segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Não-vida

Passei por ela no pátio da escola e nela fixei os meus olhos, díficil não o fazer, a beleza dos cabelos de ouro batidos pelo Sol ofuscavam qualquer outra coisa que se atrevesse a estar num raio próximo. Amava-a, muito antes de saber por palavras e definições o que significa essa palavra tão utilizada e tão pouco sentida. Nesse momento, por alguma razão, também o olhar dela se dirigiu a mim, por uma infinita fracção de segundo - acredito que ainda hoje lá estamos, suspensos numa qualquer dimensão alheia ao tempo - e ela sorriu, sorriu para mim. Tentei também sorrir, mas acho que a minha cara se desenhou numa careta esquisita, pouco familiarizada com aquele bater frenético do coração. Acho que nesse momento as forças que ele dispendia me impediram de mover as pernas e ir ter com ela. Assim, nunca chegámos a falar. Nem cheguei sequer a saber o seu nome, nem o seu prato favorito. Nunca pude descobrir a sua flor preferida, e nunca lha pude oferecer. Não me sentei com ela num qualquer canto da escola, não lhe dei a mão e me deixei levar na maior viagem que se pode fazer sem que se saia do sítio. Não cresci ao seu lado, não aprendi juntamente com ela o que é um grande amor. Não foi a ela que dei o meu primeiro beijo, aquele que nos tira as forças e nos dá força para fazer tudo. Não a convidei para ir ao cinema ver um filme romântico, ou mesmo um de pancadaria, se ela gostasse!..., também nunca a levei a conhecer a minha família, orgulhoso por ter nascido na geração semelhante a tão enorme tesouro que nenhum antepassado meu pudera descobrir em qualquer mina ou ilha deserta. Nunca a levei ao meu jardim preferido, nem lhe mostrei por paisagens a minha história, aquela que ela já conheceria só de olhar para os meus olhos, porque o amor tem dessas coisas. Nunca tivemos a nossa primeira discussão, nem uma segunda. Quem me dera que as tivéssemos tido... Também não foi com ela que fiz projectos, nem foi com ela que os concretizei; não casámos, não tivémos filhos, nascidos do mais profundo e puro amor alguma vez presenciado pelos deuses. Não os vimos crescer, enquanto envelhecíamos. Não demos passeios junto ao Tejo de mão dada, em silêncio, porque já conhecíamos um do outro mais do que de nós mesmos. Não morremos juntos, por fim, como se a morte pudesse por termo a uma coisa destas, coitada, ela que sonhe. Não é com mágoa que penso nisto, mas sem dúvida com arrependimento; dizem por aí que não nos devemos arrepender do que fazemos, pois bem, a questão crucial é mesmo essa. Arrependo-me do que não fiz. Se o tempo andasse para trás...

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