sábado, 11 de agosto de 2012
Pipocas
Sentei-me com o meu balde de pipocas e olhei para o ecrã. O filme estava mesmo a começar! Contava a história de uma rapariga, um pouco mais nova que eu própria, que vê a sua vida aparentemente normal e sem grandes problemas ter um pequeno grande percalço. O filme não era de terror, não tinha espíritos nem monstros nem extraterrestres, apenas os horrores da vida em que nós apenas pensamos e que, por norma acontecem apenas aos outros e.... nos filmes. Enquanto via o dia a dia da personagem, tão real quanto possível à carne através da lente, ia comendo uma pipoca, outra. As pipocas ajudavam-me a distanciar da tela, não mergulhar nas imagens, lembravam-me permanentemente de que era apenas um filme e cada uma era um comprimido de realidade. Agora, o problema da personagem; ganhou a lotaria. Nunca fora muito pobre, mas dos cinquenta carros estacionados na sua rua de prédios nenhum era dela, nem da mãe, nem do pai. O dinheiro foi, ao início, uma lufada de ar fresco. Estudos pagos, a carta de condução, um carro, uma casa maior, uns "brinquedos" novos. O pior, foram os amigos novos, as gentes de muito boas famílias dispostas, com o seu coração a transbordar de bondade e inocência (imensa), a acolher e orientar os novos ricos, frequentar a sua mui nobre e ilustre casa. Os sorrisos sabiam a plástico, os abraços a metal. Eu sentia a crescente angústia da rapariga, um pássaro que antes voava e que agora tinha uma gaiola de ouro. A conta da felicidade estava a zeros! Ganhou medo ao amor, à amizade, a tudo o que pudesse ser nota disfarçada de sentimento. Mais um ano da vida dela, mais uma pipoca, era preciso fazer mais alguma coisa mas... o quê? Não conseguia fugir, os grilhões do comodismo prendiam-na e prenderam-na, mais um dia, e outro e mais uma pipoca, o balde estava a acabar e o sabor era sempre o mesmo. Nenhum. Olhei para baixo. Não havia pipocas. Olhei em volta, não havia público. Nem cadeiras. Olhei em frente... não havia ecrã. Nada de cinema. O filme era muito a sério, e nunca eu desejara tanto que não tivesse sido. E agora?
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