terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Φιλοσοφία

O negrume, devagarinho, vai perdendo aquela sensação de infinito. A cada segundo, como se não os conhecesse, vai a caminho de um azul que quanto mais nítido se torna mais me faz acreditar que é a mesma cor que ainda há momentos eu contemplava. Nasce um novo dia, fazendo-me nascer para ele. Ao assistir a este ritual, a esta dança bem medida, percebo que o normal é tomá-lo como meu, apoderar-me dele, Dou-lhe nomes, meço-o, exploro as virtudes da luz e aproveito-me do anonimato da treva. Decido, a meu bel prazer, quantos feixes de raios solares me apraz ter como companhia no quarto, quantas lâmpadas usarei na noite para a escorraçar e fazer troça dela.

Mas não hoje.

A enormidade da tela azul transcende-me. Tento apalpar, perceber o limite, compreender o que os meus olhos me mostram num pequeno pedaço que eu possa processar. Mas é como se caísse num poço sem fundo e constantemente esperasse um baque que nunca aconteceria. Estranhamente, não me assusta nem entristece. É somente um entender-me pequeno. Ínfimo. Reflicto na quantidade de gente e de animais que esta Estrela já aqueceu, tempo, a quantidade de gente que esta Estrela está a aquecer neste preciso momento, espaço. Num pequeno papel branco está um ponto encarnado que vai diminuindo sufocado de dezenas e centenas e milhares e milhares e milhões de pontos pretos que se reproduzem no papel que já é um lençol e já é uma tela sem fim.

Decididamente, hoje não.

Hoje respeito. No que podem parecer as linhas de um filósofo perdido, desenha-se o mapa de casa. Quando chego ao momento em que todo o Homem se enlute e chora a morte de se perceber vivo num mundo que não corre nem por ele nem para ele, abraço o Criador. É-me claro quem sou. O que faço aqui. É-me claro que nada, nada é meu. Não o que compro, não o que construo, não o que ganho. Nada. Não existe propriedade nem propósito. Nunca poderei nem dar nem receber nada, porque tudo me é emprestado e retirado no devido tempo.

E, hoje, não podia estar mais aliviado.

São quilos e quilos de um peso que eu nunca sentira que ascendem dos meus ombros, da minha fronte. É como se me tivessem confiado a maior e mais temível responsabilidade da História e ma tivessem retirado logo de seguida. Aceito a dádiva de aqui estar, sinto-me grato por ela. Na verdade, ao ponderar na sucessão de eventos e não eventos que levaram a que hoje eu aqui esteja a mirar o horizonte, como se me fora possível tal entendimento, invade-me este bem humorado estado de espírito em que encaro toda a humanidade como estúpida, tal qual um cão que persegue a sua cauda. Rio-me de mim.

Vejo um pequeno pardal no ramo de uma árvore próxima. Tem aquela inclinação no pescoço muito própria dos pássaros que os faz parecer intrigados com algo. Rio-me novamente. De mim. Quero pôr uma ave a pensar, todavia, se ela tivesse algum comportamento humano, neste momento, seria também ela rir-se de mim.

Porque o que eu hoje aprendi, ela sempre soube. 

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