terça-feira, 2 de março de 2010

A caixinha

O dia era de Sol, de uma luz quente que inundava quem tivesse tempo para a sentir, um convite irresistível para que as pessoas se sentassem e a mirassem, como se fora tão objectiva como a irmã chuva que, todavia, serve apenas de cenário a momentos mais poéticos. E bem podia, no seu sentido mais cinzento, servir de pano de fundo ao diálogo entre as duas personagens do teatro-vida que se desenrolava num qualquer lugar deste minúsculo palco chamado Mundo.

Era um jovem casal que se despedia; juntos havia anos, tinham encontrado um no outro a resposta ao fim último da existência. Amavam-se como o mar ama a praia, mas quis o destino que não fosse esta uma ligação eterna como a dos elementos. Ela teria que viajar. No último instante de adeus, a jovem deu ao rapaz uma pequena caixa de fósforos; como a mesma explicou, no interior da caixinha estariam três beijos dela, que ele só deveria usar quando mais precisasse. E foi tudo o que deixou.

Ele ficou, passaram dias como se foram anos e, sem nada que o agarrasse a si, quis fazer o que a vida menos quer. A um passo do vazio, resolveu abrir a caixa e beijá-la; lá dentro, estava um pedaço de algodão e, quando os seus lábios tocaram no tecido, o cheiro e cor e vida da amada entraram-lhe pela alma, chacinaram o cinzento que havia em si e agarraram-no à vida.

Cheio com a vida do pedaço de algodão, o jovem que quisera matar-se desejou vida como se fora água no deserto e, continuando consciente de que não poderia procurar o seu amor, percorreu o mundo e conheceu lugares, sabores, gentes, provou a aventura. Um dia, já mais velho, homem, no cimo de um rochedo com uma paisagem que bem podia ilustrar o Paraíso, sentiu-se pleno, completo, no que respeitava a si. Só desejou que a rapariga ali estivesse e, assim, deu um segundo beijo na caixa.

O tempo passava e o homem envelheceu. As viagens eram agora a bordo da sua imaginação, sempre sozinho, porque nunca encontrou ninguém que pudesse preencher o buraco que ficara naquele dia solarengo. A despedida que se aproximava agora era outra, bem menos dolorosa, mais apaixonante. Porque para o velho jovem a morte, que já anteriormente cumprimentara, não assustava. Na cama, perto de conhecer a face oculta da vida, beijou a caixa de fósforos pela última vez. Esgotou o terceiro beijo e chegou a uma conclusão: a amada sempre o tinha acompanhado. Feliz como nunca fora, fechou os olhos, com um sorriso na cara, alegre como um desenho a guache de uma criança.

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