sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Tatua-me

Tatua-me.
Traz a tinta e a tua mão.
Oh, sim, a tua mão, 
Os dedos grosseiros que de vestido azul
Fazem dançar linhas no linho
Fazem aves do sul que parecem cantar, baixinho
E que percorrem as minhas curvas feitas
De feitio outrora certo.

Vamos, tatua-me.

(Ela seduz-me, nua, bela,
Sabes que a minha tinta é tua...
Ela sabe que a tinta é dela
Mas pede-ma, carente
Suplica,
Sem falar.
E eu posso dar-lhe tudo
Todo o mundo
Num momento
Mudo.)

Tatua-me, estou em branco
Ou melhor, não estou
Não sou.
Faz-me, o que quiseres
Puderes não, que podes tudo.
Seja eu uma fatia desse mundo
E seja para sempre
Cravado profundo.

(Não te assusto com um amor eterno,
Só queres uma alma, um calor terno
E calma não temes um para sempre
Porque o medo era de seres em branco
E nunca seres,
Nem de ti,
Nem de ninguém,
Nem pai nem mãe,
Linhas feitas de nada.)


A tinta crava a pele,
E é como uma ponte que passo
Que atrás de mim vai ardendo
As chamas comendo
O que de antes não havia.
Mas cada corte ou rasgo
Não implica agonia
É de amor feito lago
É uma magia
Uma marcha em frente
Que cativa e contagia
E segue
Cega
Tatuada.