quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma questão de necessidade

Concedo-te três desejos, em três dias separados. Em cada um deles, aparecer-te-ei quando entender, sendo que, apesar de te lembrares de mim, não te lembrarás do que pediste no dia anterior. Poderás pedir o que entenderes, que o terás.

1ºDia. O homem estava sentado no sofá, a ver televisão. Na tela eram apresentados vários produtos e serviços, e viu ser anunciado precisamente um sofá, daqueles com mil e uma super-características, que prometia conforto, superior até ao de uma cama. Realmente, este é bem desconfortável, pensou. Surgiu-lhe até uma dor de costas repentina, não se sabe se mais do mau sofá ou do brilhante anúncio. De súbito, apareceu o génio, que perguntou então qual seria o primeiro desejo; podem adivinhar, o homem pediu a quantia em dinheiro suficiente para adquirir o sofá. Mal se viu com o dinheiro na mão, correu a comprar a peça de mobília, e dor de costas, já ninguém a sentia.

2ºDia. O nosso já conhecido sujeito estava sentado no jardim, e de quando em vez o seu olhar poisava sobre outros rapazes, bem mais jovens, poucos eram os que não faziam parelha com uma rapariga igualmente jovem e igualmente bonita. A estes rapazes, faltava-lhes aquilo que só o tempo vai oferecendo, falso amigo: cabelo grisalho, rugas generosas, prisão de movimentos, sorriso branco e luminoso. A nossa personagem estava já afastado dessas alturas em que se pensa que se fica assim para sempre, e uma nostalgia sentida assolou-lhe o peito. De imediato, apareceu o génio, sempre oportuno, pedindo cobrança do segundo pedido. Obviamente, o homem pediu que fossem roubados trinta anos à sua aparência, qual operação plástica com pouco plástico, só o das motivações. E voltou o cabelo castanho escuro, longo, a pele esticada, a vontade das maratonas, o sorriso de orelha a orelha, também estas de função melhoradas.

3ºDia. O nosso amigo encontrava-se agora em casa, hora do lanche. Para variar dos pães com chouriço ou cervejas consigo mesmas, resolveu comer algo que devorava na infância: tostas mistas. Porque não? Sentou-se então, mas depois de comer a primeira a garganta pedia-lhe um acompanhamento líquido. No frigorífico, água e as já referidas cervejas não eram um bom par para aquele baile, que depois de uns momentos de ignorância insistia para ser dançado. O génio reapareceu e perguntou pelo derradeiro desejo. Para este, o homem pensou um pouco; não por ser o último, não por ser a melhor oportunidade para pedir fortunas ou juventude de borla, apenas não se conseguia lembrar de uma coisa... Que raio, que era que eu bebia com as minhas tostas em pequeno? Não me consigo lembrar... Batidos de banada! Sim, génio, quero um batido de banana. E um conforto que o sofá novo não lhe deu apoderou-se dele, bem como memórias de infância que o simples apagar de marcas temporais não trouxe. Na verdade, o sofá por lá ficou sem que o entusiasmo da primeira utilização durasse, e as rugas e os cabelos brancos, mais tarde, voltaram mesmo, não aborrecidos com o anterior despedimento. O batido, o batido depressa acabou - bem podia ter bebido outro - mas o que com ele veio acabou por durar para sempre. Porque por vezes coisas grandes que duram para sempre não marcam ninguém, e coisinhas que depressa se esgotam têm um efeito bem mais duradouro. Como batidos de banana.

1 comentário:

  1. Adorei ler...:)

    Às vezes os pequenos pormenores da vida fazem a diferença ;)

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Comentários