres não servem para nada, tens muito tempo para isso! Chega, concentra-te no que importa!
- Cale-se pai! Não a magoe, peço-lhe!
Já era tarde de mais. Saíram tão rápido da mesma forma de como tinham entrado! Afonso sai também, correndo atrás deles, com esperanças de os apanhar. Correu e correu sem os conseguir avistar até que se cansou. Sentou-se num banco de jardim e começou a chorar desalmadamente, acabando mais tarde por adormecer..
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Texto de resposta ao passatempo, por Helena Filipa.
Teria sido tudo um sonho? II
Sentindo um aperto no coração, começou por recordar-se como fora ali parar, ao mesmo banco onde 5 anos atrás pedira em casamento a sua mulher.
Tinha Afonso os seus 30 anos quando foi chamado para a Grande Guerra. Partiu, deixando para tras a mulher e a filha, as pessoas que mais amava no mundo (digo no mundo, porque ja seus pais partiram).
Na Guerra, cada tiro era para Afonso uma facada no seu coração: Não conhecia o inimigo. Ou seria amigo? Teria mulher? Teria filhos? Atormentado com a idéia de destruir outras famílias, outros amores, Afonso fugiu.
A única roupa que tinha levava-a no corpo, e os sapatos já estavam gastos. Durante 5 meses comia e bebia daquilo que a natureza lhe oferecia: seguindo sempre perto do rio, bebia da sua água, alimentava se de plantas q encontrava pelo caminho - que já eram escassas; porém, o que mais alimentava Afonso era o Amor. Era pela filha e pela mulher que passava todo aquele sacrifício. Afonso dava tudo, para poder voltar a olhar para elas.
Assim que chegou à sua cidade natal, Afonso sentiu-se renovado. Seguia pelas ruas onde ensinara a filha a andar de bicicleta, passou pela igreja na qual se casou, passou pela casa da parteira que ajudara no nascimento da filha. Olhando através das janelas das casinhas pequeninas, Afonso percebeu que era Natal: as crianças penduravam as meias na lareira e deixavam chocolate quente e bolachas em cima da mesa. Começou a correr, estava quase a chegar a casa, ao seu lar! Ainda ía a tempo de ajudar a embrulhar os últimos presentes.
Afonso subiu a rua dos correios, passou o pinheiro tão seu conhecido, passou pelo banco do jardim, e, de repente, estacou. Viu-a, pela primeira vez, ao fim de tanto tempo. Como estava grande! E bonita, saía à mãe! Entrou em casa, e ela correu para os seus braços. Maria olhou-o nos olhos: “A mãe está muito doente”.
Ao entrar no quarto, beijou a mulher, sabendo ambos que era o beijo da despedida.. “Estava à tua espera para poder partir em paz, cuida da nossa filha, fruto do nosso amor”.
Não suportando a dor, Afonso saíu, deitou-se no banco do jardim, a recordar-se de Natais outrora mais felizes, e adormeceu..
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Texto de resposta ao passatempo de escrita, por Francisca Guedes
Teria sido tudo um sonho? I
Era ainda noite mas o dia rompia, já cheirava a Sol na rua apesar de ainda reinar a Lua. Afonso estremeceu mal o primeiro raio lhe beijou o rosto. Acordou. Doíam-lhe as costas, afinal de contas um banco de jardim não é exactamente o mesmo que uma cama de dossel. Esfregou os olhos, à procura da realidade. Teria sido tudo um sonho?
Afonso de pouco se lembrava da noite passada: Será que chegou ali pelo seu próprio pé, ou terá sido trazido pelas cavalgadas aladas e aéreas de Pegassus? Realidade nunca teve tão longe para si e o próprio banco onde se tinha deitado, apesar de desconfortável, parecia de um material diferente. Depois de esfregar os olhos da sua preguiça matinal senta-se lentamente, enquanto esfrega toda a sua cara com ferocidade. Ao direccionar os olhos finalmente em direcção à paisagem que o rodeava ficou estupefacto: Estava rodeado de plantas exóticas, de animais falantes que jogavam e comunicavam entre si, viu todas as cores que já conhecia e viu inclusive cores que não conhecia, viu pessoas, viu fadas, viu unicórnios e grifos. Levantou-se e depois de esfregar mais uma vez os olhos para ver se não era ilusão, finalmente reage, aquilo que sentia era tão eclético, uma mistura de entusiasmo e surpresa, com um toque de alegria e susto. Não sabia bem o que sentir. Decidiu então correr, passou por árvores faladoras que lhe chegavam ao joelho e viu árvores cuja copa era desconhecida, percorreu cumes e montanhas, florestas e bosques numa questão de segundos. Tudo era perfeito. Chegou a uma falésia perto da praia, vazia por sinal. O mar estava calmo, ao menos daquela altitude aparentava estar. Viu o pôr-do-sol, e que bonito era. Não havia algo mais belo. Ali reflectiu em tudo o que tinha visto e pensado, só naquele momento. Sentir a luz de final de dia, assim como o vento calmo, o cheiro a maresia, fez com que o seu espírito atingisse outro nível. Contemplou mais uma vez a praia e, para sua surpresa, nota numa rapariga sentada à beira-mar. Não fazia mínima noção de como lá tinha aparecido mas há coisas que é melhor nem questionarmos desde que sejam reais. Desceu a falésia, muito rápido quase como se tivesse saltado directamente. Ao aproximar-se reparou então na beleza afrodisíaca daquela pessoa: cabelo negro como a azeitona, pela branquinha que nem uma nuvem. Eram os únicos naquela praia, logo a praia era deles. Quando chega um pouco mais perto devagarinho, ela finalmente repara na sua presença e sorri também um pouco envergonhada. Ele nunca vira sorriso tão bonito. Ganhou coragem e sentou-se perto dela. Ambos contemplavam o azul do mar, sem fim aparente até esta se encontrar com o azul do céu para uma união infinita. Ele naquele momento sentiu-se o céu, a cada vez que olhava na direcção daquela rapariga mais a via como o mar. Debaixo da sua pele fria, arrefecida pelo vento marítimo, o seu peito ardia e a sua barriga mexia do nervoso. Buscou coragem e nos confins do seu interior lá o encontrou para lhe fazer a pergunta: Como te chamas? Ela olhou-o com os seus olhos cor de amêndoa, que espelhavam a sua alma pura e inocente e responde: Chamo-me...
Os raios de sol atingem a cara de Afonso e este estremece. Sentiu ser levado violentamente por uma corrente imaginária fortíssima. Notou que tudo o que vira era um sonho, e agora tudo à sua volta parecia bem mais comum: o café, o passeio, a estrada e os prédios. Perguntou-se quem seria aquela rapariga misteriosa, era a única coisa do sonho que se lembrava. Afonso não sabia o porque de ter dormido naquele banco mas tinha acordado radiante, com um novo alento: Talvez ela ande por aqui...
Afonso de pouco se lembrava da noite passada: Será que chegou ali pelo seu próprio pé, ou terá sido trazido pelas cavalgadas aladas e aéreas de Pegassus? Realidade nunca teve tão longe para si e o próprio banco onde se tinha deitado, apesar de desconfortável, parecia de um material diferente. Depois de esfregar os olhos da sua preguiça matinal senta-se lentamente, enquanto esfrega toda a sua cara com ferocidade. Ao direccionar os olhos finalmente em direcção à paisagem que o rodeava ficou estupefacto: Estava rodeado de plantas exóticas, de animais falantes que jogavam e comunicavam entre si, viu todas as cores que já conhecia e viu inclusive cores que não conhecia, viu pessoas, viu fadas, viu unicórnios e grifos. Levantou-se e depois de esfregar mais uma vez os olhos para ver se não era ilusão, finalmente reage, aquilo que sentia era tão eclético, uma mistura de entusiasmo e surpresa, com um toque de alegria e susto. Não sabia bem o que sentir. Decidiu então correr, passou por árvores faladoras que lhe chegavam ao joelho e viu árvores cuja copa era desconhecida, percorreu cumes e montanhas, florestas e bosques numa questão de segundos. Tudo era perfeito. Chegou a uma falésia perto da praia, vazia por sinal. O mar estava calmo, ao menos daquela altitude aparentava estar. Viu o pôr-do-sol, e que bonito era. Não havia algo mais belo. Ali reflectiu em tudo o que tinha visto e pensado, só naquele momento. Sentir a luz de final de dia, assim como o vento calmo, o cheiro a maresia, fez com que o seu espírito atingisse outro nível. Contemplou mais uma vez a praia e, para sua surpresa, nota numa rapariga sentada à beira-mar. Não fazia mínima noção de como lá tinha aparecido mas há coisas que é melhor nem questionarmos desde que sejam reais. Desceu a falésia, muito rápido quase como se tivesse saltado directamente. Ao aproximar-se reparou então na beleza afrodisíaca daquela pessoa: cabelo negro como a azeitona, pela branquinha que nem uma nuvem. Eram os únicos naquela praia, logo a praia era deles. Quando chega um pouco mais perto devagarinho, ela finalmente repara na sua presença e sorri também um pouco envergonhada. Ele nunca vira sorriso tão bonito. Ganhou coragem e sentou-se perto dela. Ambos contemplavam o azul do mar, sem fim aparente até esta se encontrar com o azul do céu para uma união infinita. Ele naquele momento sentiu-se o céu, a cada vez que olhava na direcção daquela rapariga mais a via como o mar. Debaixo da sua pele fria, arrefecida pelo vento marítimo, o seu peito ardia e a sua barriga mexia do nervoso. Buscou coragem e nos confins do seu interior lá o encontrou para lhe fazer a pergunta: Como te chamas? Ela olhou-o com os seus olhos cor de amêndoa, que espelhavam a sua alma pura e inocente e responde: Chamo-me...
Os raios de sol atingem a cara de Afonso e este estremece. Sentiu ser levado violentamente por uma corrente imaginária fortíssima. Notou que tudo o que vira era um sonho, e agora tudo à sua volta parecia bem mais comum: o café, o passeio, a estrada e os prédios. Perguntou-se quem seria aquela rapariga misteriosa, era a única coisa do sonho que se lembrava. Afonso não sabia o porque de ter dormido naquele banco mas tinha acordado radiante, com um novo alento: Talvez ela ande por aqui...
Texto de resposta ao passatempo de escrita, por André Santos
domingo, 14 de novembro de 2010
O meu Titanic
A tasca cheirava a vícios e a mar e era num vício que eu apostava a minha ida para esse imenso mundo azul. Titanic, chamam-lhe, nem Deus o pode afundar, dizem. Levará daqui a minutos pessoas e bagagens e sonhos e queira a Sorte que me leve a mim também. Do outro lado do Atlântico esperam-me oportunidades, espera-me uma vida melhor. Ah, mas preciso de ganhar este jogo, tenho lá dinheiro para comprar bilhetes destes...
Perdi. O mundo que não poderei já construir caiu-me aos pés, sentia quase ódio pelos atarefados que preparavam agora o embarque naquele navio monstruoso. Como um pobre que observa as montras que não pode comprar, dirigi-me ao cais para ver a partida daquela gigantesca arca de tesouros boiante. Há quem beba para esquecer, eu quero-me lembrar bem das memórias que nunca construirei a bordo de Titanic.
Olhava para as pessoas que subiam para o barco, atarefadas, sorridentes umas (as que sempre riem e cá pouco deixam) e chorosas outras (aquelas que só rirão lá e cá deixam lágrima e saudade). Existiam vestidos bordados e calças rotas, penteados amadores e despenteados profissionais. Nem entravam pela mesma plataforma, e mesmo lá dentro, soube que não dificilmente se cruzariam classes. Talvez as casas de banho sejam as mesmas...
O meu carinho estava com a ponte dos pobres - pela qual eu mesmo teria subido - mas por momentos atentei melhor na zona dos altos estratos. Muito artificio, muita maquilhagem, muito sintético, muito plástico. No entanto, no meio de toda aquela inaturalidade, descobri um quente sorriso capaz de romper com as amarras das pinturas que o tentaram tapar. O meu coração falhou uma batida. Conheço-a? Impossível, só olho em frente nessas pobres travessas, nunca para cima em ricas avenidas. A minha alma dava-me imagens de momentos com aquela mulher de faces rosadas e olhos profundos, um intenso e demasiado real déjà-vu. A mulher reparou também em mim, e aquele sorriso até há pouco simples enfeite da sua bela expressão abriu-se propositadamente para mim, electrizante, terno, apaixonado. Sou quase capaz de jurar que me tentou alcançar com a sua delicada mão, mas sei lá se não quis ela só agarrar o corrimão da embarcação. Eu sim quis chegar-lhe, mas no meio daquele momento o tempo apenas parara para mim e para o mundo continuara a correr, e Titanic partiu, barulhento, vagaroso, como que fazendo chacota da minha miserável existência parada.
A encantadora figura atou à volta do meu coração uma corda que agarrou aos motores do navio; num momento de loucura - que viria a ser o meu derradeiro - decidi entregar a minha vida de artista a um momento de profunda arte, dirão uns, pura estupidez, dirão muitos mais, quem só os quis viver no meio de sonhos quentes numa cama confortável. Corri, rompi a barreira de sofrimento e lágrimas e atirei-me. O segundo que passei no ar, entre o cais e o mar, deu-me um misto de alegria e tristeza e saudade e nostalgia e paixão e tudo. Mergulhei e a água não me acordou, e desatei a nadar, furiosamente, parecia uma cotovia a tentar voar contra o sentido de um tornado. O gelo chegou-me aos ossos e a força de mim fugiu, mas nada mais havia a fazer. Poucos perceberam o que se passara, e estes pouco se importaram. Claro que lhes deu ocupação para uns segundos de curiosidade e fascínio próprio de quebra do normal, mas tinham a mente bem mais preenchida com a partida de Titanic. O sal que saía dos olhos juntava-se ao do mar e depressa o meu corpo fez o mesmo, inanimado e vivo como nunca estivera.
Talvez Deus não afunde o navio, a mim é que não afundou. Afundei-me voando, e se não me tornei Rei do Mundo, gritei para ele que era Rei... de mim mesmo.
Perdi. O mundo que não poderei já construir caiu-me aos pés, sentia quase ódio pelos atarefados que preparavam agora o embarque naquele navio monstruoso. Como um pobre que observa as montras que não pode comprar, dirigi-me ao cais para ver a partida daquela gigantesca arca de tesouros boiante. Há quem beba para esquecer, eu quero-me lembrar bem das memórias que nunca construirei a bordo de Titanic.
Olhava para as pessoas que subiam para o barco, atarefadas, sorridentes umas (as que sempre riem e cá pouco deixam) e chorosas outras (aquelas que só rirão lá e cá deixam lágrima e saudade). Existiam vestidos bordados e calças rotas, penteados amadores e despenteados profissionais. Nem entravam pela mesma plataforma, e mesmo lá dentro, soube que não dificilmente se cruzariam classes. Talvez as casas de banho sejam as mesmas...
O meu carinho estava com a ponte dos pobres - pela qual eu mesmo teria subido - mas por momentos atentei melhor na zona dos altos estratos. Muito artificio, muita maquilhagem, muito sintético, muito plástico. No entanto, no meio de toda aquela inaturalidade, descobri um quente sorriso capaz de romper com as amarras das pinturas que o tentaram tapar. O meu coração falhou uma batida. Conheço-a? Impossível, só olho em frente nessas pobres travessas, nunca para cima em ricas avenidas. A minha alma dava-me imagens de momentos com aquela mulher de faces rosadas e olhos profundos, um intenso e demasiado real déjà-vu. A mulher reparou também em mim, e aquele sorriso até há pouco simples enfeite da sua bela expressão abriu-se propositadamente para mim, electrizante, terno, apaixonado. Sou quase capaz de jurar que me tentou alcançar com a sua delicada mão, mas sei lá se não quis ela só agarrar o corrimão da embarcação. Eu sim quis chegar-lhe, mas no meio daquele momento o tempo apenas parara para mim e para o mundo continuara a correr, e Titanic partiu, barulhento, vagaroso, como que fazendo chacota da minha miserável existência parada.
A encantadora figura atou à volta do meu coração uma corda que agarrou aos motores do navio; num momento de loucura - que viria a ser o meu derradeiro - decidi entregar a minha vida de artista a um momento de profunda arte, dirão uns, pura estupidez, dirão muitos mais, quem só os quis viver no meio de sonhos quentes numa cama confortável. Corri, rompi a barreira de sofrimento e lágrimas e atirei-me. O segundo que passei no ar, entre o cais e o mar, deu-me um misto de alegria e tristeza e saudade e nostalgia e paixão e tudo. Mergulhei e a água não me acordou, e desatei a nadar, furiosamente, parecia uma cotovia a tentar voar contra o sentido de um tornado. O gelo chegou-me aos ossos e a força de mim fugiu, mas nada mais havia a fazer. Poucos perceberam o que se passara, e estes pouco se importaram. Claro que lhes deu ocupação para uns segundos de curiosidade e fascínio próprio de quebra do normal, mas tinham a mente bem mais preenchida com a partida de Titanic. O sal que saía dos olhos juntava-se ao do mar e depressa o meu corpo fez o mesmo, inanimado e vivo como nunca estivera.
Talvez Deus não afunde o navio, a mim é que não afundou. Afundei-me voando, e se não me tornei Rei do Mundo, gritei para ele que era Rei... de mim mesmo.
sábado, 13 de novembro de 2010
Persona
Eu tenho uma máscara igual ao meu corpo que uso sempre. Por isso, quando escrevo, nunca saberás, tu, se sou eu que o digo ou essa minha máscara criativa, se serão vozes de personagens por mim criadas. Nem eu sei bem, já. Podes chamar-lhe falsidade, eu só acho que é uma forma de poder ser mais verdadeiro.
Please Don't Tell Her
I hear she's kicking ass across the board and rock two hundred thousand higher scorer
Just in time to save the world of being taken over
She's a warrior
I couldn't play again because the game it never ended it never even landed on the can
And never let me in to spend my quarter
There's no love for me no more
Say it isn't so
How she easily come, and she easy go
Please don't tell her that I've been meaning to miss her
Because I don't
She was the girl with the broadest shoulders
But she would die before I crawled over them
She is taller than I am
She knew I wouldn't mind the view there
Or the altitude with a mouth full of air
She let me down the doubt came out until the now became later
Say that it isn't so
How she easily come, how she easy go
Please don't tell her that
'Cause she don't really need to know
That I'm crazy like the rest of us
And I'm crazier when I'm next to her
So why after the all of everything that came and went
I care enough to still be singing of the bitter end and broken eras
I told you I don't but
I am only trying to be the best with my intent to cure
The rest is sure to lay me ease the plural hurts of the words of reverse psychology
That's easier said
Easier than done
Please don't dare tell her what I've become
Please don't mention all the attention I have drawn
Please don't bother cause she'll feel guilty when I'm gone
Because I'm crazy like the rest of us
But I'm crazier when I'm next to her
And it's amazing how she's so self-assured
But I know she'd hate me if she knew my words
Do I hurt anymore
Do I hurt, well
I don't
I don't
I don't.
Just in time to save the world of being taken over
She's a warrior
I couldn't play again because the game it never ended it never even landed on the can
And never let me in to spend my quarter
There's no love for me no more
Say it isn't so
How she easily come, and she easy go
Please don't tell her that I've been meaning to miss her
Because I don't
She was the girl with the broadest shoulders
But she would die before I crawled over them
She is taller than I am
She knew I wouldn't mind the view there
Or the altitude with a mouth full of air
She let me down the doubt came out until the now became later
Say that it isn't so
How she easily come, how she easy go
Please don't tell her that
'Cause she don't really need to know
That I'm crazy like the rest of us
And I'm crazier when I'm next to her
So why after the all of everything that came and went
I care enough to still be singing of the bitter end and broken eras
I told you I don't but
I am only trying to be the best with my intent to cure
The rest is sure to lay me ease the plural hurts of the words of reverse psychology
That's easier said
Easier than done
Please don't dare tell her what I've become
Please don't mention all the attention I have drawn
Please don't bother cause she'll feel guilty when I'm gone
Because I'm crazy like the rest of us
But I'm crazier when I'm next to her
And it's amazing how she's so self-assured
But I know she'd hate me if she knew my words
Do I hurt anymore
Do I hurt, well
I don't
I don't
I don't.
Please Don't Tell Her, Jason Mraz
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Brisa
Brisa doce há muito anunciada
Sabe Deus que a desejo
Como a sede quer a água
Por mil anos dela soube
E por mil anos esperei.
Chegou a madrugada por fim
Em que passaria na minha estrada.
A minha vida não era aquele momento
Mas para aquele momento tinha sido vivida
Por isso não me sentei que não merecia
Sempre atento ao horizonte
Onde espreitava tímido o Sol.
Vi-a por fim. Era brisa e era doce
Como prometido na longa espera
E era muito mais que isto tudo
Eram palavras que nunca serão escritas
Ou tentadas.
Aproximou-se, e estendi a mão.
Tentei agarrá-la!
Senti-a na mão, ela beijou-ma
Mas era brisa e era doce
E eu não a agarrei.
Num ápice já lá vai, um brisa e uma vida
E para a frente, mais espera?
Pois esperarei não mais!
Ah, minto-me, esperarei.
Mas é pena que assim seja.
Pois quanto mais por algo se espera
Menos esse algo dura
E a brisa doce logo passa
E nunca a vou agarrar.
Resta-me viver p'ra esperar.
Sabe Deus que a desejo
Como a sede quer a água
Por mil anos dela soube
E por mil anos esperei.
Chegou a madrugada por fim
Em que passaria na minha estrada.
A minha vida não era aquele momento
Mas para aquele momento tinha sido vivida
Por isso não me sentei que não merecia
Sempre atento ao horizonte
Onde espreitava tímido o Sol.
Vi-a por fim. Era brisa e era doce
Como prometido na longa espera
E era muito mais que isto tudo
Eram palavras que nunca serão escritas
Ou tentadas.
Aproximou-se, e estendi a mão.
Tentei agarrá-la!
Senti-a na mão, ela beijou-ma
Mas era brisa e era doce
E eu não a agarrei.
Num ápice já lá vai, um brisa e uma vida
E para a frente, mais espera?
Pois esperarei não mais!
Ah, minto-me, esperarei.
Mas é pena que assim seja.
Pois quanto mais por algo se espera
Menos esse algo dura
E a brisa doce logo passa
E nunca a vou agarrar.
Resta-me viver p'ra esperar.
Etéreo
No sonho não há barreiras
Há mil e nenhuma maneiras
Não há trânsito nem estrada
No sonho há tudo e não há nada.
Há mil e nenhuma maneiras
Não há trânsito nem estrada
No sonho há tudo e não há nada.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Amo-te por isso adeus, até ontem
És minha.
São meus os olhos teus
Antes de os conquistar,
Como que já os tinha.
És minha.
Ah, bem chorei
E sofri
E não morri
Porque amor, um dia jurei
É de vida lei
E não de morte.
Ah, Sorte
Deste-ma. Ela é minha!
Em que me olhaste foi bela a hora
Agora, que te tenho...
Vou embora.
Porque não te quero perder. Esse sorriso que me ama quero sempre guardá-lo meu, como se eu fora uma ostra e tu a minha pérola, o meu diamante. Os diamantes são eternos. Sabes, gostava de morrer novo, mas como sou cobarde, vou morrer velho com pena de não ter morrido novo. Porque viver muito cansa, e a pele queixa-se, e o tempo não a ouve, o tempo não tem sentidos, o tempo só passa. Ah, que medo tenho dele. Ele passará para sempre, mas eu só por momentos passarei por ele. Depois morro que sou humano, e antes envelheço e choro ao olhar para trás. Não me estou a queixar, quem sou eu para implorar diferenças? Sim, amo-te, por isso adeus. Amanhã não olharei para o teu rosto do amanhã, mas recordar-me-ei, sempre, do teu sorriso de hoje. E não terei mais ninguém, sou rei de conquistar uma só terra. Vou-me sentar no meu trono de gente, enquanto Deus se ri porque Ele a todos ama e Ele todos tem. Desculpa, mas não posso ver o teu sorriso todos os dias e arriscar um dia ver o teu choro ou ver o meu por tua causa. Leva-me contigo ao teu ombro, no teu coração, no dedo mindinho do pé, sei lá, onde te der mais jeito e onde mais te lembrares de mim. Tu ficas comigo, no meu ombro, no meu coração, no meu dedo mindinho do pé. Porque depois de te ter eu já não serei eu, mas uma mescla de mim contigo a qual só serão subtraídos os anos que não olharemos juntos o horizonte nem construiremos pois o nosso. É como te digo. O amor deviam ser memórias, pois essas não se alteram. A vida muda, sei lá se o Sol nascerá amanhã, e não me venham matemáticos e astrónomos com probabilidades. Eu não sei e eles só fingem saber, porque lhes sabe bem esse sofá de lona. Para quê ficar contigo e amanhã não ver o nascer do Sol se posso ir embora e para todo o sempre recordar o pôr-do-Sol que vimos juntos? Nem eu nem tu controlamos a direcção do Amor, e eu sei lá onde aprendeu ele a conduzir. Amanhã ele pode ter um acidente e destas tragédias não há cinto nem seguro que nos valha. Perde-se perde-se, sem remédio. Por isso podes continuar sozinha, eu continuo eu, ou continuamos os dois por estradas diferentes. A nossa paragem, eumaistu, é aqui.
São meus os olhos teus
Antes de os conquistar,
Como que já os tinha.
És minha.
Ah, bem chorei
E sofri
E não morri
Porque amor, um dia jurei
É de vida lei
E não de morte.
Ah, Sorte
Deste-ma. Ela é minha!
Em que me olhaste foi bela a hora
Agora, que te tenho...
Vou embora.
Porque não te quero perder. Esse sorriso que me ama quero sempre guardá-lo meu, como se eu fora uma ostra e tu a minha pérola, o meu diamante. Os diamantes são eternos. Sabes, gostava de morrer novo, mas como sou cobarde, vou morrer velho com pena de não ter morrido novo. Porque viver muito cansa, e a pele queixa-se, e o tempo não a ouve, o tempo não tem sentidos, o tempo só passa. Ah, que medo tenho dele. Ele passará para sempre, mas eu só por momentos passarei por ele. Depois morro que sou humano, e antes envelheço e choro ao olhar para trás. Não me estou a queixar, quem sou eu para implorar diferenças? Sim, amo-te, por isso adeus. Amanhã não olharei para o teu rosto do amanhã, mas recordar-me-ei, sempre, do teu sorriso de hoje. E não terei mais ninguém, sou rei de conquistar uma só terra. Vou-me sentar no meu trono de gente, enquanto Deus se ri porque Ele a todos ama e Ele todos tem. Desculpa, mas não posso ver o teu sorriso todos os dias e arriscar um dia ver o teu choro ou ver o meu por tua causa. Leva-me contigo ao teu ombro, no teu coração, no dedo mindinho do pé, sei lá, onde te der mais jeito e onde mais te lembrares de mim. Tu ficas comigo, no meu ombro, no meu coração, no meu dedo mindinho do pé. Porque depois de te ter eu já não serei eu, mas uma mescla de mim contigo a qual só serão subtraídos os anos que não olharemos juntos o horizonte nem construiremos pois o nosso. É como te digo. O amor deviam ser memórias, pois essas não se alteram. A vida muda, sei lá se o Sol nascerá amanhã, e não me venham matemáticos e astrónomos com probabilidades. Eu não sei e eles só fingem saber, porque lhes sabe bem esse sofá de lona. Para quê ficar contigo e amanhã não ver o nascer do Sol se posso ir embora e para todo o sempre recordar o pôr-do-Sol que vimos juntos? Nem eu nem tu controlamos a direcção do Amor, e eu sei lá onde aprendeu ele a conduzir. Amanhã ele pode ter um acidente e destas tragédias não há cinto nem seguro que nos valha. Perde-se perde-se, sem remédio. Por isso podes continuar sozinha, eu continuo eu, ou continuamos os dois por estradas diferentes. A nossa paragem, eumaistu, é aqui.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Génesis
Era uma vez um velhote, que só não era mesmo velho porque para ele não existia tempo. E este velhote era pintor, mas não era um pintor qualquer. Tinha na sua paleta de pintor 4 Cores, e eram elas o Castanho, o Vermelho, o Transparente e o Azul. Sim Transparente, eu bem vos digo que não era um pintor qualquer. Este pintor, em toda a sua vida, só pintou um quadro e é desse que interessa contar.
Pois nem o quadro deste pintor especial não era também ele nada comum. Era uma esfera. A esfera se a vissem agora seria muito grande, mas para aquele velhote era muito pequena, porque para além de não conhecer o tempo, o pintor não conhecia o espaço. Por isso talvez nunca ninguém tenha visto este pintor velhote, talvez ele seja maior que o tamanho que se conheça. Adiante. Começou por preencher toda a esfera branca do seu Castanho. Pintou montanhas, planícies, vales, desertos, que depois encheu de animais e plantas e árvores. E punha muito amor nisso tudo que pintava. Quando terminou, chamou àquela primeira parte da sua obra Terra.
Depois pegou no Vermelho e desenhou uma chama, que soprou na sua esfera, e deu vida à primeira parte do quadro. Os animais mexiam-se na Terra e as plantas nela cresciam, e o pintor ficou muito feliz.
Depois com o Transparente encheu o espaço entre a esfera e a sua oficina de trabalho. Sem isto, decidiu, não haveria diferença entre a Terra e a sua oficina e a sua própria pessoa, pelo que enquanto vivessem na Terra, todos aqueles animais não poderiam existir sem ao que chamou Ar. E tudo parecia completo, os três irmãos Terra e Fogo e Ar criavam aquele belo quadro, vivo, alegre.
Mas faltava qualquer coisa. O pintor olhava para ele e via tudo e claro, gostava! Mas via tudo. Ama-se muito o que se conhece mas paixão, essa está reservada para o misterioso, para o escondido, o desconhecido. Ali, tudo era conhecido, num relance tudo se sabia. E isso deixava o velhote triste. Então, olhou para a paleta e viu o Azul. Num momento de pura genialidade, pegou nele e mais do que pintar, escavou na esfera e encheu as enormes fossas desse Azul. Criou então rios, lagos, nascentes. E criou um enorme mar.
De fora só se via azul, como que espelho dos também azuis olhos do pintor. Mas por dentro muito havia escondido. Mais animais, mais cores, mais sabores e mais nada que poderá ser aquilo que nós quisermos. Como se dentro daquele mar existissem mil esferas em branco à espera de serem preenchidas com a paleta da imaginação. Nasceu então o quarto irmão, a Água, a mais novinha dos quatro mas (e isto é segredo, shiu) a preferida do velhote pintor. De inspiração nascida, viria a Água mais tarde dar de beber a poetas e sonhadores, dando à luz ela própria inspiração. E ao contrário da Terra do Fogo e do Ar, nunca será totalmente descoberta, e mais, como se fora barro, será motivo de construção de novas realidades.
Pensará o prezado leitor sabido das ciências que nunca poderia assim ter sido, que a vida antes nascida veio deste mesmo mar. Por isso nunca poderia a Água vir em último. Mas isso, digo eu, só vem comprovar os mistérios líricos deste elemento. A menina dos olhos do pintor será sempre a sua pequenina e nunca dela se saberão verdades, ela será sempre fonte de sonhos e nunca alvo de racionalidades. Ah, e se ao saber das vossas teorias o velhote pintor se ri à gargalhada, ao ler estas minhas linhas, ele simplesmente... sorri.
Pois nem o quadro deste pintor especial não era também ele nada comum. Era uma esfera. A esfera se a vissem agora seria muito grande, mas para aquele velhote era muito pequena, porque para além de não conhecer o tempo, o pintor não conhecia o espaço. Por isso talvez nunca ninguém tenha visto este pintor velhote, talvez ele seja maior que o tamanho que se conheça. Adiante. Começou por preencher toda a esfera branca do seu Castanho. Pintou montanhas, planícies, vales, desertos, que depois encheu de animais e plantas e árvores. E punha muito amor nisso tudo que pintava. Quando terminou, chamou àquela primeira parte da sua obra Terra.
Depois pegou no Vermelho e desenhou uma chama, que soprou na sua esfera, e deu vida à primeira parte do quadro. Os animais mexiam-se na Terra e as plantas nela cresciam, e o pintor ficou muito feliz.
Depois com o Transparente encheu o espaço entre a esfera e a sua oficina de trabalho. Sem isto, decidiu, não haveria diferença entre a Terra e a sua oficina e a sua própria pessoa, pelo que enquanto vivessem na Terra, todos aqueles animais não poderiam existir sem ao que chamou Ar. E tudo parecia completo, os três irmãos Terra e Fogo e Ar criavam aquele belo quadro, vivo, alegre.
Mas faltava qualquer coisa. O pintor olhava para ele e via tudo e claro, gostava! Mas via tudo. Ama-se muito o que se conhece mas paixão, essa está reservada para o misterioso, para o escondido, o desconhecido. Ali, tudo era conhecido, num relance tudo se sabia. E isso deixava o velhote triste. Então, olhou para a paleta e viu o Azul. Num momento de pura genialidade, pegou nele e mais do que pintar, escavou na esfera e encheu as enormes fossas desse Azul. Criou então rios, lagos, nascentes. E criou um enorme mar.
De fora só se via azul, como que espelho dos também azuis olhos do pintor. Mas por dentro muito havia escondido. Mais animais, mais cores, mais sabores e mais nada que poderá ser aquilo que nós quisermos. Como se dentro daquele mar existissem mil esferas em branco à espera de serem preenchidas com a paleta da imaginação. Nasceu então o quarto irmão, a Água, a mais novinha dos quatro mas (e isto é segredo, shiu) a preferida do velhote pintor. De inspiração nascida, viria a Água mais tarde dar de beber a poetas e sonhadores, dando à luz ela própria inspiração. E ao contrário da Terra do Fogo e do Ar, nunca será totalmente descoberta, e mais, como se fora barro, será motivo de construção de novas realidades.
Pensará o prezado leitor sabido das ciências que nunca poderia assim ter sido, que a vida antes nascida veio deste mesmo mar. Por isso nunca poderia a Água vir em último. Mas isso, digo eu, só vem comprovar os mistérios líricos deste elemento. A menina dos olhos do pintor será sempre a sua pequenina e nunca dela se saberão verdades, ela será sempre fonte de sonhos e nunca alvo de racionalidades. Ah, e se ao saber das vossas teorias o velhote pintor se ri à gargalhada, ao ler estas minhas linhas, ele simplesmente... sorri.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Poema da meia-noite
Morre e logo nasce
Ah, o dia aclama o Buda.
Passa a velha noite muda
A manhã, ao fundo, faz-se.
Pena eu não ser assim
Um dia é apenas mais um
Amanheço mas não há raio nenhum
Brilhará o Sol por mim?
Ah, o dia aclama o Buda.
Passa a velha noite muda
A manhã, ao fundo, faz-se.
Pena eu não ser assim
Um dia é apenas mais um
Amanheço mas não há raio nenhum
Brilhará o Sol por mim?
Intensidades
Andei em montanhas russas
Saltei de aviões
Beijei corações
Vivi e provei
Mil sabores
Mil emoções
E peguei de mão segura
Caneta de tinta pura
E nada ao papel
Acrescentei.
Depois sorri e vi-te
Perdida algures na minha mente
Não uma memória
Algo diferente
O choro foi contente
E a mão, ah, que história.
Tremida mais que a pobre alma
Escreveu, com breve calma
Um poema
Sem tema
Só de glória.
Saltei de aviões
Beijei corações
Vivi e provei
Mil sabores
Mil emoções
E peguei de mão segura
Caneta de tinta pura
E nada ao papel
Acrescentei.
Depois sorri e vi-te
Perdida algures na minha mente
Não uma memória
Algo diferente
O choro foi contente
E a mão, ah, que história.
Tremida mais que a pobre alma
Escreveu, com breve calma
Um poema
Sem tema
Só de glória.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Dorme bem
Fecha os teus olhos quentes
Ouve só sem os abrir
Sussurro-te beijos que só tu sentes
Por serem teus são diferentes
Flores e sorrisos a abrir.
Esquece o frio e esquece o mundo
Nos meus braços não há mal
A tua alma de mim inundo
Damos um mergulho bem fundo
Só com início, sem final.
Sonha com as cores e com o mar
São tua casa, o teu aconchego
E sonha que comigo vens voar
O mundo das nuvens desvendar
Sentir euforia, num sossego.
Não possuo nenhum grande poder
Não sou mágico, não tenho varinha!
Mas ao adormecida assim te ver
Sinto-me capaz de tudo fazer
Tenho-te aqui, sem seres minha.
Ouve só sem os abrir
Sussurro-te beijos que só tu sentes
Por serem teus são diferentes
Flores e sorrisos a abrir.
Esquece o frio e esquece o mundo
Nos meus braços não há mal
A tua alma de mim inundo
Damos um mergulho bem fundo
Só com início, sem final.
Sonha com as cores e com o mar
São tua casa, o teu aconchego
E sonha que comigo vens voar
O mundo das nuvens desvendar
Sentir euforia, num sossego.
Não possuo nenhum grande poder
Não sou mágico, não tenho varinha!
Mas ao adormecida assim te ver
Sinto-me capaz de tudo fazer
Tenho-te aqui, sem seres minha.
domingo, 7 de novembro de 2010
Espelho
Nos tempos da mágica alquimia
Um sábio cientista, dito lunático
Usou-se da sua louca sabedoria
P'ra criar um espelho muito prático.
Não reflectia coisas nem pessoas
Dava só contrários sentimentos
Transformava em más as coisas boas
Mostrava risos a quem lhe desse lamentos.
Usou-o o nosso amigo cientista
Num poema que ele mesmo escreveu
Saiu uma obra nunca antes vista
Eis então o que aconteceu:
Olho à volta e vejo ódio venerado Olho à volta e vejo o amor reinante
Choro, desespero, morte, tristeza Riso, esperança, vida, alegria!
Choro também eu, envenenado Rio também eu, que é cativante
Não me sinto seguro, é tudo incerteza. Seguro estou de que é real a fantasia.
O mundo desaba sem futuro O mundo gira e cores liberta
Onde anda o amor, perdido? O amor é Deus, omnipresente
Corro e logo bato num muro Cada canto é enorme porta aberta
Frio, cinzento, infinitamente comprido. Para o mar imenso, resplandecente.
Deito-me nu entregue ao gelo Grito e elevo os braços ao céu
Onde andas, calor paixão? Aquecido pela no peito emoção
Ninguém ouve o meu apelo Todos ouvem e cantam o canto meu
O tecto é escuro, é escuro o chão. Não há paredes, fronteiras, só coração.
Imortalidade
Tive uma vez um amigo que estava apaixonado, mas só via o doce dos seus olhos uma vez por semana e nunca por mais de meia ou uma hora. Então, vivia as restantes 167 horas da semana em função daquela. Uma vez perguntei-lhe, preocupado, se não se importava de perder tanta vida por só pensar num reles hora que logo passava. Ele respondeu-me que a vida que perdia ganhava-a setenta e sete vezes mais naquela hora, por isso não perdia vida, simplesmente vivia mais do que alguma vez eu viverei.
sábado, 6 de novembro de 2010
União sem facto
Jovem sou e boa rapariga
Quer senhor meu pai casar-me
Mas não me parece que consiga
Pois nenhum homem me instiga
Não é fácil, mão no peito, agradar-me.
Pois procuro mais do que é olhado
Aquilo que só vê mesmo o coração
E não se cheira tal aroma em vão lado
P'ra que se encontre não é procurado
Encontra-se, ponto, p'ra quê explicação?
Deu-me um trovador belo pretendente
Que nem masculina é sua morada
Falou-me de calor de modo quente
Com a poesia namorou-me, eloquente
E não fiquei nada mal casada.
Quer senhor meu pai casar-me
Mas não me parece que consiga
Pois nenhum homem me instiga
Não é fácil, mão no peito, agradar-me.
Pois procuro mais do que é olhado
Aquilo que só vê mesmo o coração
E não se cheira tal aroma em vão lado
P'ra que se encontre não é procurado
Encontra-se, ponto, p'ra quê explicação?
Deu-me um trovador belo pretendente
Que nem masculina é sua morada
Falou-me de calor de modo quente
Com a poesia namorou-me, eloquente
E não fiquei nada mal casada.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Convite
A felicidade é como gotas salgadas de água. Porquê? Porque sim, sou poeta e posso fazer destas coisas. Devias experimentar.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
O texto perdido
Estava já não sei onde a fazer não sei o quê, não tenho a certeza quando; no meio de pensamentos que na altura seriam importantes, surgiu-me na mente os versos de um possível poema, como penso que acontece aos poetas a sério. Que bom poema poderá sair daqui, terei de o escrever, pensei. E realmente pareceu-me minimamente engraçado. Mas não o escrevi, distracção sempre foi um dos meus cartões visita. Ora, agora mesmo enquanto escrevo este, tentei lembrar-me dele. Mas os versos que me vieram de lado nenhum foram para nenhum lado. Agora eu pergunto: Onde andará esse poema que não nasceu, poderá ele real sem ter sido efectivamente escrito? Por momentos ele foi uma verdade, só não o pode ser durante mais tempo e para mais pessoas. Neste preciso momento vislumbrei-lhe uma sombra mas desvaneceu-se logo; ah, ele anda aí! Talvez exista um sítio, uma enorme sala de espera cheia de poemas que aguardam serem escritos, e este escolheu-me a mim para ser seu pai. Vou deixar de pensar nele e decerto ele voltará a chamar, senão resta-me o consolo de que outro poeta a sério ou a brincar, o traga a vida e assim eu o possa ler.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
A brincar
Encho-me de esperança
Quando nas minhas letras pego
Não passo de uma criança
As palavras são o meu Lego!
Quando nas minhas letras pego
Não passo de uma criança
As palavras são o meu Lego!
Do fundo de um coração
Quero dar-te um presente
E dou-to em segredo, não digas a ninguém
Não tem preço, nem corpo, nem frio, é quente
Logo faz qualquer lágrima triste, contente
Como se fora mágico sopro de mãe.
Mais ninguém o pode ter, juro
Falo de algo muito puro
Que é apenas p'ra ti.
A prenda, está
Aqui
!
Não quero perder nada
Se me deixar levar pelo pensamento de que os teus olhos não podem ser reais e acabar por adormecer para sonhar com eles, acorda-me, e lembra-me que existem cores no mundo real mais brilhantes que as que pintam o mundo dos sonhos.
A cegonha ou A História de duas vidas trocadas
Era uma vez uma cegonha que vivia no tempo em que ainda eram as cegonhas que entregavam os bebés de porta em porta a quem, por via de processos burocráticos que aqui dispensarei pormenorizar, os desejasse e encomendasse. Até este dia, a cegonha, já experiente, sempre fizera um óptimo trabalho, tinha já renome no seio da comunidade de cegonhas daquela ocupação. O seu prestígio possibilitava que fizesse entregas de grande importância, como bebés filhos de rainhas e princesas. Mas a nossa ave um dia enganou-se e claro, sempre que há algo fora do normal, há uma história para contar, que de factos regulares pouco se pode dizer.
Tinha então a nossa amiga cegonha duas entregas para fazer: dois rapazes que de tão iguais no corpo não faziam adivinhar as diferenças dos berços onde se iriam deitar. Um iria morar para um palácio enorme e só não beberia ouro porque é indigesto. O outro iria para um família pobre que quisera a única riqueza que não se paga, e fazia a importante cegonha esta entrega porque ficava a pobre aldeia a caminho do rico castelo. Pois já estará o perspicaz leitor a adivinhar o sucedido. O menino que já era pobre antes de nascer, chamemos-lhe José, foi levado para a família da realeza enquanto Francisco, o rei recém-nascido, ficou no humilde casebre.
Encontram-se então duas semelhanças entre os bebés no geral e os bolos. São ambos doces e, depois de entregues, não podem ser devolvidos. Nem houve motivo para tal enquanto não se lhes nasceu os dentes, afinal, até certa idade as necessidades são as mesmas e as naturais e pobres e ricos as podem satisfazer. Cresceram então José e Francisco em tudo diferentes um do outro; para além das casas onde foram criados, Francisco era alto e loiro e de olhos azuis, um rapagão forte. Já José, o príncipe por engano, era pequenino, cabelo crespo sempre desalinhado, selvagem. Os olhos eram negros e profundos. Uma coisa tinham, porém, em comum. Os dois viveram sempre permanentemente insatisfeitos, desafiadores do seu destino, insaciáveis de algo que simplesmente não tinham.
Francisco não suportava a pobreza e os limites intelectuais que o seu meio lhe impunham, sentia-se predestinado a um futuro de poder e conhecimento e ali em pouco mais mandava que nas vacas, e essas nem sempre lhe davam o leite quando ele queria e precisava. Era curioso e não se satisfazia com as respostas fáceis e infantis que o seu pai lhe dava, bem como desprezava as histórias surreais de gnomos e dragões com que a mãe o habituara. José, esse desenvolveu com a chegada à juventude uma alergia tanto literal como psicológica ao ouro. Era ensaboado com aulas de ciências e matemáticas e línguas e na verdade tudo aquilo lhe parecia frio, cinzento. Acreditava nas fantasias que outros livros lhe contavam, mas sempre que lhe ocorria falar nisso era reprimido e proibido de dizer tais leviandades em voz alta.
Aos poucos, o sentimento de revolta foi crescendo e ganhando força na alma de cada um. Certo dia, Francisco acordou e olhou para o seu quarto de madeira e pensou que não eram aquelas paredes que haviam de receber os seus sonhos para o resto das suas noites. Partiu então de casa antes do romper da madrugada e, noutro reino, procurou instrução e tanta era a sua sede e talento para o poder, que acabou por liderar um grupo de revoltados contra o rei do tal reino, e assim o rei Francisco encontrou o Destino que falhara por culpa da cegonha. José, na mesma madrugada de fuga de Francisco, escapuliu-se da morada real e, disfarçado de pobre deambulante, refugiou-se numa aldeia vizinha do reino, já pertencente a um outro. Lá, esqueceu as verdades absolutas que aprendera e deitou-se à escrita de canções, acompanhadas de uma guitarra que trouxera do palácio. Na aldeia sempre lhe conheceram trovador e os seus olhos negros nnca lhe denunciaram as ricas origens.
Nos caminhos de fuga das realidades desconfortáveis, José e Francisco cruzaram-se. A cegonha que voa do início deste conto para lhe acompanhar o final, sentiu a proximidade dos dois e viu, lá do alto os caminhos antagónicos que seguiram. Percebera há muito o seu erro, mas ao ver a perseguição apaixonada de felicidade, tomou uma decisão: nunca mais uma cegonha entregaria um bebé à própria família, para que assim possa lutar e viver numa permanente insatisfação positiva. Nunca ninguém viverá contente e quem se acostumar à realidade onde caiu, morrerá com um amargo sabor de vida falhada.
Tinha então a nossa amiga cegonha duas entregas para fazer: dois rapazes que de tão iguais no corpo não faziam adivinhar as diferenças dos berços onde se iriam deitar. Um iria morar para um palácio enorme e só não beberia ouro porque é indigesto. O outro iria para um família pobre que quisera a única riqueza que não se paga, e fazia a importante cegonha esta entrega porque ficava a pobre aldeia a caminho do rico castelo. Pois já estará o perspicaz leitor a adivinhar o sucedido. O menino que já era pobre antes de nascer, chamemos-lhe José, foi levado para a família da realeza enquanto Francisco, o rei recém-nascido, ficou no humilde casebre.
Encontram-se então duas semelhanças entre os bebés no geral e os bolos. São ambos doces e, depois de entregues, não podem ser devolvidos. Nem houve motivo para tal enquanto não se lhes nasceu os dentes, afinal, até certa idade as necessidades são as mesmas e as naturais e pobres e ricos as podem satisfazer. Cresceram então José e Francisco em tudo diferentes um do outro; para além das casas onde foram criados, Francisco era alto e loiro e de olhos azuis, um rapagão forte. Já José, o príncipe por engano, era pequenino, cabelo crespo sempre desalinhado, selvagem. Os olhos eram negros e profundos. Uma coisa tinham, porém, em comum. Os dois viveram sempre permanentemente insatisfeitos, desafiadores do seu destino, insaciáveis de algo que simplesmente não tinham.
Francisco não suportava a pobreza e os limites intelectuais que o seu meio lhe impunham, sentia-se predestinado a um futuro de poder e conhecimento e ali em pouco mais mandava que nas vacas, e essas nem sempre lhe davam o leite quando ele queria e precisava. Era curioso e não se satisfazia com as respostas fáceis e infantis que o seu pai lhe dava, bem como desprezava as histórias surreais de gnomos e dragões com que a mãe o habituara. José, esse desenvolveu com a chegada à juventude uma alergia tanto literal como psicológica ao ouro. Era ensaboado com aulas de ciências e matemáticas e línguas e na verdade tudo aquilo lhe parecia frio, cinzento. Acreditava nas fantasias que outros livros lhe contavam, mas sempre que lhe ocorria falar nisso era reprimido e proibido de dizer tais leviandades em voz alta.
Aos poucos, o sentimento de revolta foi crescendo e ganhando força na alma de cada um. Certo dia, Francisco acordou e olhou para o seu quarto de madeira e pensou que não eram aquelas paredes que haviam de receber os seus sonhos para o resto das suas noites. Partiu então de casa antes do romper da madrugada e, noutro reino, procurou instrução e tanta era a sua sede e talento para o poder, que acabou por liderar um grupo de revoltados contra o rei do tal reino, e assim o rei Francisco encontrou o Destino que falhara por culpa da cegonha. José, na mesma madrugada de fuga de Francisco, escapuliu-se da morada real e, disfarçado de pobre deambulante, refugiou-se numa aldeia vizinha do reino, já pertencente a um outro. Lá, esqueceu as verdades absolutas que aprendera e deitou-se à escrita de canções, acompanhadas de uma guitarra que trouxera do palácio. Na aldeia sempre lhe conheceram trovador e os seus olhos negros nnca lhe denunciaram as ricas origens.
Nos caminhos de fuga das realidades desconfortáveis, José e Francisco cruzaram-se. A cegonha que voa do início deste conto para lhe acompanhar o final, sentiu a proximidade dos dois e viu, lá do alto os caminhos antagónicos que seguiram. Percebera há muito o seu erro, mas ao ver a perseguição apaixonada de felicidade, tomou uma decisão: nunca mais uma cegonha entregaria um bebé à própria família, para que assim possa lutar e viver numa permanente insatisfação positiva. Nunca ninguém viverá contente e quem se acostumar à realidade onde caiu, morrerá com um amargo sabor de vida falhada.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Reencontro
Num dia que parecia como os outros
Algo de estranho aconteceu
No lugar onde vivem os mortos
Fala-se do estrelado céu.
Corriam as doze horas do tal dia
O Sol, bom operário, alto brilhava
Quando ao seu lado, quem diria?
Apareceu a Lua, e como brilhava!
Logo se mandaram chamar urgentes
Cientistas e astrólogos e sábios
Muito falaram essas gentes
Mas a verdade não lhes saiu dos lábios.
Entenda o leitor deste caso singular
Que todo o mundo um plano segue
E quem o cumpre sempre, frio pensar
Explicar magias... não consegue!
Pois pensar não era ali chamado
Preciso mesmo era só sentir
Mandou-se vir então um não-letrado
Poeta simples p´ra complexo descobrir.
Olhou então para o surreal sucedido
E só sorriu, nada preocupado:
"Um grande amor que esteve perdido,
Foi hoje, por fim, encontrado."
Algo de estranho aconteceu
No lugar onde vivem os mortos
Fala-se do estrelado céu.
Corriam as doze horas do tal dia
O Sol, bom operário, alto brilhava
Quando ao seu lado, quem diria?
Apareceu a Lua, e como brilhava!
Logo se mandaram chamar urgentes
Cientistas e astrólogos e sábios
Muito falaram essas gentes
Mas a verdade não lhes saiu dos lábios.
Entenda o leitor deste caso singular
Que todo o mundo um plano segue
E quem o cumpre sempre, frio pensar
Explicar magias... não consegue!
Pois pensar não era ali chamado
Preciso mesmo era só sentir
Mandou-se vir então um não-letrado
Poeta simples p´ra complexo descobrir.
Olhou então para o surreal sucedido
E só sorriu, nada preocupado:
"Um grande amor que esteve perdido,
Foi hoje, por fim, encontrado."
A manhã pode vir sozinha
Tristes os que têm sonhos de noite e não os perseguem de dia, pois amanhã, ao acordar, pode ser sempre tarde demais
Hoje não
Hoje não me apetece escrever. Nem vou, porque nas escritas nem somos operários nem patrões, ninguém manda em ninguém, talvez só o coração nas mãos. Talvez. Não vou, então, dizer mais nada. Não vou dizer tristezas contentes nem alegrias deprimidas, sejam elas por mim sentidas ou criadas para personagens igualmente de mim nascidas. Não me apetece, bolas! Não vou gastar linhas com letras que outros mais sabidos poderiam ocupar com melhores dizeres. Para quê, afinal? Para quê se um poeta nunca será mais que um pobre Sísifo, condenado ao trabalho de empurrar uma enorme rocha ao cimo de um monte, para logo a seguir ter de recomeçar, eternamente. É isso mesmo. A mistura das minhas emoções e da minha imaginação dão-me mil textos e poemas, mas por muitos que as passe para palavras, nunca direi tudo e nem por isso sentirei a alma mais leve, que realmente já me pesa de tanto sentir. Por isso, hoje não escrevo, não digo mais nada.Não me vou preocupar com rimas enfeitadas para lindamente dizerem coisas bonitas, nem linhas misteriosas cultivantes de raciocínio. Não sei se falo para mim se para quem me lê, se for para mim para quê tantas rendas e flores, se for para quem me lê, valerá mesmo a pena? Talvez seja um balanço harmonioso entre os dois, mas não me apetece pensar nem sobre isso nem sobre nada, e já disse, não quero escrever. Se uma imagem vale mais que mil palavras, tenho que arranjar outro trabalho que este não me levará longe. Depende da imagem? Dependerá, sim, mas também depende das palavras. Daqui, hoje, não saem mais, se depender de mim. Afinal, acho que já encontrei quem é operário e quem é patrão.
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