domingo, 27 de junho de 2010

Viagem

“Avô, porque é que estão ali tantas tartarugas?”A pergunta surgiu mal a criança vislumbrou, na praia, uma imensa manta verde que se arrastava em direcção ao mar. “Estas tartarugas romperam agora os seus ovos, e o seu instinto leva-as a caminharem para o vasto oceano, onde fazem a sua vida adulta! E depois voltam, para porem também os seus ovos…” O velho respondeu com a paciência e sabedoria que só os avós têm. “São muitas avôzinho!” “É verdade. Mas nem todas chegam ao mar, algumas são levadas pelas gaivotas, outras simplesmente não sobrevivem. O que me lembra uma história…” “Daquelas que o vento te contou, é?” Era assim que o homem apresentava os seus contos ao pequeno, e assentiu. “Sim, ora ouve…”

Era uma vez duas tartarugas bebés, como as que ali vês. Eram irmãs, mas apenas se conheceram porque os ovos eclodiram (eclodir é quando os ovos abrem, pequeno) junto um do outro. Como te chamas, perguntou a primeira delas, não sei, e tu, também não, só sei que tenho que ir para o mar, e também não sei porquê. Olha, vamos juntas, que eu também sei sem saber porquê que tenho que ir, está bem. E começaram a caminhar juntas, unidas por uma necessidade vinda sabe-se lá de onde, talvez do Céu, talvez do coração, talvez de lado nenhum.

Aos poucos, foram tomando atenção ao que se passava à volta delas. Confortadas por haver muitas amigas que faziam o mesmo caminho, sorridentes por ser um caminho fácil, até que viram algo que as assustou. Não muito longe, um pássaro do alto dos céus desceu e apanhou umas das tartarugas, e levou-a no bico. Quando viram isto, os dois pequenos seres pararam e entreolharam-se, não falaram, sabes pequeno, um olhar fala mais que muitas palavras. Estavam assustadas, pouco podiam fazer se um dos animais do ar viesse e as levasse para longe. Não o queriam, como que amassem o chamamento que sentiam pelo azul mar, e a essa paixão pediram para que tudo corresse bem, uma fé ali mesmo, onde a terra acaba e o mar começa, e elas queriam ser dessas descobertas que nós há muito fizemos.

Continuaram. Falavam muito, as pequenas tartarugas. Sobre o quê meu neto, não sei, nem elas o sabiam bem, afinal tinham à pouco nascido. É engraçado que mirassem o mar e sobre ele sonhassem sem nunca saber que já lá tinham estado, dentro da sua mãe. Às vezes sonhavam com o mar, mas o azul era indistinto, outras cores misturavam-se como numa grande tela. Juntas imaginavam o que seria que as chamaria ao mar, imaginavam as maravilhas que nele morariam. Imaginavam, imaginavam, como tu imaginas tudo o que amas e não conheces, ou conheces melhor que eu e os grandes, não sei.

Mas o caminho não era fácil. À medida que avançavam, passavam por tartarugas já mortas, aquelas cujas dificuldades e fraqueza venceram na guerra contra o mar. Mas, muitas continuavam a ser levadas do sonho pelos que não o tinham. Temos tido sorte dizia uma, Sim, é verdade, mas estou tão cansada, quero parar, dizia a outra, não, não desistas, olha o mar, está já ali.

Estavam mesmo muito perto do mar, mas a tartaruga estava enfraquecida, as pequenas patas pediam o líquido elemento, a areia era já dura demais, e parou. Segue minha companheira, disse, triste, fala ao mar de mim, diz-lhe que o amo e o gostava de conhecer, mas sou fraca, não consigo mais, cala-te, não vais ficar aqui, eu levo-te, anda, sobe-me para cima, não, também a ti te podem faltar as forças e pelo menos uma de nós deve conhecer o oceano, já te disse que te cales, aguento bem irmã, vamos juntas ver e nadar no mar, ele é nosso e nós dele, nele está o azul sonhador do céu, a terra é para quem não sonha.

E levou-a. Juntas entraram no mar, levadas pelas ondas que como braços as abraçavam e acolhiam. Nele viveram aventuras de sonho, sempre juntas, conheceram cores e que existiam também dentro de si e se misturavam com muitos outros animais que conheciam, e a tudo se chama amor, mas elas não sabiam, o nome não, o resto sim.

“E voltaram, não foi avôzinho?” perguntou o menino. “Claro, vieram muito mais tarde deixar os seus ovos..."

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