terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Canção de embalar

Papá, tenho medo, não vás embora!, disse eu. O quarto estava muito escuro, e a minha pequenina cama podia esconder por debaixo dela imensos monstros e coisas más. Marta, não tens que te assustar com nada... está tudo bem... vês?, respondeu o pai, enquanto espreitava debaixo da cama e abria o guarda-vestidos. Mas não vás embora papá, por favor, espera que eu adormeça...  Mas nunca te custou a adormecer querida, que se passa?, perguntou-me. Não sei, estou assustada, e só de imaginar ficar aqui sozinha no escuro tremo toda! Desculpa... Não tens que pedir desculpa filhota, o pai fica aqui então. Só espero que não se tenha passado nada que não me estejas a contar, isso sim, assusta-me e preocupa-me.

Tinha de facto acontecido. Na escola, na turma da pequena Marta, um pai de um dos colegas falecera, o que levara a professora a explicar o que era a morte, algo que muitas daquelas crianças não percebia muito bem ainda. Tudo isso fizera Marta pensar na possibilidade do seu pai ou da sua mãe morrerem, o que a afligia.

Não, papá, está tudo bem. Só quero que fiques, sim? Tudo bem querida, queres que te conte uma história?,
perguntou-me o pai. Não, uma história não. Cantas-me uma canção?

O pai sorriu e acenou, sem falar. Baixinho, quase num sussurro, começou a entoar uma canção. A pequena Marta não a conhecia, na verdade nem entendia muito bem o que dizia, não parecia ser português. No entanto, a voz grave mas suave do pai soava-lhe imensamente bem, e logo se sentiu mais segura, mais quente, protegida. Parecia que o pai lhe tinha pegado ao colo, envolvendo-a num abraço quente. A menina pouco percebia de música, e o homem, se tinha algum dom artístico, não era o da música, pelo menos não o do canto. Pai e filha, nenhum dos dois percebia de notas musicais nem de tons, mas a música não é como o dinheiro, só para uns. Toca a todos. A pequena Marta sentiu os olhos a pesarem-lhe e fechou-os, devagar. Cada verso, cada palavra que saía cantada dos lábios do pai era um beijo que lhe era dado na alma, e logo os medos foram substituídos por sonhos, e estava tudo bem.

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