quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A mágoa do palhaço

Era uma vez um palhaço. Como qualquer outro, a função deste era fazer rir as pessoas, e fazia-o particularmente bem; era conhecido internacionalmente, as piadas e brincadeiras que interpretava eram sempre originais e frescas, uma lufada de ar na rotina cinzenta das almas que o ouviam. E tão bem que combinava a sua personalidade com as cores que trazia no rosto; na verdade, os vermelhos e azuis e branco que trazia emanavam directamente do coração. E ria, ria, ria.
Numa das digressões da companhia circense para a qual trabalhava, este palhaço conheceu alguém que lhe viria mudar a vida para sempre; uma mulher (o amor tem o condão de alterar o que seja, deste a rocha mais dura à brisa mais esquiva) pela qual se apaixonou, bela, não pelo aspecto físico mas pela maneira como mexia com o artista. Na noite anterior à saída do circo daquela cidade, o palhaço procurou a amada. Ainda vestido após o espectáculo, o homem disse, absolutamente atrapalhado e envergonhado (características que sempre desconhecera) aquilo que sentia e os planos que tinha para abandonar tudo o que tinha, a sua personagem, por aquela que chegara ao seu espírito para não mais sair. Mal terminou a custosa confissão, a intrlocutora, após uma fracção de hesitação, arrancou do fundo de si uma gargalhada do tamanho do mar. Cada fôlego que tomava para redobrar o riso era uma faca espetada no peito do palhaço, que viu ainda elogiada aquela sua capacidade para fazer rir. Após aqueles eternos escassos segundos, tentou explicar, do meio do dilacerante nó que lhe atava a garganta, que falava a sério, talvez pela primeira vez desde que se lembrava enquanto pessoa. Segunda tortura, o apaixonado viu o seu sentimento ridiculariado: os palhaços não amam, os palhaços só fazem rir.
Mais que morto, o palhaço saiu a correr, mergulhando na noite da cidade adormecida. Largos minutos depois encontrou um largo e, sentando-se num pequeno banco frio, onde se sentou. Cobriu a cara colorida com as mãos cinzentas e rompeu o silêncio com um enorme e sentido soluço, borrando todas as cores do seu rosto com lágrimas que corriam incessantemente. O riso parecia-lhe a coisa mais rídicula do mundo e odiou-se a um extremo de apenas quem já sentiu o verdadeiro e cruel amor. E chorava, chorava, chorava.

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