quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A pulga

Vejo uma pulga que não consegue saltar e compreendo a tragicidade do destino do pobre bicho, uma pulga que não pula perde logo assim quatro letras, quedando-se num engasgo ignóbil. Desperdiçam-se num andar desengonçado pernas talhadas para saltar, talvez se tenha distraído o artesão na circunstância de conceber este insecto, talvez menos se debruce por tão rasteiros seres, isso não, afinal todas as borboletas voam, todas as aranhas tecem, todas as pulgas pulam. Menos esta. Está entregue à tortura de sonhar com saltos grandes, enormes, tão maiores que si mesma que por sua vez dão ao sonho o sonho de voar, fardo em jeito de asas de pedra alva e reluzente, não muito diferentes, ao longe, das dos anjos, ao perto, das que trago comigo. Eis que a pulga que não pula... faz à mesma comichão. 

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