sexta-feira, 26 de março de 2010

O choro do mar

Se, nas calmas noite de Verão, formos até a uma praia deserta e no céu despontar uma Lua bem cheia e calarmos qualquer pensamento, é-nos possível ouvir o choro do mar. Porque o mar já foi outrora um lugar secreto, mágico, cenário de aventuras de piratas e descobertas líricas que um povo uma vez realizou, já foi morada de sereias e deuses e a sua cor era mais que o simples reflexo do céu. De noite, quando essa cor é indistinta, o mar lembra-se de tudo isto, lembra-se dos amores que já abarcou, lembra-se do poderoso e temido que já foi. E lembra-se dos pescadores antigos; esses eram poetas que em bares e em casas à lareira versavam o temor que tinham pelo mar e a inveja disfarçada de homenagem àqueles que por ele nele morreram. E claro, chora. Chora porque o hoje o mar é só o mar, não é misterioso nem mágico e assusta muito poucos. Chora porque já não pode ser descoberto, e de facto uma coisa só é valorizada e apetecível quando não é inteiramente conhecida.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Perspectivas

Prefiro o espelho que me reflecte
A própria foto que outrém tirou
Pois esta é alguém a mostrar o que fui
E o espelho dá-me aquilo que sou.

terça-feira, 23 de março de 2010

Um sentido

Porque é que o leite é branco?
Porque é que a maçã sabe a maçã?
Porquê se, para ser franco
Tudo me cheira a manhã?

Sentido é venda e é ilusão
Olho e nariz e boca mente
Cheire-se com orgão coração
Veja-se com a visão da mente.

Porque tudo é belo e é verso
Um quadro surreal amigo
Que não é estranho nem perverso
Anda de mãos dadas comigo.

Bifurcação

Abri mãos e nelas estavam
Numa, flor pequena de floresta
Noutra, grande pomposa chave mestra
De ouro e jóias que brilhavam.

Para uma escolher decisão faltava
Pois mão livre caso prendia
E de cada opção futuro eu via
Filme que nos olhos me passava.

Se chave guardasse rei eu era
Amarelo ouro quanto sorriso
Felicidade de metal mera.

A flor voava ao vento liberto
Eu alegre corria como doce fera
E o meu coração era livro aberto.

domingo, 21 de março de 2010

Estado líquido

As lágrimas são a mais objectiva e extrema amostra de sentimento. Estão presentes nas boas e más emoções, quando estas chegam ao extremo. Não há nenhuma razão lógica para lacrimejar só nestas alturas; se fosse uma mera questão fisiológica, o corpo decerto não esperaria por grandes mágoas ou alegrias. Eu acho que as lágrimas surgem quando a nossa alma não consegue suportar mais sentimento. Como as nuvens! Quando estão muito carregadas, chove. Dentro de nós, o amor ou a raiva acumulam-se tanto que se condessam e tornam físicos, e nós chovemos. Por isso as lágrimas são de um valor incalculável; são sentimentos palpáveis! Da próxima vez que virem alguém chorar, seja de felicidade ou tristeza, sejam para ela um raio de Sol. Porque água mais luz é igual a arco-íris, e no fim destes, reza o mito, está um pote cheio de ouro. É uma questão de procurar.

sábado, 20 de março de 2010

Dual

Sinto falta de algo e não sei o que é. Quer dizer, acho que não é sentir falta, porque só se sente falta do que já se teve, e aquilo de que falo é algo que já tive mas não de uma forma suficientemente plena para que se torne impossível perdê-la. Quero que sejas o meu colo, quero levar-te comigo, mas eu não te posso levar, eu não sei onde vou... Quero ir a todo o lado mas quero estar sozinho, e quero estar parado e estar aconchegado em ti. Quero tudo, não quero nada. São duas almas num corpo e a coisa não corre muito bem; preciso de mais um corpo ou mais espaço para este que tenho. É que nem sequer sei que "eu" está a escrever isto.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Análise

Há muitas pessoas que fazem poesia, e não são poetas. E há muitos poetas que não escrevem poesia. Gosto muito desses, têm versos nos olhos e nos lábios e nos gestos, versos esses que são alegriosilábicos e cujo esquema rimático é A-M-O-R. Imaginem a estrutura interna...

Cruzada

Ontem aprendi uma coisa e quero transmiti-la a todos aqueles que aqui me leiam; façam o que fizerem, qualquer acção que tomem, custe o que custar (não custa nada), apontem sempre à felicidade, persigam-na. Porque a vida é isto mesmo, a busca pela felicidade. Alguém uma disse qualquer coisa deste género: em qualquer viagem, não importa chegar, mas sim partir. Desengane-se quem pensar que vai um dia atingir a felicidade plena, isso nunca vai acontecer. Mas desde que a procuremos,a nossa e a dos que nos rodeiam, estaremos a ser humanamente felizes, tanto quanto nos é possível. Mesmo que tudo esteja a correr ao contrário; hey, a noite é muito escura mas tem a lua e o mágico cantar dos grilos, a chuva é fria e desconfortável mas o cheiro a terra molhada é das melhores sensações existentes. A vida está cheia de armas para nos entregarmos a esta demanda pela felicidade. Vamos pegar nelas! Vamos ser cavaleiros andantes ou piratas e procurar tesourinhos, o que quer que nos desenhe a guache um sorriso na nossa alma. Como tostas mistas, ou o som de uma lareira, ou a luz de um trovão, ou uma caminha quentinha numa tempestuosa noite de Inverno. Parece simples, não é? É simples.

sábado, 13 de março de 2010

O amor é como as pantufas. É fofinho e aquece-nos e protege-nos contra a asperidade do chão gelado. Com pantufas voamos, sonhamos, somos felizes, na nossa própria casa.

Cativeiro

Sou cativo de mim
Carne é grade do coração
E a chave da prisão
Que é minha, não está
Na minha mão.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Linhas

Sou das pessoas que acredita em coincidências. E acho-as fantásticas e extremamente divertidas. Um pequeno jogo que a vida nos dá, do qual somos jogadores sem o controlar. Nunca vos aconteceu encontrar alguém conhecido longe dos lugares que seriam mais prováveis? Pensem nesses momentos. No meio de milhares de lugares e momentos, uma série de circunstâncias permite que duas pessoas conhecidas se encontrem entre centenas de outras. Não há determinismo possível, nenhuma explicação seca que se possa dar. Mas mais extraordinárias serão as vezes em que por igual soma de acontecimentos conhecemos alguém que se pode tornar especial. Um bom amigo, o amor da nossa vida, por exemplo. Por vezes vou na rua e penso nisto. Mesmo nos caminhos que piso diariamente, uma opção diferente, uma pequena alteração, e posso estar a evitar ou precisamente ir de encontro a tal pessoa. E penso em todas as pessoas que por isso não conheci, os sítios que não visitei, aquilo que não fiz. Porque como bem reza a teoria do efeito borboleta, um pequeno acontecimento desencadeia uma exclusiva série de outros. Basicamente, acho que dentro da nossa vida há muitas vidas que não vivemos. Por não há comandos e o tempo é um fogo que nunca pára de deflagrar.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Bola de neve

A bola
Cai e cresce
Enquanto desce
Fria egrande e alva
Como aquela madrugada
Como uma mulher só e amada
Que só poeta solitário sabe e salva
E a bola cresce e rebola e só e avança
E só acelera sem parar nem nunca se cansa
Passa arbusto e árvore e tudo o que lhe aparecer
Até que já velha e sábia chega ao fim e acaba por embater embater embater embater embater emb
a
te
r.

Conversas

Tanto barulho e som
Tanta palavra em vão deitada
Tanta mão apertada
Tanto "Olá como está"
Tão diverso e oscilante tom
Tanta palavra por aí há.

Diversos são os modos se falar.
Lábios e língua muito uso
Conhecem mas pouco dizem
Pois de mil que mundo tem
O sabor não encanta paladar
E esse falar eu odeio e recuso.

Com as palavras digo
Uso chavões de etiqueta aprendidos
Neles ignoro sentimentos, contidos
Não me saem da boca
Ficam comigo.
O som nada quer com o amor
Nem com choro nem com dor
Nem quer saber dos medos
Falar com lábios não tem a mesma cor
Prefiro tanto falar com os dedos!...

sábado, 6 de março de 2010

Os pequeninos

Ainda me lembro do tempo em que o mundo era o que me rodeava, os desenhos animados eram sonhos que banhavam abertos olhos e nada, nada me podia magoar. Não foi há assim tanto tempo. Mas desde então parecem ter corrido vidas. Agora sinto-me como mais um combatente contra as balas desta coisa ridícula que é ser crescido, quando tudo o que me apetece é berço papas e colo. É a poesia que agora busco. As crianças são poetas em estado puro, o coração delas não conhece ou tecto ou chão ou muro.

Ad infinitum

Construam-se palácios de amor extenso
Mas sem ouro e metais brilhantes
Que é de sangue e fome propenso
E sim com imortais diamantes.

Noite e dia

O dia e a noite não existem. Porque se em qualquer tempo de estranha mudança o Sol raiar muito antes da madrugada, não haverá treva que não se transforme em alvo espelho de aurora mágica.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Dilúvio

Bato porta a porta
Só me atende a chuva
Sem piedade.
Ninguém mostra abrigo
Ninguém se torna amigo
Ninguém mostra a verdade.

Chove e o horizonte perdeu-se
De azul e azul nado
P'lo cinzento foi condenado
E por muito que o procure
Não há olhar que fure
A escuridão que se abateu.

Nem céu nem chão
Nem ar nem Sol me são
Só me tenho e só sou
Porque a chuva veio e levou
Calor amor e coração

terça-feira, 2 de março de 2010

Os 3 chocolates

João, quando lhe perguntavam o que gostava de fazer, uma das muitas coisas que lhe vinham à cabeça, era ler. E era verdade, não se considerava um amante das letras, mas gostava. Não só de jornais e revistas temáticas, mas também “livros livros”, sem ilustrações, grandes, de aventuras ou mistério. Sim, gostava de ler. Pelo menos achava que sim, até ao dia em que essa realidade sofreu uma grande viragem, após um episódio bastante singular.

Havia ocorrido, até à hora de almoço, a rotina ordinária na vida de João; escola, basicamente. Levantara-se de manhã, apanhara o autocarro para as aulas, fizera um teste, recebera outro e tivera ainda Educação Física, antes da refeição já referida que, naquele dia, tomava sempre em casa.

Quando se sentou na paragem, procurou o passe que, cuidadosamente, guardava na carteira. Abriu-a e… nada de passe. Alarmado, procurou-o nas malas, a da escola e a do equipamento desportivo, nos bolsos, até no chão nas imediações da paragem. “Impossível”, pensou. “Guardei-o aqui na carteira, tenho a certeza. Bom, não vale a pena voltar agora para trás e procurá-lo. Só pode ter caído no balneário. Amanhã compro bilhete, e agora… bem, agora vou a pé. Caminhada de meia hora, estou cansado, mas faz-se bem”.

O percurso obrigava a que atravessasse um parque que, pela densidade de arvoredo, comprimento e ausência regular de pessoas, se assemelhava bastante a um pequeno bosque. Já não passava por ali fazia muito tempo, apanhava sempre o transporte, nunca lhe acontecera algo como naquele dia, o cuidado com que guardava e estimava as coisas a isso proporcionava. Já se encontrava à sensivelmente dez minutos no interior no parque quando algo o chamou à atenção; na berma no caminho mal alcatroado, junto a um arbusto, estava um envelope, juntamente com um pequeno embrulho de papel castanho. “Que raio estará isto aqui a fazer?” perguntou a si mesmo João, “Não parece que alguém o tenha deixado cair, tem mesmo aspecto de ali ter sido colocado.” Pegou então no envelope e, na ausência de nome de destinatário, investigou o embrulho: Não era muito pesado, podia sentir umas cavidades perpendiculares no que quer que o papel escondesse e, tal como o envelope, não dizia nada. Resolveu então abrir o envelope, já dominado pela curiosidade. “Não deve ser nada de extraordinariamente importante para pensar em entregar à polícia e, de qualquer das formas, parece-me que apenas o interior me pode indicar o destinatário, a existir.” E abriu.

Num papel cuidadosamente dobrado, podia ler-se, numa letra pequena e bem desenhada, a seguinte frase: Vou ensinar-te a ler. “Bem, continuo sem saber para quem será… no entanto, a maneira como está escrito para dirigir-se, vá-se lá saber porque razão, a mim.” Pensou João. “De qualquer modo, eu sei ler, não percebo o que quererá, na verdade, isto dizer. Vou abrir o embrulho, é a minha última e melhor hipótese.” Rasgou então o embrulho e lá dentro encontrou… uma mini-tablete de chocolate, não maior que um cartãozito. O que já era esquisito perdeu ainda mais o sentido com a descoberta, acabando por provocar mesmo algum desinteresse em João. “É uma brincadeira qualquer, alguém que não tem mais que fazer. Vou é comer o chocolate, aquela aula de Física matou-me e vai-me saber mesmo bem.” E de uma vez engoliu o chocolate, mal lhe sentido o sabor, mas ganhando forças para continuar o caminho, pois ainda faltavam mais de dez minutos até sair do parque e quanto mais depressa chegasse, melhor.

Uns metros à frente, depois de um par de curvas, encontrava-se uma bifurcação. João conhecia apenas um caminho, o da direita, que sempre havia tomado quando, no passado, ali andara. Todavia, parecia que hoje iria conhecer o da esquerda; um aviso à entrada do percurso destro impedia os peões de por ali passarem, devido a umas quaisquer obras que estariam a ser executadas. “Devem estar a tapar algum buraco, ou abrir mais o caminho”, pensou João. Eram normais, ocasionalmente, algumas intervenções de manutenção no parque, mas, por acaso, nunca tinha sido deparado com nenhumas. “É preciso ter azar… bom, sei que o da esquerda é mais longo, mas deverá certamente levar-me também a casa.”

Não tinha andado cinco minutos quando, para seu espanto, viu mais um embrulhozinho igual ao anterior, desta vez sem envelope. Mais uma tablete, em tudo igual à anterior. “Isto está a ficar mesmo muito esquisito”, pensou João. “Eu nem sequer devia estar aqui e aparecem-me duas tabletes, dum tamanho e forma que nem nunca sequer vi à venda, uma delas com uma carta dizendo que, inclusivamente, me ia ensinar a ler.” No entanto, não se preocupou verdadeiramente; era talvez uma brincadeira de um amigo. Ainda não vislumbrara o objectivo, mas decidiu entrar no jogo. Comeu o segundo chocolate, agora com muito menos voracidade com que ingerira o primeiro. Demorou-se um pouco mais, afinal já nem tinha tanta fome. Este sabia tal e qual o outro, mas parecia um pouco mais rijo, mas de uma maneira estranha, não sabia explicar. “Bom, avançando. Não sei quanto tempo tenho ainda de caminho ao certo, o melhor é pôr-me a mexer.”

E foi o que fez. Ainda andou dez minutos, até começar a ouvir pneus de carros a raspar o alcatrão, ainda ao longe primeiro, depois mais perto; estava quase a sair do parque. Apressou o passo, mas eis que a viu: terceira tablete, novamente com envelope. “Eu sabia, a história das tabletes ainda não tinha acabado. Deve ser a última, para trazer envelope… vou ler.” Pegou no invólucro mas no rosto deste dizia: Primeiro a tablete de chocolate. “Porque não? Jogo até ao fim. Okay, primeiro a tablete.” Já nem tinha fome, pelo que decidiu saborear bem este terceiro doce. Até lhe pareceu diferente; na verdade, ao deixar o chocolate derreter-se na boca, descobriu que as tais partes mais rijas eram afinal amêndoas, se bem que o sabor em si era muito idêntico. Não precisou de pensar muito para descobrir que as três tabletes haviam sido iguais, a diferença residira no modo como as saboreara. Abriu por fim o envelope, agora, com um texto mais longo e um pequeno “brinde”; o seu passe estava lá dentro. Dizia a carta:

Disse-te que te ia ensinar a ler. Para isso tirei-te o passe dos transportes, inventei obras para que percorresses um caminho mais longo. E ensinei-te a ler. Talvez ainda não tenhas estabelecido a relação, mas na verdade, fi-lo: As três tabletes não foram mais que três cópias do mesmo livro, ou melhor, três modos de leitura de um mesmo livro, texto, poema. Leituras essas feitas por ti. Cansado da tua última aula, devoraste-a mal deixando que te passasse pela boca. Matou-te a fome, leste mas não tiveste um verdadeiro prazer. Com os olhos agrediste letras que foram criadas com o intuito de te acariciar a alma. A segunda tablete já mereceu um outro tratamento, certo? Pareceu-te inclusivamente diferente da primeira, sei que sim. Leste, as palavras abriram as portas do teu coração, mas não chegaram a entrar, não as deixaste. São muito selectas, elas, têm de ser consideradas importantes antes de seduzirem alguém, tens de as respeitar antes de te apaixonares por elas. A terceira tablete… essa leste-a, no verdadeiro sentido da acção. Sentiste os seus pedaços, discerniste diferenças, saboreaste-a, sentiste-a por inteiro. Conheceste-a toda, percebeste possivelmente até que já a conhecias, ou melhor, já ouviras falar dela. As letras, as palavras, a literatura, começou por ser tua conhecida, depois amiga, agora amada.

Já sabes ler João.

Não vale a pena procurares-me, não sou sequer alguém.

E não era.

A caixinha

O dia era de Sol, de uma luz quente que inundava quem tivesse tempo para a sentir, um convite irresistível para que as pessoas se sentassem e a mirassem, como se fora tão objectiva como a irmã chuva que, todavia, serve apenas de cenário a momentos mais poéticos. E bem podia, no seu sentido mais cinzento, servir de pano de fundo ao diálogo entre as duas personagens do teatro-vida que se desenrolava num qualquer lugar deste minúsculo palco chamado Mundo.

Era um jovem casal que se despedia; juntos havia anos, tinham encontrado um no outro a resposta ao fim último da existência. Amavam-se como o mar ama a praia, mas quis o destino que não fosse esta uma ligação eterna como a dos elementos. Ela teria que viajar. No último instante de adeus, a jovem deu ao rapaz uma pequena caixa de fósforos; como a mesma explicou, no interior da caixinha estariam três beijos dela, que ele só deveria usar quando mais precisasse. E foi tudo o que deixou.

Ele ficou, passaram dias como se foram anos e, sem nada que o agarrasse a si, quis fazer o que a vida menos quer. A um passo do vazio, resolveu abrir a caixa e beijá-la; lá dentro, estava um pedaço de algodão e, quando os seus lábios tocaram no tecido, o cheiro e cor e vida da amada entraram-lhe pela alma, chacinaram o cinzento que havia em si e agarraram-no à vida.

Cheio com a vida do pedaço de algodão, o jovem que quisera matar-se desejou vida como se fora água no deserto e, continuando consciente de que não poderia procurar o seu amor, percorreu o mundo e conheceu lugares, sabores, gentes, provou a aventura. Um dia, já mais velho, homem, no cimo de um rochedo com uma paisagem que bem podia ilustrar o Paraíso, sentiu-se pleno, completo, no que respeitava a si. Só desejou que a rapariga ali estivesse e, assim, deu um segundo beijo na caixa.

O tempo passava e o homem envelheceu. As viagens eram agora a bordo da sua imaginação, sempre sozinho, porque nunca encontrou ninguém que pudesse preencher o buraco que ficara naquele dia solarengo. A despedida que se aproximava agora era outra, bem menos dolorosa, mais apaixonante. Porque para o velho jovem a morte, que já anteriormente cumprimentara, não assustava. Na cama, perto de conhecer a face oculta da vida, beijou a caixa de fósforos pela última vez. Esgotou o terceiro beijo e chegou a uma conclusão: a amada sempre o tinha acompanhado. Feliz como nunca fora, fechou os olhos, com um sorriso na cara, alegre como um desenho a guache de uma criança.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Luz

Era uma vez um cego. Um dia, o Sol brilhou tão fortemente que ofuscou os olhos que nunca abrira, e o cego, no meio de uma explosão de cor e calor, sentiu o mundo. E viu-o.

Frases feitas que marcam pontos

A vida não se mede pelo número de vezes que respiramos, mas pelos momentos que nos cortam a respiração.